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SER ÚTIL AINDA QUE BRINCANDO

Em fins do século XVIII, um dos principais atrativos para o lazer de alguns habitantes do Rio de Janeiro era o Passeio Público. Ana Maria de Carvalho refere-se ao lugar como “o primeiro local de lazer do carioca”. Talvez não tenha sido propriamente o primeiro, pois antes dele havia lugares como a Casa da Ópera e o Teatro dos Vivos, que foram edificados especificamente para o oferecimento regular de divertimentos. Mas o Passeio Público foi certamente o mais ostensivo nesse sentido, isto é, o que mais exibiu uma profunda articulação com um amplo programa de reformas políticas e urbanas, que além de espaços de lazer, incluía também o saneamento, o abastecimento de água e o embelezamento da cidade, tudo com a firme intenção de deflagrar o progresso da civilização na Colônia. À frente da ambiciosa missão, um homem de idéias esclarecidas, D. Luis de Vasconcellos e Souza. Por trás do surto de racionalização urbanística, o desejo de adequar a cidade aos modernos conceitos iluministas das capitais européias, um processo de civilidade e esclarecimento, do qual o Passeio Público era peça-chave.

Desde a segunda metade do século XVIII, Portugal vivia sob influencia de modernas concepções filosóficas, nomeadamente o Iluminismo. Mas em 1777, a ascensão de D. Maria I ao trono deu início ao período da “viradeira”. Conhecida pela sua extrema devoção religiosa, sua coroação fez logo afastar o homem forte do reinado anterior, Marques de Pombal, déspota esclarecido, empenhado em adaptar a moderna filosofia das Luzes às necessidades do sistema colonial português. Contrariando parte das orientações da antiga Secretaria de Estado, D. Maria permitiu até uma retomada da influência da Igreja – cujo poder havia sido drasticamente reduzido. Entre outros acontecimentos decorrentes, professores e alunos da Universidade de Coimbra, recém reformada em seus estatutos, foram presos ou expulsos pela Inquisição sob acusação de heresia.

O período, entretanto, não foi dotado de tanto radicalismo quanto parece. No dizer de Fernando Novais, que analisou justamente o período entre a ascensão de D. Maria I e a regência de D. João, “o período que se segue ao ‘consulado pombalino’ aparece-nos muito

mais como seu desdobramento que sua negação”.297 Ainda segundo ele, os anos entre 1750 e 1777 serviram à criação de condições e pré-requisitos para uma ulterior incorporação do pensamento ilustrado. Como resultado, o período da “viradeira”, a despeito dos antagonismos ideológicos declarados ao governo anterior, foi palco de um conjunto de ações que seguiram reformando o antigo sistema colonial nos mesmos termos que aquele praticado por Pombal. Aprofundou-se a dinamização da produção colonial, com incentivo à diversificação da agricultura e introdução de novas culturas; também das preocupações com melhorias das técnicas de produção agrícola, da reforma do ensino, do combate ao contrabando e do estimulo ao comercio entre as Colônias, inclusive com autorização para que certos gêneros de produção girassem livremente entre alguns dos seus portos.

A nomeação de D. Luis de Vasconcellos como vice-rei em meados de 1778 é mais uma ação inserida, de certo modo, nesse conjunto de iniciativas. Instruído por Martinho de Melo e Castro, Secretario de Estado do novo governo português, a construção do Passeio Público estava radicalmente circunscrita a todo um conjunto de ações. Pretendia-se mesmo, de acordo com análise de Nireu Cavalcanti, oferecer aos cariocas a possibilidade de “demonstrarem o grau de civilidade que possuíam, bem como os gestos e as maneiras de uma educação requintada”.298 Particularmente, o lugar equivalia no dizer de Ana Maria de Carvalho, à implantação decidida e triunfante do programa iluminista na capital do vice-reino. Segundo ela:

À Corte monárquica interessava seduzir e controlar àquela inquieta burguesia colonial (à sombra da qual se gerara), que estava se tornando perigosamente representativa na sociedade carioca não só pelos vínculos financeiros que começara a estabelecer com a aristocracia rural, como pelo desprestígio sofrido pelo clero confessional a partir da administração pombalina. Fez-se necessário evidenciar-lhe um espaço. O modelo escolhido foi um dos mais representativos do ideal de civilidade instituído nas modernas cidades européias da época: um monumental jardim público, como sinônimo de bom gosto, luxo e entretenimento – uma expressão da natureza dominada pela razão do homem.299

A expressão “sou útil ainda que brincando”, imprensa na Bica do Menino, escultura de um cupido alado que compunha parte das construções do Passeio era o reflexo

297. NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). 7. ed. São Paulo:

Hucitec, 2001, p. 224.

298. CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, p. 314.

299. MONTEIRO DE CARVALHO, Ana Maria Fausto. Mestre Valentim. 1. reimp. São Paulo: Cosac & Naif,

acabado do próprio pensamento iluminista, que pretendia aproximar o fazer artístico de um forte senso de utilitarismo, “uma expressão da natureza dominada pela razão”.

São muito poucas as informações a respeito do seu processo de construção e idealização. Através dos traços assumidos, reconhece-se hoje que estivesse influenciado e conformado à moda do Passeio Público de Lisboa, cuja construção, por sua vez, articulava-se com o “plano de reedificação da Baixa”, projeto de reconstrução da capital portuguesa depois do terremoto de 1755, que mais do que simplesmente reconstruir o que havia sido destruído, pretendia estabelecer horizontes racionalmente planejados de crescimento urbano.

A construção do Passeio de Lisboa, especificamente, iniciou-se por volta de 1764, sob o projeto do arquiteto português Reinaldo Manuel dos Santos, com o objetivo de contribuir para o ordenamento do espaço público e para a formosura e saneamento da cidade.300 Foi-lhe destinado terrenos da Horta Seca e dos Palácios Castelo-Melhor, de propriedade da família, justamente, de D. Luis de Vasconcellos.

Figura 25 – D. Luis de Vasconcelos e Souza, (sem data).

Imagem de D. Luis de Vasconcelos, vice-rei que se empenhou em mudar a fisionomia urbana do Rio de Janeiro, construindo, entre outras coisas, o Passeio Público da cidade.

Figura 26 - Leandro Joaquim, Lagoa do Boqueirão da Ajuda, óleo sobre tela (1789). O quadro exibe a região

onde atualmente se encontra o Passeio Público, provavelmente momentos antes de ser aterrado.

Figura 27 – Richard Bates, Terraço do Passeio Público visto da Igreja de N. S. da Glória, Aquarela (1809).

Figura 29 – Tomas Ender. Grupo no passeio público (1817-1818).

Figura 30 – Alfred Martinet, O Passeio público, Litografia (1847).

Figura 32 – K. Loeillot de Mars, O Passeio Público – entrada, Litografia aquarelada (1835).

Figura 33 – Eugene Cicére, Panorama do Rio de Janeiro tomada do Passeio Público, Litografia (1854).

No Rio de Janeiro, tudo indica que as obras de aterramento visando o Passeio Público iniciaram-se em 1779. Portanto, quase imediatamente à sua chegada ao Brasil, que aconteceu em março daquele ano, o novo vice-rei já deflagrara as primeiras iniciativas para levar adiante suas ambições urbanizadoras, entre as quais se incluía a construção do Passeio Público. Iniciou-lhes com o aterramento da Lagoa do Boqueirão da Ajuda e imediações, a partir de material retirado com o desmonte do outeiro das Mangueiras, um contraforte do morro do Desterro, situado próximo à Lapa (Figura 26). Os recursos para o empreendimento vinham do trabalho de uma “casta de vadios que commettem insultos e

extravagancias inauditas”. Detidos na fortaleza da ilha das cobras, para onde eram enviados os acusados e detidos por essa infração, a intenção, na verdade, era puni-los com demonstrações severas que servissem de exemplo e de estímulo para coibir tal tipo de comportamento; “reprimir o vicio, promover o trabalho, e tirar da ociosidade uma espécie de lucro, e de ganho de utilidade d’aquelles mesmos que o desprezam”, conforme declara o próprio vice-rei no seu relatório ao Conde de Resende. Além disso, utilizava-se também dos rendimentos decorrentes do açoite de escravos, devidamente guardados num cofre no calabouço daquela mesma fortaleza, a fim de servirem às obras públicas da cidade, particularmente à construção do Passeio. “Todos estes rendimentos, que se tem apurado por um methodo e escripturação abreviada, se tem consumido nas obras do passeio público, a que as pequenas rendas da camara, e as poucas forças da fazenda real não podiam acudir”.301

Entretanto, um ofício que prestava contas à Metrópole sobre as rendas e as despesas no Vice-Reino datado de julho de 1781, quando as obras já haviam se iniciado, não menciona nenhum gasto específico com a construção do Passeio propriamente dito.302 Não quer dizer que iniciativas nessa direção não tivessem já se deflagrado. Diferentemente, a notícia apenas confirma que frentes de trabalho compostas pelos “vadios” detentos na ilha das cobras tenham sido diretamente empregadas na sua construção.

Informações precisas sobre o término da obra ou sobre possíveis cerimônias de inauguração também são pontos obscuros. Supõe-se razoavelmente que por volta de 1783 as obras de construção tenham se encerrado. Segundo avaliação de Moreira de Azevedo.

No fim de quatro annos de trabalho estava concluído o Passeio que abriu-se em 1783, talvez em algum dia de festejo real; e desde então tornou-se um lugar de recreio público, e o ponto preferido pelo povo que ahi ia espairecer, apreciar o luar límpido, o bater das ondas, o aroma alpestre do arvoredo, e o gorgeio dos passarinhos. De noite nos bancos de pedra collocados sob as arvores ouvia-se tanger a viola, ou gemer a rabeca ao som melodioso de alguma voz que entoava cantigas em voga.303

301. VASCONCELLOS DE SOUZA. Luis de. Relatório do vice-rei do estado do Brasil Luiz de Vasconcellos ao

entregar o governo ao seu successor o conde de Resende. Revista do Instituto Histórico e Geographico

Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo XXIII, 1860, p. 183.

302. VASCONCELLOS E SOUZA, Luis de. Novas culturas, obras publicas, rendas e despezas do Brasil nos

tempos coloniais. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo LI, parte 2, p. 183- 194, 1888.

303. AZEVEDO, Moreira de. O Rio de Janeiro: sua história, monumentos, homens notáveis, usos e curiosidades.

Indício nesse sentido seriam as palavras do poeta Bartholomeu Antonio Cordovil dando notícia sobre o início do funcionamento dos jacarés de bronze do Passeio Público, muito possivelmente escritas justamente em 1783, pois, nesse ano, o poeta mudar-se- ia para Goiás na companhia do governador Tristão da Cunha Menezes. Portanto, é razoável supor que seus versos tenham sido escritos antes da sua viagem. De maneira até mais ostensiva, em 1785, já se registrava versos dedicados ao Passeio, dessa vez de autoria do poeta Manoel Ignácio da Silva Alvarenga.304 Sabe-se também que em 1786 o Passeio Público serviu de palco para as comemorações do casamento de D. João com D. Carlota Joaquina. A esta altura, o lugar já era reconhecido como “a Praça mais lustrosa e pública da cidade”, segundo registra Luiz Edmundo em seu livro sobre o Rio de Janeiro no tempo dos vice-reis.305

Mas não deixa de ser curioso que a principal personagem a qual a história do Passeio Público estaria tão firmemente associada não tenha se preocupado em fazer muitas referências a sua realização. Apesar de a construção parecer importante às suas finalidades modernizadoras, D. Luiz de Vasconcellos apenas a cita tangencialmente em uma ou duas oportunidades. O relatório ao seu sucessor, por exemplo, que se apresenta como um balanço final de toda sua gestão – que se estendeu até junho de 1790 – prefere concentrar-se nas suas ações de ordenação de exércitos e guarnições; nos empreendimentos de introdução de novas culturas; no estabelecimento de novas aldeias para cessar com as extorsões e as desordens dos “Indios bárbaros”, como fez nos distritos de “Campos do Goytacaz”; nas iniciativas de promover estabelecimentos úteis ao progresso, como o incentivo à mineração; nos melhoramentos tais como a introdução da criação de animais na fazenda real, que se encontrava reduzida à “tristíssima situação”; e sobretudo na demarcação dos domínios do interior da America meridional, talvez por considerá-las “um dos negócios mais importantes d’este governo”.306

De todo modo, em que pese o silêncio de seu principal mentor, não parece exagerado entender a construção do Passeio Público como uma importante realização da ilustração setecentista luso-brasileira. Uma série de outras iniciativas importantes sob este mesmo aspecto também não foram citadas, como a manutenção de sociedades literárias e academias de ciência ou a fundação da Casa dos Pássaros. O Passeio Público, além da sua

304. Ibid., p. 451 e 449, respectivamente.

305. EDMUNDO, Luis. O Rio de Janeiro no tempo dos vice-reis (1763-1808). Brasília: Senado Federal, 2000, p.

222.

natureza e dimensão intrinsecamente “ilustrada”, tratava-se, sem dúvida, de uma obra de vulto, que mobilizava uma complexa tecnologia de construção para os padrões da época. Foi preciso, afinal, desmontar todo um morro, realizar o aterramento de uma lagoa, aplainar o terreno, além de construí-lo propriamente; esforço, ademais, sempre justificado por razões civilizadoras.

Entretanto, a julgar pela avaliação do próprio D. Luis de Vasconcellos a respeito da dificuldade em outras iniciativas de se converterem os brasileiros aos novos costumes, sua capacidade efetiva de êxito pode ter sido bastante relativa. O incentivo a novas culturas como o linho cânhamo, por exemplo, padecia tanto pela falta de recursos para promovê-la, quanto pela relutância da população em incorporá-la. Nas palavras do próprio Vasconcellos, em ofício da época:

Devo confessar a V. Excellencia, que os effeitos vão correspondendo muito mal ás minhas dilligencias, e que faltam os meios proporcionados para se conseguir um fim tão importante, como se dezeja, e eu procuro. A repugnância d’estes moradores a novas culturas, tantas vezes lamentada, é muito maior a respeito da coxonilha [...] Recebem com uma violência qualquer das razões.307

A relutância dos brasileiros em incorporar novos hábitos não esteve restrita apenas a plantação de novas culturas. Em 1799, ainda na esteira da política pombalina de modernização, diversificação econômica e promoção de uma nova ética do trabalho, foi criada em Lisboa a Casa Literária do Arco do Cego, que se articulava com todo o projeto iluminista do Império lusitano. Apesar de ter funcionado por apenas três anos, suas impressoras foram capazes de publicar mais de 80 obras, entre originais e traduções. Apenas para a capitania de São Paulo, segundo cálculos de Roberto Wegner, foram enviados 2.300 livros em 11 remessas, quase todos versando sobre técnicas de melhoramento agrícola e temas afins. Desse total, apenas 25%, aproximadamente, teriam saído dos estoques para as mãos de brasileiros até 1803.308

Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça, governador da capitania de São Paulo à época, era um dos que se mostrava desde o início muito pessimista quanto ao destino do material. Já em 1799 anotara em carta a d. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro do Ultramar do Estado português na última década do século XVIII, a falta de compradores para

307. Vasconcellos, 1888, p. 184.

308. WEGNER, Roberto. Livros do arco do cego no Brasil colonial. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol.

os impressos que recebera do Arco do Cego, bem como a negligência e o descuido que havia no cultivo das artes e ciências, de maneira mais geral. Nas palavras de Melo Castro e Mendonça: “não há quem se anime a comprar um só livro, de maneira que muitos dos que se tem espalhado, têm sido dados por mim”. Em outra passagem, dois anos depois, reiterava: “estes livros não tem tido nesta capitania a extração que mereciam, e que eu me prometi quando os recebi”. Segundo avaliação do próprio governador, diretamente incumbido na missão de difundir os novos livros, bem como as idéias que eles traziam consigo, a preferência geral era pelos textos clássicos ou pelos religiosos.309

No caso do Passeio Público, contudo, sua mera construção, assim como todo o empenho de D. Luis de Vasconcellos, já denuncia uma clara expectativa por parte das classes dirigentes que o concebeu e o realizou – a despeito da eficiência em realizar suas finalidades. Claro que isso não diz tudo, pois é comum que haja descompasso entre as intenções planejadas e a sua efetiva realização, como as próprias palavras de D. Luis de Vasconcellos sobre a dificuldade de se iniciar o plantio de novas culturas denunciam. É possível, nesse sentido, que o Passeio Público não tenha cumprido os objetivos para o qual fora planejado. É possível, por exemplo, que a população simplesmente não tenha aderido ao costume que o espaço previa e de certo modo induzia, ou então que os usos que a população lhe destinasse contrariassem talvez quase inteiramente as nobres idéias de “civilidade” e “boas maneiras” inicialmente pretendidas com a sua construção. Senão vejamos.

De acordo com as impressões de George Hamilton, cirurgião inglês que esteve no Rio em princípios de 1791, o terraço do Passeio, que ele julgava possuidor de um “mobiliário extremamente requintado”, capaz de oferecer um agradável descanso para um viajante ocioso, era “freqüentado pelas pessoas da moda”, onde “por vezes são realizadas reuniões vespertinas”.310 Informação tanto quanto diferente da legada por James Tuckley, que um ano depois, no fim de 1792, dizia que no inverno o Passeio ficava vazio. Segundo ele:

As mulheres ficam constantemente em casa e os homens, dependendo do charmoso incentivo da presença feminina, não querem desperdiçar o seu tempo num passeio improdutivo. Seguindo o exemplo do sexo oposto, eles parecem preferir depender o seu tempo na mais completa indolência e, como 309. Ibid., p. 137.

310. HAMILTON, George. A voyage round the world, in his Majesty’s frigate Pandora. Performed under the

direction of captain Edwards in the years 1790, 1791, and 1792. Berwick / London: W. Phorson / B. Law and son, 1793, p. 12-19. In: In: FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Outras visões do Rio de Janeiro Colonial: antologia de textos (1582-1808). Rio de Janeiro: José Olympio, 2000, p. 241.

uma andorinha, permanecer em estado de letargia até a entrada da primavera.

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Por outro lado, George Stauton, secretário daquela missão diplomática inglesa que se dirigia à China em 1792, tenderia a concordar com George Hamilton e discordar de James Tuckley ao dizer que o Passeio Público, “construído para promover a saúde e o prazer dos cariocas”, era o lugar onde a boa sociedade freqüentemente se reunia. Fala já da realização de concertos musicais que adentrariam a noite, bem como variadas formas de divertimento, de modo geral. Nas suas palavras:

Durante a bela estação, as pessoas que gostam de se divertir podem passear por este jardim e, às vezes, apreciar aí algum concerto. Nessas ocasiões, são organizadas excelentes ceias, acompanhadas de música e fogos de artifício, que se alongam pela noite adentro [...] Neste jardim, denominado Passeio Público, os habitantes locais podem, em suma, encontrar variadas formas de divertimento.312

John Barrow, em dezembro de 1792, apesar de ter se indignado com a presença de plantas importadas da Europa, que lhe pareciam ter “uma aparência pouco viva”, dizia também tratar-se de “uma obra que muito contribui para a saúde e o divertimento da população”. Segundo ele:

Conta-se que os habitantes locais costumam reunir-se algumas vezes no Passeio Público. Nessas ocasiões eles jantam, passeiam, tocam música, soltam fogos de artifício; enfim, divertem-se até avançada hora da noite. Durante nossa permanência na cidade, entretanto, não tivemos oportunidade de presenciar esse acontecimento.313

Aparentemente, todos esses viajantes foram pessoalmente visitar o Passeio, procedimento comum, quer fosse por iniciativa própria, quer fosse por convite dos governadores, ou outros conhecidos, que às vezes inclusive os acompanhavam, como ocorreu à lorde Macartney, segundo conta-nos seu criado pessoal. O propósito poderia ser diplomático,

311. TUCKLEY, James Kingston. An account of a voyage to establish a colony at Port Philip in Bass’s Strait, on

the south coast of New South Wales. London: Longman, Hurst, Rees, and Orme, 1805, p. 40-113. In: FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Outras visões do Rio de Janeiro Colonial: antologia de textos (1582-1808). Rio de Janeiro: José Olympio, 2000, p. 263-264.

312. STAUTON, George L. Na authentic account of an embassy from the King of Great Britain to the Emperor of

China. London: W. Bulmer and Co., 1797, vol. I, cap. V, p. 151-190 In: FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Visões

do Rio de Janeiro Colonial: antologia de textos (1531-1800). 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008, p. 275-

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