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3 A NOVA CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO APÓS O ADVENTO DA

3.9 Outros questionamentos práticos sobre o tema

3.9.4 Ação penal e direito intertemporal

Como já tivemos a oportunidade de estudar, enquanto na antiga sistemática dos crimes sexuais a regra era a ação penal privada, a lei 12.015/2009 veio estabelecer como padrão a ação penal pública condicionada à representação do ofendido, salvo na hipótese de vítima menor de 18 anos ou vulnerável, quando aquela será pública incondicionada.

No entanto, no caso de ações penais privadas já instauradas anteriormente ao advento da Lei 12.015/2009, a doutrina e a jurisprudência tem entendido que aquelas devem subsistir, operando-se a sua ultratividade, tendo em vista serem mais benéficas ao agente,

114 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Consulta de jurisprudência. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=crime+continuado&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i= 1. Data de acesso: 30/04/2010.

quando, por exemplo, permitem o reconhecimento do instituto da decadência.115 Nesse sentido, encontramos os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci:

As ações que estiverem em andamento (ou findas), promovidas pela vítima, por queixa, podem continuar seu rumo, sem qualquer obstáculo. Nesse prisma, o fato de, a partir da Lei 12.015/2009), a legitimidade ter-se transmitido ao Ministério Público, não afasta a anterior legitimidade do ofendido. Sob tal prisma, o lado processual da novel lei traz benefício ao acusado. A este se torna mais favorável ser a ação

privada, pois, conforme a fase, poderia haver perdão, por exemplo, com reflexo material, consistente na extinção da punibilidade. Logo, mantêm-se a vítima no

pólo ativo. (destaque nosso)

Caso esteja o inquérito em andamento, ilustrando, por estupro ocorrido com grave ameaça contra maior de 18 anos, pensamos deva continuar a ser ação privada, aplicando-se a lei anterior, pois mais benéfica. Afinal, assim ocorrendo, pode haver renúncia, perdão, decadência, etc., com extinção da punibilidade. 116

Corroborando este entendimento, destacamos a jurisprudência mais atual sobre o assunto:

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA OS COSTUMES. CONFLITO DE LEIS. ILEGITIMIDADE ATIVA MINISTERIAL. FATO ANTERIOR À LEI 12.015/09.

Em que pese a Lei nº 12.015/2009 ter alterado a legitimidade ativa referente aos crimes contra a dignidade sexual, permanece o reconhecimento da legitimação do ofendido para ingressar com a ação privada. No caso, a queixa-crime e a

denúncia foram ofertadas, respectivamente, em 22 e 24 de setembro de 2009, quando ambos, MP e ofendido, eram legitimados para o ajuizamento da ação. Todavia, além dos representantes legais da ofendida terem ingressado com a competente queixa-crime, obedecendo o prazo de 06 meses previsto no artigo 38 do CPP, o fato efetivamente foi cometido sob a égide da lei anterior. Assim,

equivocada a decisão que recebeu a denúncia ofertada pelo Ministério Público e admitiu os querelantes como assistentes de acusação, pois se trata de feito com parte ativa ilegítima. À UNANIMIDADE, CONCEDERAM PARCIALMENTE A

ORDEM DE HABEAS CORPUS PLEITEADA EM FAVOR DE L.A.P.N., PARA RECONHECER A ILEGITIMIDADE ATIVA MINISTERIAL, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO A QUO, PARA EXAME DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS PARA O RECEBIMENTO OU NÃO DA QUEIXA CRIME. (Habeas Corpus Nº 70033772575, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mario Rocha Lopes Filho, Julgado em 28/01/2010). (destaque nosso). 117

No entanto, vale destacar que, para aqueles que entendem que a Súmula 608 do STF ainda continua a ser aplicada em nosso sistema jurídico, mesmo em face da Lei 12.015/2009, nos crimes de estupro em que existe violência real, a ação penal continua como pública incondicionada, sem maiores discussões em relação ao assunto. Seria, na verdade,

115 Art. 103,CP - Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia.

116 NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual – Comentários à Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, p. 70-71. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2009.

117 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Consulta de Jurisprudência. Disponível em: http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris. Data de acesso: 30/04/2010.

como ressalvado anteriormente, uma interpretação restritiva do alcance do caput da nova redação do art. 225 do Código Penal, uma ves que estaria prevendo uma outra possibilidade de ação penal pública incondicionada, além daquela já expressamente trazida pelo parágrafo único (“quando a vítima for menor de 18 anos ou pessoa vulnerável”).

Por outro lado, para aqueles que entendem que com o advento da Lei 12.015/2009 a Súmula 608 do STF perdeu a razão de existir, o magistrado deve, nos casos de estupro que foram praticados com violência real, aplicar, retroativamente, a regra geral da ação penal

pública condicionada à representação do ofendido. Dessa forma, o juiz deve intimar a vítima, para que esta consinta na continuidade da ação penal pelo Ministério Público (devendo, para tanto, formalizar a representação) ou, simplesmente, negue tal consentimento, hipótese em que o juiz extinguirá a punibilidade. Nesse caso, como ressalvado, o novo art. 225 deve retroagir para beneficiar o réu. 118

Mesma coisa deve acontecer nos casos anteriormente enquadrados no art. 225, II do Código Penal, que previa hipóteses de ação penal pública incondicionada, quando o crime fosse cometido em virtude de abuso do poder familiar, pelo padrasto (ou madrasta), tutor ou curador. Dessa forma, tirando as situações que ainda podem ser enquadradas no parágrafo único da nova redação do art. 225 do diploma criminal, quando a ação penal continuará sendo pública incondicionada (afinal, os vulneráveis estão, em regra, submetidos ao poder familiar, à tutela ou curatela), nas outras hipóteses, como, por exemplo, do curatelado, maior de 18 anos e não vulnerável, a ação deverá ser pública condicionada à representação, hipótese em que é cabível o mesmo raciocínio exposto no parágrafo anterior.

4 O ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL)