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Ação Penal Pública Condicionada

3.2 A VÍTIMA NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

3.2.2 Ação Processual Penal

3.2.2.2 Ação Penal Pública Condicionada

Na ação penal pública, tem-se as suas duas formas: a ação penal pública incondicionada e ação penal pública condicionada à representação.76 Nesses dois casos, o titular da pretensão acusatória é o Ministério Público (art. 129, inc. I, da Constituição Federal).

Nos casos de ação penal pública condicionada à representação,77 o interesse da vítima (ou a requisição do Ministro da Justiça) é o responsável por autorizar o Ministério Público a iniciar o procedimento criminal. Nesse sentido, a ação penal fica condicionada à manifestação de interesse da vítima em ver o autor do delito processado ou não pela acusação pública. Trata-se, dentro das condições específicas da ação penal, da primeira causa de procedibilidade que deve ser analisada, pois sua ausência impede o início do processo (ou do inquérito).78

Com efeito, os delitos que exigem a necessidade de representação lesionam tanto o interesse particular quanto o interesse público, contudo o interesse particular é violado em maior intensidade, conforme explica Antonio Scarance Fernandes:

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BOSCHI, José Antonio Paganella. Ação penal: as fases administrativas e judicial da persecução penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 108: “A ação pública subdivide- se em incondicionada e condicionada. Na ação penal pública incondicionada, o Ministério Público tem o dever de agir sem ter que esperar autorização ou solicitação do ofendido ou de terceiros. Na ação penal pública condicionada, o dever do MP de não omissão está atrelado à prévia autorização do ofendido ou do Ministério da Justiça, mediante representação ou requisição, respectivamente, ou prova da condição objetiva de punibilidade, todas examinadas no capítulo em que tratamos das condições da ação, para onde remetemos o leitor.”

77 Definindo o instituto da representação, FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no

processo criminal. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 96: “Consiste a representação em declaração

de vontade, da vítima ou de seu representante legal, ou, ainda, de sucessores no caso de morte ou ausência do ofendido, que condiciona a persecução penal pública. Sem ela, nem pode a autoridade policial instaurar inquérito policial, nem o membro do Ministério Público oferecer denúncia.”

78 BOSCHI, José Antonio Paganella. Ação penal: as fases administrativas e judicial da

persecução penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 204-205, grifo do autor. “A representação (expressando consentimento da vítima para como inquérito e o processo) é a primeira espécie de condição de procedibilidade. Sem ela, a autoridade policial está impedida de proceder, isto é, de iniciar a investigação (art. 5º, § 5º, do CPP), mesmo que a existência e a autoria do ilícito sejam notórias. Do mesmo modo, sem a representação, o Ministério Público estará impedido de intentar a denúncia, ou seja, de proceder a abertura do processo por meio de denúncia.”

Numa outra linha, busca-se explicar e orientar as opções legislativas por ações públicas incondicionadas ou condicionadas e por ações privadas em razão dos interesses afetados pelas infrações penais: quando é atingido de forma preponderante o interesse público, a ação deve ser pública incondicionada; será ela pública condicionada se for alcançado imediatamente o interesse particular e mediatamente o interesse público; finalmente, será a ação privada quando for atingido preponderantemente o interesse particular.79

Assim, o condicionamento da ação penal à vontade do ofendido revela-se, por primeiro, como um fator de proteção à vítima, pois pode desejar não expor sua vida pessoal80 em um processo criminal; e, em segundo plano, como um filtro processual que desobriga o Estado daquelas demandas em que não há interesse do principal ofendido.81 Sabe-se que a colaboração da vítima, em muitos casos, é determinante para a produção de provas e, dessa forma, se a prova depende da vítima, a qual não demonstra interesse no caso, não há por que iniciar um procedimento criminal que não chegará a lugar algum e atrapalhará, ainda mais, a máquina judiciária.

79 FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo:

Malheiros, 1995. p. 93.

80 Conforme, BOSCHI, José Antonio Paganella. Ação penal: as fases administrativas e judicial da

persecução penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 205, grifo do autor: “A justificação jurídica da existência da representação é facilmente compreensível. Segundo lembra Fernando A. Pedroso, ‘por vezes, o crime trazido à realização, a par de lesar interesses sociais, fere também interesses individuais, de tal forma que, em dados casos, a persecução em tais delitos vulneraria mais sua própria vítima do que a punição do seu ofensor. O strepitus

judicii ou strepitus fori, isto é, a repercussão do fato face ao caráter publicístico da ação e

processo penais, poderá ser mais prejudicial à vítima do crime do que a persecução penal de seu autor’. Como enfatizou o saudoso Nelson Hungria, ‘em certos casos, a ofensa é como imundície de gato: quanto mais revolvida, mais fétida’ e, por causa disso, não raro, a vítima prefere silenciar ao invés de proceder contra seu algoz, autorizando as providencias policiais e a iniciativa do órgão da acusação em juízo. Não raro, mulheres vítimas de estupros, por exemplo, recusam-se a registrar a ocorrência e a pedir providências à autoridade para punição do algoz. Assim se conduzem para evitarem o vexame no detalhamento a terceiros, desconhecidos, da prática delituosa. A opção pelo silêncio representa de um lado o exercício de uma prerrogativa legal, mas atua como fator para a reprodução da impunidade.”

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Nesse sentido, vale indicar a lição de FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no

processo criminal. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 93: “Mas continuam as legislações, em sua

maioria, prevendo a subordinação da persecução pública à manifestação do ofendido em determinados crimes. Diversos motivos são elencados para justificar tal orientação. Foram ele reunidos, sistematizados e separados pela doutrina em principais e secundários. Os primeiros referem-se ao resguardo da esfera privada e íntima da vítima e à pouca gravidade do delito praticado. Constituem os motivos secundários: a dependência da realização da prova à colaboração do ofendido; a prevalência do interesse na reparação civil sobre o interesse na punição criminal; a conveniência de evitar o enrijecimento da hostilidade entre indivíduos ligados por interesses comuns.”

Sob outro olhar, o aumento do rol de crimes que exigem a representação do ofendido (como ocorreu com a Lei nº 9.099/95 e, recentemente, com a Lei nº 12.015/0982) segue a trilha de fortalecimento do papel da vítima dentro do processo penal, uma vez que reconhece sua manifestação e vontade no sentido de ver o autor do delito processado (e assim se sujeitar aos procedimentos legais); ou esquecer o fato delituoso e não ser (sobre)vitimizado pelo sistema processual penal.

O direito de representação da vítima poderá ser exercido em um prazo de seis meses, conforme o disposto no art. 38 do Código de Processo Penal, sob pena de extinção da punibilidade do autor do fato pela decadência. Esse prazo também regula a representação nos delitos de menor potencial ofensivo. Salienta-se, nesse ponto, que a regra do art. 91 da Lei 9.099/95, para a qual a lei exige um prazo de trinta dias para a representação da vítima, é aplicada apenas nos delitos em que, por alteração legislativa, passa-se a exigir a representação da vítima, ou seja, trata-se de prazo para a vítima informar se deseja continuar com o processo, pois o delito do qual foi vítima passou a ser de ação penal pública condicionada.83

O prazo de seis meses para a vítima exercer seu direito de representação é contado na forma penal (art. 10 do Código Penal) e não processual penal, porque a decadência é causa de extinção da punibilidade (art. 107, inc. IV, do Código Penal). A contagem do prazo não sofrerá qualquer interrupção,

82 Sobre as modificações na ação penal trazidas pela Lei 12.015/09, LOPES JUNIOR, Aury.

Direito Processual Penal e sua conformidade Constitucional. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2010. v. 1, p. 388: “Portanto, a regra agora é que a ação penal seja de iniciativa pública, mas condicionada à representação da vítima ou ao seu representante legal. Excepcionalmente, a ação penal será pública incondicionada (vítima menor de 18 anos, em situação de vulnerabilidade ou na situação da Súmula nº 608 do STF – violência que resulte lesão corporal grave, gravíssima ou morte).”

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Explicando essa diferença, LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua

conformidade Constitucional. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. v. 1, p. 392: “Não se

pode igualar o tratamento da representação – que tem natureza jurídica de condição de

procedibilidade (necessária para que o Ministério Público possa proceder contra alguém) – com

a condição prosseguibilidade (quando há alteração legislativa que passa a exigir a representação nos processos em curso). Nesse segundo caso, que nos interessa agora, a representação não pode ser suprida pelas manifestações anteriores da vítima, pois não se trata de autorizar genericamente a investigação e persecução estatal (como na representação tradicional), senão de – no caso concreto – permitir que o Estado prossiga com um processo já existente.”

iniciando-se na data em que se identificou o autor do delito, conforme art. 38 do Código de Processo Penal.84

Nessa senda, interessante é a situação da vítima menor de dezoito anos, pois, nesse caso, haverá dois prazos de seis meses para apresentar a representação, conforme Súmula 594 do STF:85 um deles para o representante legal (seis meses da data em que se conheceu a autoria) e outro para a vítima (seis meses depois de completar a maioridade). Essa medida busca proteger a vítima de eventual desídia do representante legal que deixe passar o prazo legal da representação, até mesmo porque a vítima menor não pode exercer seu direito de representar, e, por outro lado, permite a retratação da representação realizada antes de sua maioridade.86