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Capítulo 3 A AÇÃO PEDAGÓGICA E MISSIONÁRIA DOS JESUÍTAS NO BRASIL E

1. Ação educativa, missionária e pedagógica da Companhia de Jesus no Brasil no Período

A este período de ação educacional no Brasil colônia, desde 1549 com a chegada dos Jesuítas com o governador geral Tomé de Sousa até 1599, quando houve a promulgação do Ratio Studiorum, chamamos de período de experimentação pedagógica educacional e missionária.

Assim, entendemos, pois diante de tantas leituras e análises da ação dos Jesuítas, principalmente no período em que tivemos contato direto com as fontes primárias no ARSI, seja das cartas, ou seja, dos documentos, levam-nos a essa afirmação.

Se tomarmos a categoria de experimentação em todos os sentidos, teremos uma primeira constatação. Pois o modelo pedagógico aplicado e desenvolvido se tratava de um plano de estudos em formação, o Ratio Studiorum, com ajustes e comentários tecidos por uma rede epistolar intensa entre a organização geral da Companhia em Roma e suas províncias espalhadas já no século XVI por várias partes do mundo.

Experimentação porque se tratava de uma nova realidade, ainda não conhecida pelo europeu, a realidade do povo nativo, com costumes totalmente diferentes, que foi chamado em geral de “gentio” pelo colonizador e pelas testemunhas de cartas e escritos informativos das novas descobertas e das impressões que o missionário experimentador levantava da nova e desconhecida realidade indígena, desafiadora para a ação católica.

Por isso, arriscamo-nos a construir essa afirmação no início de nossas pesquisas e até o presente momento, estamos cada vez mais convictos de que esta experimentação pedagógica, educativa e missionária realmente teve lugar, na colônia, com evidência na segunda metade do primeiro século de Evangelização, e, portanto, mantemos essa afirmação como uma prerrogativa construída com os esforços inerentes a uma dedicação investigatória a que nos propusemos fazer no nosso trabalho. Foi uma experimentação que, pode-se dizer, deu certo, ao menos como processo missionário e proselitista. Pois sendo promulgado em 1599, o Plano de Estudos vigorou sem nenhuma alteração até 1832, quando então sofreu algumas pequenas modificações.

Se tomarmos a singularidade de uma experimentação administrativa, caminharemos por novos territórios. No seu projeto no Brasil, a Companhia de Jesus se beneficiou das decisões da Coroa Portuguesa de criar um novo sistema administrativo para o Brasil, o conhecido Governo Geral. Um sistema mais centralizador do que as Capitanias Hereditárias, cuja aplicação praticamente não funcionou na colônia. Nesse novo sistema de Governo Geral, cabia então ao Governador o que antes eram funções atribuídas aos Donatários. Em conjunto com estas decisões, os Jesuítas formaram um novo sistema de ensino e evangelização para o nativo. Assim, como se experimentava um novo sistema de governo na Colônia, assim também na Companhia se experimentava um sistema europeu baseado no “modus parisiensis” de educação, aplicando aos nativos e colonizadores. As dificuldades certamente eram tantas: diferenças de costumes, outra

língua, distanciamento da metrópole, os ataques resistentes dos indígenas, as grandes extensões territoriais, a falta de recursos financeiros e de material de apoio cultural, como livros e outros, são algumas das dificuldades que se constatavam para a implantação do sistema educacional. Mas a habilidade e a criatividade do Jesuíta não decepcionou a Coroa e souberam implantar uma nova ação que superou os obstáculos e constitui-se numa hegemonia de mais de duzentos anos. E, ainda hoje, registra sua marca e presença na sociedade brasileira. Ao olharmos o contexto de um Brasil recém descoberto, entendemos as razões sociais e religiosas que levaram os Jesuítas a iniciarem por estas terras, a ação educativa com princípios rígidos, orientados pela experimentação e construção de um código de regras e procedimentos que se materializam na construção do Ratio Studiorum. E aqui concordamos com Dias (2002) que afirma sobre o Ratio dos Jesuítas não como um sistema educacional, mas segundo ele, o “Plano não se apresenta como um tratado sobre educação, mas sob a forma de um código de regras minuciosamente prescrita”.201

Também Gomes (1995) afirma que o Ratio não é:

(...) um tratado de pedagogia, mas um código, um programa, uma lei orgânica que se ocupa do conteúdo do ensino ministrado nos colégios e nas universidades da Companhia e que impõe métodos e regras a serem observados pelos responsáveis e pelos professores destes colégios e universidades202.

A esses testemunhos acrescentamos ainda a afirmação de Sousa (2003) que declara: “Este plano de estudos oferece aos professores da Companhia um curriculum fixo e um conjunto coerente e graduado de objetivos e de métodos desde as classes de Gramática até as de teologia203”

Assim sendo, entende-se que a organização dos estudos não se fez por meio de compêndios, mas por meio de regras estruturadas em códigos e artigos. A aplicação deste plano revela a mais explícita compreensão material da concepção cristã de mundo direcionada pelos Jesuítas. Inácio de Loyola expressa bem o sensível momento pelo qual passou a Igreja Católica naquele período e os seguidores inacianos a fizeram prolongar-se no Brasil e outros lugares por eles missionarizado por muito tempo.

201 DIAS, 2002, p. 53. 202 GOMES, 1995, p. 37. 203 SOUSA, 2003, p. 45.

Esse conjunto de 476 regras, conforme vimos no capítulo segundo deste nosso texto (cf. nota 83, do segundo capítulo), foi realmente minuciosamente prescrito, muito bem experimentado, medido e construído nestes 50 anos de experimentação. Tanto é que permaneceram inalterados por muito tempo. Ai reside, conforme nosso modo de pensar, a universalidade da prática e da necessidade do ensino, em todos os seus aspectos. A perspicácia dos membros da Companhia de Jesus, em elaborar um plano que fosse aplicado, ao mesmo tempo, em vários países, por vários anos, sem dúvida, eles conseguiram incluir neste plano as condições e necessidades mais abrangentes do material humano a ser ensinado, cabendo até mesmo aos nativos das Américas. Na época, devido à visão de mundo socialmente religiosa facilitou a compreensão destes elementos, ou seja, da colonização e cristianização. Entendemos que ao determinar esse tipo de procedimento baseado em regras, os Jesuítas estavam reproduzindo as características contemporâneas procurando entender as razões sociais e religiosas para então proporcionar as condições para o desenvolvimento humano e das prerrogativas evangélicas, com promessas de salvação do homem como um todo: de corpo e de alma. O descobrimento, a realidade mercantilista, as lutas de Reforma e Contra Reforma justificam as raízes históricas deste contexto que exigia uma renovação também espiritual, conforme o lema geral da Companhia: Tudo para a maior honra e glória de Deus. Evidentemente que reconhecemos as contradições desse processo, mas, no tocante à proposta de renovação do ethos cristão no mundo, os Jesuítas construíram uma notável página de reordenamento da Igreja diante dos desafios sociais postos pelos tempos modernos.

Outro aspecto importante que queremos anotar aqui é a rígida tradição da Companhia de tudo registrar. Ou seja, de escrever e anotar tudo o que se fazia. E isto, talvez, seja o fato porque se conhece muito mais sobre a ação pedagógica e missionária dos Jesuítas do que qualquer outra Congregação ou Ordem Religiosa também presentes no Brasil no século XVI. Pois sabemos que já nesse período se encontravam no Brasil os Franciscanos, os Carmelitas, os Beneditinos e os Jesuítas204.

Como se tem pouco registro e poucas notícias sobre a ação das demais Congregações presentes no Brasil, não só no século XVI, mas como em todo o período colonial, chegamos à

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Os Franciscanos chegaram ao Brasil na Esquadra do descobrimento com Pedro Álvares Cabral em 1500, mas seguiram viagem com a Esquadra e só retornaram definitivamente em 1585, com Frei Melquior de Santa Catarina em Olinda. Os Carmelitanos chegaram em 1580, abrindo um Convento em Olinda. Os Beneditinos vieram para o Brasil em 1581, com o Frei Antonio Ventura na Bahia. A Congregação do Oratório chegou ao Brasil em meados do século XVII, e em 1830 foi extinta como Congregação. E os Redentoristas vieram para o Brasil em 1893.

conclusão de que, aliado à intensa ação o fato principal é de que os Jesuítas registravam tudo e toda essa literatura foi muito bem guardada. Mesmo apesar das investidas da extinção e do anulamento da Ordem por alguns anos conforme veremos adiante205. Pois sabemos que a formação do Agente Religioso sempre foi processada de forma equiparada em todos os seguimentos da Igreja para todas as Congregações ou Ordens. E isso ficou mais claro ainda a partir das afirmações do Concílio de Trento.

Segundo De Nicola (1998), a literatura dos Jesuítas foi a melhor produção literária do Quinhentismo brasileiro206. A poesia, seja ela didática ou de expressão devocional, era cultivada com vivacidade. Também o teatro de caráter pedagógico, sempre inspirado em textos bíblicos ou na vida de mártires e santos da Igreja, fazia parte da expressiva literatura da época. Dentre todos os escritos Jesuíticos da época, destacam-se as cartas de informação nas quais os Jesuítas do Brasil davam conhecimentos aos superiores na Europa (Portugal e Roma) sobre a presença e o andamento dos trabalhos e atividades da Companhia na Colônia207. Isso é bem verdade conforme pudemos constatar “in loco” nos Arquivos centrais da Companhia em Roma. No ARSI encontram-se guardados e catalogados todos esses documentos de forma a constituir um verdadeiro tesouro para a historiografia da Ordem, bem como registros em tempo real e paralelo de fatos e atos da História do Brasil. Mesmo não sendo esse o primeiro objetivo destes escritos, acreditamos que uma leitura e investigação mais amiúde e seletiva destas cartas de informações e demais documentos se descobrirão muitos elementos constitutivos da História do Brasil colônia que ainda não foram estudados devidamente. Porém, diante da dificuldade da língua, o mais das vezes escritos em latim, e a abundância de documentos existentes se torna um trabalho que requer muito tempo, especificidade e interesse exclusivo. Mas este fato de tudo escrever, de tudo registrar e conservar fez com que ainda hoje se possa deparar com novas descobertas nas suas ações e projetos. São através destes escritos que perpetuam os testemunhos, embora fundados sobre si mesmos, mas que analisados com critérios imparciais e olhares desinteressados de defesa ou ataque, pode revelar aspectos conformadores da realidade colonial do Brasil, ainda não

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Sobre este fato histórico faremos uma reflexão detalhada ao que chamamos: Da Supressão à reabilitação da Companhia de Jesus no mundo: Quarenta anos sem os Jesuítas. No item 3 letra “b” deste capítulo.

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Sobre a literatura Jesuítica lemos ainda em De Nicola (1998) podemos ler: “O Quilhentismo corresponde ao estilo literário que abrange todas as manifestações literárias produzidas no Brasil à época do seu descobrimento, durante o século XVI. A literatura do Quinhentismo tem como tema central os próprios objetivos da expansão marítima: a conquista material na forma da literatura informativa das grandes navegações, e a conquista espiritual, resultante da política portuguesa da Contra Reforma e representada pela literatura Jesuítica da Companhia de Jesus”, p. 72. 207

conhecidos. Assim é que a educação se fez no início da colonização do Brasil, como um ato intencional projetado para uma cultura que possibilitasse uma melhor receptividade da mensagem do Evangelho de Jesus Cristo, a Boa Nova do reino de Deus. Aqui entendemos o termo educar conforme nos diz Saviani (2003) a educação “Como ato de produzir direta e intencionalmente em cada indivíduo singular a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens208”.

E, para concluir a análise sobre os estudos no século XVI, utilizamo-nos das palavras do Provincial da época Pero Rodrigues, em uma de suas cartas que escreveu em 1605, que quase como uma avaliação geral afirma que no Colégio da Bahia:

(...) há estudos públicos das Faculdades que os padres costumam ensinar que são ler, escrever, contar, lições de humanidades, cursos em que se graduam em Mestre em Artes, e Teologia Moral e especulativa, donde saem muitos bons filósofos, artistas e pregadores209.

Verdadeiramente heroico este período por se tratar de uma ação iniciante, criativa e inovadora num período que se abria para as novas conquistas. Por isso, a ação missionária e educativa dos Jesuítas marcou o início de uma nova organização na cultura e no modo de viver que hoje chamamos de História da Educação do Brasil.

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