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2. OS ESTADOS LATINO-AMERICANOS E A POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL

2.4. A AÇÃO DO ESTADO E SUAS IMPLICAÇÕES NA POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL

O estudo do Estado se coloca como essencial para o aprofundamento analítico relacionado à problemática da educação física escolar nas políticas educacionais. Desse modo, a discussão das reformas e das políticas públicas implementadas nos sistemas educacionais da América Latina, como indica Aguilar (2002), não pode ser separado das mudanças no papel do Estado nacional, emissor de políticas públicas educacionais, e de novos significados que assume esse papel a partir de admitir explicitamente o impacto de regulações externas que condicionam a formulação e o alcance das políticas públicas.

Convém destacar, inclusive, a importância das particularidades que assume o papel dos Estados latino-americanos na sua relação com a economia nacional e sua ligação com as economias regionais e a economia mundial, na relação entre Estado e sociedade, entre Estado e o público e o privado, relações entre democracia, demandas sociais e governabilidade das jovens democracias latino-americanas e “aos significados que assume o papel do Estado e como se traduz a sua intervenção em termos de políticas públicas” (AGUILAR, 2013, p. 73).

Como comentando anteriormente, várias modificações foram sendo desenhadas no contexto latino-americano nas últimas décadas, incluindo o processo de democratização nos anos 1980, conjunturas governamentais diferenciadas e mudanças políticas, econômicas e sociais ocorrendo em ritmo acelerado. Na circunstância da transição dos regimes ditatoriais para os democráticos, o processo de mudança estava atrelado à esperança de melhoria em vários setores sociais, o que de fato não aconteceu de acordo com a crença da população.

No caso do Brasil, como bem indica Carvalho (2008, p. 7), “pensava-se que o fato de termos reconquistado o direito de eleger nossos prefeitos, governadores e presidente da República seria garantia de liberdade, de participação, de segurança, de desenvolvimento, de emprego, de justiça social”. Se a liberdade e o direito do voto se fazem presentes, o autor comenta que desde o fim da ditadura problemas como a violência urbana, o desemprego, qualidade reduzida nos sistemas educacionais, à oferta inadequada dos serviços de saúde e saneamento básico, juntamente com as grandes desigualdades sociais e econômicas, ou continuam sem solução, ou se ampliam, e se melhoram, é em ritmo muito lento.

E isso se agrava, considerando o cenário educacional, quando as ações de melhorias parecem não resolver os problemas que historicamente vem fazendo parte do contexto latino- americano. Certamente os progressos feitos nos últimos anos em relação aos direitos sociais,

nesse caso a educação, são evidentes, mas ainda distantes do que se almeja como um direcionamento efetivo e abrangente em relação às políticas públicas. De fato, se torna improvável que a ação do Estado consiga proporcionar a resolução de distintos problemas em tempo reduzido, afinal, mesmo se considerar uma possível tendência de agir em favor dos direitos sociais, vários fatores são postos como barreiras ao atendimento das necessidades educacionais da população. Como exemplos, nesse sentido, podemos destacar: dependência em relação à ordem econômica internacional, descaso histórico com a educação, analfabetismo, anos de degradação do sistema público de ensino, planos governamentais de curta duração e sem perspectivas de ações em longo prazo, entre outros.

Além dos fatores indicados, desigualdades de distintas ordens afetam fortemente os países latino-americanos. Na situação do Brasil, a condição das realidades distintas se somadas a um sistema educacional organizado em esferas municipal, estadual e federal, e não raras vezes desarticulados entre si, juntamente com as diferenças entre os sistemas de ensino público e privado, comprometem de maneira efetiva o processo de formulação e implementação das políticas públicas educacionais.

Esses desafios são amplamente conhecidos e destacados, no caso brasileiro, nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, onde:

O Sistema Nacional de Educação é tema que vem suscitando o aprofundamento da compreensão sobre sistema, no contexto da história da educação, nesta Nação tão diversa geográfica, econômica, social e culturalmente. O que a proposta de organização do Sistema Nacional de Educação enfrenta é, fundamentalmente, o desafio de superar a fragmentação das políticas públicas e a desarticulação institucional dos sistemas de ensino entre si, diante do impacto na estrutura do financiamento, comprometendo a conquista da qualidade social das aprendizagens, mediante conquista de uma articulação orgânica (BRASIL, 2013, p. 19).

Relato importante também é apresentado na obra do MEC/SASE intitulada “Planejando a Próxima Década: conhecendo as 20 metas do Plano Nacional da Educação”, quando aponta que a Constituição Federal de 1988 define, em seu Capítulo III (Seção I, Da Educação) os papéis de cada ente federativo no quadro da garantia do direito à educação, contudo,

As responsabilidades estão definidas, mas ainda não há normas de cooperação suficientemente regulamentadas. Isso faz com que existam lacunas de articulação federativa que resultam em descontinuidade de políticas, desarticulação de programas, insuficiência de recursos, entre outros problemas que são históricos no Brasil. Tais lacunas são bastante visíveis no

campo da educação básica em função da obrigatoriedade e da consequente necessidade de universalização (BRASIL, 2014, p. 8).

Com isso, diferentemente de distintos países, inclusive latino-americanos, como a Argentina, a questão do Sistema Nacional de Educação se coloca como ponto historicamente negligenciado no Brasil (SAVIANI, 2010). Em relação ao exposto cabe alertar, conforme assinala Saviani, que:

Sistema não é unidade da identidade, uma unidade monolítica, indiferenciada, mas unidade da diversidade, um todo que articula uma variedade de elementos que, ao se integrarem ao todo, nem por isso perdem a própria identidade. Ao contrário, participam do todo, integram o sistema, na forma das respectivas especificidades. Em outros termos: uma unidade monolítica é tão avessa à ideia de sistema como uma multiplicidade desarticulada. Em verdade, sistematizar significa reunir, ordenar, articular elementos como partes de um todo. E este, agora articulado, passa a ser o sistema (SAVIANI, 2010, p. 771).

No universo das políticas públicas educacionais, ainda é plausível sinalizar para dois movimentos:

a) A educação parece se justificar como fator de desenvolvimento econômico e, dessa forma, gerar um suposto equilíbrio de oportunidades – ao menos do ponto de vista de alguns agentes envolvidos com a educação17 – e cumprir com as determinações funcionais da produção capitalista;

b) No domínio das políticas sociais, com ênfase na educação e na saúde, uma política organizada de “modo residual” onde, de acordo com Draibe (1993), o Estado deveria oferecer certo grau de segurança social somente as camadas mais pobres da população, ou seja, apenas complementando àquilo que estas pessoas não conseguiram obter por meio do mercado ou recursos familiares e da comunidade. Complementando esta abordagem, vale destacar também, conforme indica Draibe, os aspectos em relação à descentralização, privatização e concentração dos programas sociais públicos nas populações mais carentes, que nortearam as reformas dos programas sociais preconizadas pelo neoliberalismo, especialmente em países da América Latina em processos de ajustamentos econômicos.

17 A esse respeito, vale acompanhar os trabalhos de Freitas (2012, 2014, 2016) em relação aos reformadores

Vai se firmando, portanto, nessa dinâmica, um direcionamento do acesso aos serviços básicos ocorrendo, principalmente, por parte dos setores mais pobres da população, significando, de certa forma, que pessoas com melhores condições econômicas não estão interessadas no serviço considerado “básico” e os mais pobres, que só tem acesso a esses serviços, ficam à mercê da degradação e deserção do Estado. Nesse sentido, as políticas sociais se apresentam como uma (aparente) forma de equilibrar as distorções do modo de produção capitalista, evitando assim uma situação política e social insustentável, o que, obviamente, não significa a superação da desigualdade.

Ademais, Faletto (1989) alerta para o fato de o Estado possuir a tendência de satisfazer as demandas das pessoas que estão incorporadas à organização formal do processo econômico, isto é, das que participam da divisão social do trabalho formal, o que naturalmente gera um processo de exclusão para as pessoas que não possuem um trabalho formalizado.

É possível dizer, de algum modo, que se constitui a “cidadania das organizações”. São as organizações que expressam as demandas sociais e se supõe que contribuem para a elaboração das políticas. Então, nesse sentido, o Estado, mais que um Estado de “cidadãos”, é um Estado de “organizações” (FALETTO, 1989). Esta questão é de suma importância no cenário latino-americano em razão de suas implicações no funcionamento do sistema político- institucional, considerando o fato de que boa parte da população está fora da organização formal da divisão social do trabalho. Como resultado imediato é que, não estando organizada, sua possibilidade de exercer os direitos de cidadãos diminui consideravelmente.

As questões abordadas nesta seção servem como importantes elementos de análise para o estudo das políticas públicas educacionais. Com efeito, elas favorecem uma compreensão crítica do caminho percorrido e, especialmente, do lugar da educação física escolar na Argentina e no Brasil.

3. PERCURSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO CONTEXTO