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4.1 Estratégias de competição da Igreja Metodista

4.1.3 Ação social

A Igreja Metodista, como já percebido, desde o nascedouro esteve intimamente ligada às questões sociais. Ao lado de crianças, mulheres, trabalhadores pobres, desvalidos, esse era o público que os metodistas abraçaram. Talvez por isso Wesley tenha chamado o metodismo de ‘religião social’. O metodismo lutou contra o que João Dornellas chamou de “escravidão industrial” (DORNELLAS, 2001, p.22). Com a dura opressão da jornada de trabalho gerada pela Revolução Industrial Inglesa, mulheres e crianças eram explorados, o ambiente de trabalho das oficinas e fábricas era insalubre e causador de doenças, assim como a jornada de trabalho e os subsalários. O sindicalismo inglês, pioneiro no mundo, possuiu muitos membros que eram metodistas. De acordo com João Dornellas, dos seis primeiros sindicalistas ingleses assassinados, no século XIX, três eram pregadores metodistas e dois eram membros da igreja e o sexto, pelo testemunho dos primeiros, também se tornou um (DORNELLAS, 2001).

Além das lutas trabalhistas, a Igreja Metodista defendeu uma reforma completa do sistema prisional inglês e encabeçou diversas manifestações pelos direitos humanos na Inglaterra. Uma delas, a abolição da escravatura negra, na Inglaterra e em suas colônias, teve participação metodista. O próprio John Wesley, apesar de não ter se inserido diretamente com a causa abolicionista, escreveu sobre o assunto e incentivou pessoas da igreja a tomarem posições abolicionistas. Wesley despertou para esta causa após trocar correspondências com um amigo sobre o caso Somerset79 e em 1774, ele escrevesse um panfleto chamado "Pensamentos sobre a escravidão", além de outros escritos80. Nesse panfleto, o metodismo ataca o tráfico e o comércio de escravos e propõem aos metodistas um boicote ao açúcar e ao rum produzido por escravos. Em 1788, quando a campanha pela abolição estava no auge, prega um sermão no porto de Bristol, um dos portos centrais no comércio de escravos.

79 Em 1771 um escravo de nome James Somerset, que tinha sido trazido da Jamaica para a

Inglaterra, fugiu. Ele foi recapturado e colocado em um navio com destino a Jamaica. Nesse ínterim, o abolicionista Granville Sharp contestou nos tribunais ingleses o caso e a notícia se espalhou pelos jornais. Foi assim que Wesley tomou conhecimento do assunto.

80 Segundo Helmut Renders, Wesley escreveu cartas aos principais abolicionistas da época, como

Samuel Hoare, Thomas Clarkson, Granville Sharp e John Wilberforce, entre os anos 1787 e 1791. Ver Renders (2013, p.154). A tradução mais atual e completa de Pensamentos sobre a escravidão se

encontra no endereço eletrônico: https://www.metodista.br/revistas/revistas-

Foi essa aproximação com a parte mais desvalida da população um dos motivadores do crescimento numérico dos metodistas. A luta por causas humanistas como melhores salários e condições de trabalho, aliada a um rigoroso sistema de conduta ética, que incluía a abstenção total do consumo de bebidas alcoólicas, um dos males sociais da época, era bem visto pelo governo e pelos capitalistas, que enxergavam diminuição da violência e dinheiro sobrando para consumo de mercadorias supérfluas. Lembrando que esse tratamento humanista das coisas, também é herança é do pietismo, e a sua visão de um mundo onde os homens ocupam o lugar central da ação divina.

E sobre os homens ocuparem um lugar central na ação divina, a participação dos leigos na Igreja Metodista foi fundamental para que a mesma saísse do caráter de movimento para se tornar uma igreja. Como o metodismo, no princípio, não era uma igreja institucionalmente constituída, era apenas um movimento dentro de uma Igreja; para ser um pastor metodista, é necessário primeiro, que o candidato fosse ordenado pastor anglicano. E aqui começava o problema: os candidatos não eram muitos. Porém, ao mesmo tempo em que o número de pastores era pouco, o número de sociedades e de membros do movimento só crescia. Assim, logo surgiu o problema da escassez de pastores dentro do movimento.

Ainda portador de herança anglicana, Wesley queria proibir dentro do movimento metodista a pregação por parte dos leigos. Após uma intervenção de sua mãe, deixou um jovem pedreiro, de nome Thomas Maxfield, pregar na ‘Fundição’. Começava ali, a participação maciça dos leigos na propagação do movimento metodista. Os leigos podiam pregar e cuidar das sociedades. Com isso, cerca de cinco anos depois, já eram mais de quarenta pregadores leigos dentro do movimento cuidando das sociedades e pregando (DORNELLAS, 2001)81.

Com o trabalho dos leigos, novas frentes de trabalho do movimento foram abetas. Thomas Williams abriu uma frente de trabalho em Dublin, na Irlanda. Os pregadores leigos irlandeses Robert Strawbridge e Philip Embury abriram outras duas em cidades norte-americanas, o primeiro em Maryland e o segundo em Nova York. O primeiro bispo da Igreja Metodista americana, organizada depois da independência dos EUA foi Francis Asbury, um missionário leigo. Outra questão também importante na valorização do trabalho do laicato foi a participação das

81 Anos mais tarde Maxfield deixa o metodismo e funda sua própria igreja (DORNELLAS, 2001, p.

mulheres no movimento metodista. A começar pela própria mãe de Wesley. Os leigos eram organizados em pequenos grupos, como vimos, as sociedades e classes. E isso foi fundamental para o crescimento da igreja, uma vez que complementava o trabalho evangelístico feito ao ar livre. Duncan Reily relata que ‘o povo era incialmente atingido pela pregação ao ar livre’, mas era “disciplinado, ensinado, edificado e encaminhado à missão, através das sociedades e classes metodistas” (SOUZA 1991, p.12). Barbieri, citado por Dornellas (2001, p.23), enfatiza que:

Na verdade, não podemos entender o movimento metodista sem levar em consideração a obra efetiva de tantos que trabalharam em posições secundárias e sem ordenação eclesiástica de qualquer espécie, mas que receberam, sem dar margem à dúvida, a ordenação invisível do Espírito Santo. Porque levar a cabo a obra de Cristo não depende de ordenação humana e sim de uma paixão profunda por Cristo e seu Evangelho.

A utilização de leigos nas pregações e na ação social, mesmo que não intencional, no começo, foi a que mais distinguiu o metodismo da Igreja Anglicana, uma igreja concentração de atividades nas mãos do clero. E, possivelmente, esta marca distintiva, aliada a vida de santidade que era exigida dos líderes leigos dentro da igreja, chamou a atenção de muitos desassistidos pelo anglicanismo.