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ʽAbd al-Muʼmin, o primeiro califa

6. Morte e Sucessão

6.1. ʽAbd al-Muʼmin, o primeiro califa

A proclamação de ʽAbd al-Muʼmin como Califa257, a introdução do princípio hereditário na sucessão e a modificação operada por ‘Abd al-Mu’min na organização política do movimento, podem ser entendidas como a necessidade de alguém, que sabendo que não era natural do meio berbere do Anti-Atlas, sentia em afirmar o seu poder face a outros poderes rivais e, também, em garantir a manutenção desse mesmo poder no seio da sua própria família. Estes aspetos constituíram os pontos fundamentais na transformação do movimento de uma oligarquia tribal numa monarquia autocrática.

Como refere Hugh Kennedy, “ʽAbd al-Muʾmin undertook a major political reorganisation which put his family firmly in control of the caliphate. The first step was

255 Victoria Aguilar, Tribus árabes en el Magreb en la época almohade (1152-1269), Tesis Doctoral,

Universidad Complutense de Madrid, 1991, p. 87

256Maribel Fierro, “Las Genelogías de ʽAbd al-Muʼmin…”, p. 96

257 Segundo al-Bayḏaq, esta proclamação terá acontecido em Tīnmall no ano de 527H. Cf., al-Bayḏaq,

“Les Mémoires D’Al-Baiḏaḳ”, in Documents inédits d’histoire almohade, ed. e trad. Évariste Lévi- Provençal, Paris, Librairie Orientaliste Paul Geuthner, 1928, p. 137-8

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to secure the acknowledgment of his son Muhmmad”.258 Através desta ação, ʽAbd al- Muʾmin, não só reforça o seu poder, como garante a continuidade desse poder político no seio da sua família e descendentes.

Com a sua definitiva subida ao poder ‘Abd al-Mu’min, procura num primeiro momento afirmar e salvaguardar esse mesmo poder. Deste modo assume-se como califa da comunidade. É um novo título usado no período almóada, cujo significado como chefe e guia supremo quer a nível político, quer a nível religioso, dão a ‘Abd al-Muʾmin uma legitimidade acrescida.

A par do título de califa, ‘Abd al-Mu’min usa ainda o título de amīr al- muʼminīn, aqui significando príncipe dos crentes. Ambos no mesmo sentido em que na tradição shīʽita são usados pelo califa Alī ibn Abī Tālib ou que na tradição sunita são usados pelos quatro primeiros califas da comunidade - aqueles que sucedem ao próprio profeta Muḥammad, também considerados os califas Rashidun, califas perfeitos. Desta forma se procura uma legitimidade que remonta às origens do próprio Islão.

Quer dizer, não podendo proclamar-se Mahdī, como o havia feito Ibn Tūmart, por razões óbvias, ‘Abd al-Mu’min, procura, com o uso destes títulos a legitimidade acrescida e necessária para fazer face a outros pretendentes e rivais e para, como sempre acontece com quase todas as dinastias árabes e muçulmanas, encontrar na relação com a família do Profeta Muḥammad as bases que justificam o seu poder político e religioso junto da comunidade dos crentes, os almóadas muçulmanos.

A organização política é alterada. Embora não desaparecendo completamente, os Conselhos, vão progressivamente assumindo um carácter consultivo, ganhando relevo outros cargos como o de Vizir ou Secretário259. “These changes gave the almohad state a strongly hereditary charater. With few exceptions, governors of important towns (…) were to be members of the Caliph’s family. However the families of the Almohad elite also benefited from this. The sons of the Ten and Fifty became a hereditary ruling class (…) commanders of armies or governors of smaller towns. The title of hafiz was usually reserved for such people (…); the title talib, on the other hand, was held by non-military figures among the religious classes (…). The Almohads were divided into two groups, the salaried jama’a, numbering about 10,000, who were

258 Hugh Kennedy, Op. Cit., p.205

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permanently based in Marrakesh except when they went on major expeditions, and the ‘umum of lower status who were based in provincial cities”.260

O nascimento de uma administração político-religiosa centralizada em torno da figura do califa, não só surge como uma necessidade em face das conquistas territoriais e expansão geográfica do império mas também assume, com o nascimento de um corpo de chancelaria, uma função de carácter político e administrativo, como forma de o controlar e centralizar em torno da figura do novo califa.

As crónicas, com o seu carácter apologético e de exaltação do poder, a que temos por várias vezes feito referência, não nos permitem extrair todas as conclusões que tais mudanças provocaram261. De qualquer forma não deixa de ser significativo o facto dos irmãos de Ibn Tūmart manifestarem o seu protesto pelas alterações introduzidas, tendo visto diminuído o seu papel e a sua influência. Como rivais de ‘Abb al- Mu’min, passam também a ter um papel cada vez mais subalterno na primitiva organização política e social da comunidade que havia sido concretizada em torno do Mahdī. “The Mahdī’s two brothers rebelled openly and tried to seize power in Marrakesh262, but they failed and were put to death”.263

Assim, não perdendo o seu carácter profundamente berbere e rural, o certo é que o regime vai cada vez mais assumindo um carácter mais urbano, à mesma medida em que vai conquistando território e entrando nos principais núcleos urbanos do Magreb e do al-Andalus264. Associado ao facto de que, com as necessidades militares provocadas pela expansão, ‘Abd al-Mu’min, chamar cada vez mais em sua ajuda tribos árabes da região da Ifrīqiya, bem como elementos pertencentes a tribo kūmīya da região de Tlemcen, de que o próprio ‘Abd al-Mu’min era originário. Eram necessárias uma nova estrutura e organização, novas elites, uma doutrina que relacione de forma clara o novo califa com o Mahdī.

260 Hugh Kennedy, Op. Cit., p. 207

261 Por exemplo, Cf. Abū Muḥamad ʿAbd al-Wāḥid al-Marrākušī, Kitāb Al-Muʻŷib Fī Taljīṣ Ajbār Al-

Magrib… ou Cf. Ibn Ṣāḥib Al-Ṣalā, Al-Mann Bill-Imana…

262 Huici de Miranda refere que esta tentativa de golpe terá acontecido quando “tenía el Califa unos

cinquenta e cuatro años y catorce hijos varones”, logo após a proclamação de Muḥammad como seu príncipe herdeiro (Cf. Huici de Miranda, Historia…, p. 169 e 171), ou seja em 549H/1155dC.

263 Roger Le Tourneau, Op. Cit., p. 59

264Por exemplo, a conquista de Fez (540H/1146dC); Marrakech (541H/1147dC); Argel (547H/1152dC);

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Depois da elite berbere – tribos – que constituiu o apoio da primeira hora e que se manteve, com os seus novos privilégios, junto da nova estrutura de poder criada por ‛Abd al-Mu’min, outros grupos passam a integrar essa mesma estrutura. “Next there were the Arabs, recruited first by ‘Abd al-Muʾmin during his campaigns in Tunisia and brought west. These Arabs seem to have fought, like the Almohads, in tribal units under the command of their own chiefs. The third major elements were the Andalusis”.265

É certo que a entrada destas tribos árabes em cena, não devem ser entendidas apenas como uma necessidade militar, mas devem também ser vistas como mais uma forma de consolidação de poder por parte de ‘Abd al-Mu’min, com a utilização de uma força não comprometida com as tribos berberes que haviam constituído a base original do movimento almóada e, por isso menos susceptíveis de participar nas lutas internas de poder. É mais uma forma de controlar em seu proveito a situação social, política e militar efetuada pelo primeiro califa, “apparently he first gained the acceptance of the newly arrived Arabs and other groups outside the traditional Almohad elite and used their consent to put pressure on the latter”266.

No entanto tais tribos, exatamente por não estarem integradas na tradição política e social berbere, rapidamente se vão tornar “a force for anarchy and instability”267 - oposto daquilo que eram as originais intenções de ‘Abd al-Mu’min. “Sus móviles [de ‛Abd al-Mu’min] fueron debilitar la fuerza disolvente que esos nómadas beduínos representaban en la lejana Ifrīqiya y disponer de un núcleo guerrero adicto de más valor combativo que sus berberes, para empearlo en sus campañas.”268

Outro dos pontos fundamentais na estratégia de ‘Abd al-Mu’min é a designação de governadores para as várias províncias os sayyides269. Inicialmente tais funções são atribuídas a membros que integravam o Conselho dos Cinquenta ou o Ahl al-Dār, mas rapidamente, dentro da mesma lógica de exercício de poder, estas funções começam a ser progressivamente exercidas pelos seus filhos270 com exceção de Muḥammad, que havia sido designado como herdeiro. Segundo a informação de al- Bayḏaq, “le calife

265 Hugh Kennedy, Op. Cit., pp. 206-207 266 Idem, Ibidem, p.205

267 Roger Le Tourneau, Op. Cit, p.. 59 268 Huici de Miranda, Op. Cit., Tomo I, p. 211

269 Governadores das principais regiões e cidades do império. Este cargo foi geralmente atribuído aos

filhos do califa.

270 Lévi-Provençal oferece-nos um breve quadro com os nomes, as origens e as funções dos diversos

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distribua des commandements à ses files. Il placa le prince Abū Muḥammad à la tête de Bougie, et ‛Umar à la tête de Tlemcen. Il donna Séville à Yūsuf (…). Le Calife donna à Abū Sa‛īd le gouvernement de Grenade, et à Alī de Fès, à Abu ’r-Rabī celui de Tādlā. Enfin, il designa comme gouverneur nominal de Sūs son fils Abū Zaid”.271

Em relação a estas alterações na organização política, há também que referir a criação por este primeiro califa, de cursos de pelo menos seis meses, onde jovens recrutados entre as elites, aprendiam o Alcorão, a Sunna e as obras do Mahdī, o que constituiu um protótipo de escola jurídica e religiosa onde os futuros funcionários aprendiam a doutrina almóada. Foi aí que também estudaram os filhos do próprio califa e é a partir destas escolas que se estabelecem a constituição de elites – ṭalaba -, especialmente treinadas na difusão da ideologia e doutrina almóada272.

Como temos vindo a referir, é a partir de ʽAbd al-Muʼmin que se assiste a um verdadeiro estabelecimento do Estado almóada, com a criação de novas estruturas politicas e sociais destinadas não só a estabilizar o poder em seu torno e da sua família, mas igualmente a garantir a sua adequação em face das novas realidades da expansão e do império. Por outro lado, é a partir do seu califado que começa a ser escrita a verdadeira história do movimento almóada, do Mahdī Ibn Tūmart e da sua doutrina. Como escreve Maribel Fierro, “Al-Bayḏaq´s Memoirs were clearly written in order to make it undisputable that among Ibn Tūmart students ʽAbd al-Muʾmin had been chosen by the Mahdī as his inheritor and successor”273, o que torna uma tarefa árdua compreender onde está a realidade e a verdade dos acontecimentos, ou onde nos encontramos perante uma construção política e ideológica posterior e com finalidades distintas.

Inaugurando uma nova era, política e religiosa, depois da norte de Ibn Tūmart, “les califes almohades insistent sur le fait que le retur au Coran et à la Sunna du Prophète se faisat à l’instigation des enseignements d’Ibn Tūmart. Les califes almohades s’opposèrent fermement à l’existence de divergences (ikhtilāf) dans l’interprétation de la loi divine (…). C’est le pouvoir politique qui, finalement,

271 Al-Bayḏaq, “Les Mémoires D’Al-Baiḏaḳ”, in Documents inédits d’histoire almohade, ed. e trad.

Évariste Lévi-Provençal, pp. 191-193

272 Émile Fricaud, “Les ṭalaba dans la société almohade”, Al-Qanṭara, vol. 23, Fasc. 2, Madrid, CSIC, 1997,

pp. 331-388

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déterminait le manière dont il fallait interprèter le message de Dieu et de son Prophète”274

Era necessário criar através da figura do Mahdī o fundamento e a justificação para este novo ciclo político. Os califas almóadas são, neste sentido, os garantes e os continuadores da profecía. Detém o poder temporal e fazem uso do preceito al-amr bi-l- maʽrūf wa-l-nahy ʽan al-munkar - ordenar o bem e proibir o mal. Tornam-se verdadeiramente chefes políticos e religiosos de toda a comunidade.

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