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AÇÕES CONTRA-HEGEMÔNICAS E PELO DIREITO À CIDADE

No documento ENTRE A SUBCIDADANIA E O DIREITO À CIDADE (páginas 81-124)

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

CAPÍTULO 2 AÇÕES CONTRA-HEGEMÔNICAS E PELO DIREITO À CIDADE

No presente capítulo foram apresentadas algumas visões, formulações e experiências contra-hegemônicas, por direitos nas cidades e pelo direito à cidade, que envolvem ações diretas e institucionais, por meio de revisão bibliográfica e por entrevistas com ativistas pela reforma urbana. Sem a pretensão de debater as diversas referências que vêm ancorando essas ações, nem a extensão dessas quanto aos resultados, a proposta foi de proporcionar um panorama das ações recuperadas e vislumbrar quais as questões e formulações podem ser úteis para verificar as condições, contradições e possibilidades das ações diretas e institucionais pela urbanização, regularização e integração de assentamentos precários no Brasil, quanto às concepções de direito à cidade.

2.1 AÇÕES PELO E EM CONTRÁRIAS AO DIREITO À CIDADE

As ações resultam de necessidades, naturais ou criadas que conduzem os homens a agir (SANTOS, 2006, p. 53). Para Giddens (1978, p. 80), uma ação se daria como um conjunto de atos, constituindo-se como uma corrente de intervenções causais reais em um processo contínuo de acontecimentos. No entendimento dele, em outra obra (GIDDENS, 1989, p. 11), a ação depende

da capacidade do indivíduo de “criar uma diferença” em relação ao estado de coisas (1989, p. 7). Sobre a natureza das ações, se diretas ou institucionais, foram tomadas como referências as definições propostas por Souza (2012). Para ele, a ação direta designaria as práticas de luta que são conduzidas sem vínculo institucional ou econômico imediato com canais e instâncias estatais; e a ação institucional se daria a partir do uso de canais, instâncias e recursos estatais, tais como conselhos gestores, orçamentos participativos ou fundos públicos.

Para o âmbito institucional, Souza acrescenta que, apesar do Estado se constituir em uma instância de poder heterônoma, não é possível para os movimentos emancipatórios ignorá-lo. Portanto, resguardada a independência dos movimentos em relação ao Estado, são fundamentais as disputas e as ações institucionais com vistas a complementar as ações diretas, mas de maneira subordinada. A partir das arenas institucionais, há oportunidades não desprezíveis de aprendizados para fomentar análises críticas sobre o próprio funcionamento das estruturas burocrático-administrativas, as formas de atuação de agentes estatais e, também, de outros agentes, representantes de diversos segmentos da sociedade que participam desses canais, incluindo, os que, estruturalmente, são reconhecidos como setores dominantes. Obviamente, que as disputas principais não se dão nessas esferas, mas há também reflexos nelas.

As ações diretas e institucionais são desenvolvidas, obviamente, também, em campos liberais e conservadores, por diversos agentes. Com relação ao desenvolvimento urbano, mais especificamente para a urbanização e regularização de assentamentos precários, a maior parte das ações efetivas no campo material é estatal-governamental, sob a influência de setores dominantes na produção do espaço.

Entre as ações diretas realizadas pela sociedade civil, de movimentos, coletivos, articulações, redes etc., mais comprometida na defesa de direitos e no enfrentamento da desigualdades e injustiças sociais e espaciais, nos campos reformista ou radical, seria possível destacar: (i) as ocupações, protestos e manifestações, algumas contra-hegemônicas por causas amplas, sistêmicas, (anticapitalistas, contra a financeirização, pela democracia etc.), por igualdades, justiça e contra discriminações diversas (de gênero, raça, etnia, religião etc.) e outras mais relacionadas aos processos de urbanização desigual, relativas ao direito de apropriação e uso de espaços e contra remoções, execuções de hipotecas, gentrificação, segregação etc.; (ii) as ações de incidência política (articulações, protestos, manifestações, campanhas etc.) pelo reconhecimento e inscrição do direito à cidade em pactos e tratados internacionais e por políticas e leis nacionais e locais inclusivas; por gestões e governanças mais democráticas das cidades, entre outras formas; e (iii) as experiências e iniciativas alternativas de autogestão de territórios e empreendimentos, com abordagens contra-hegemônicas, pelo direito à cidade, pelos comuns, pelo bem viver etc.

Para as ações institucionais da sociedade civil, dois tipos merecem atenção: (i) a participação em instâncias de gestão democrática para o acompanhamento e deliberações referentes a políticas, programas, projetos e leis; (ii) a proposição de projetos de lei populares, de ações judiciais pela exigibilidade de direitos etc., a partir da articulação de entidades da sociedade civil organizada que participam de instâncias oficiais de gestão democrática. Porém, esses tipos de ação, normalmente, se dão a partir de conflitos com as ações de segmentos e agentes liberais e conservadores.

As ações da sociedade civil por direitos e transformações, obviamente, se dão em contextos onde estão sendo realizadas outras ações diretas e institucionais. Em relação à produção do espaço, considerando os limites e possibilidades quanto ao direito à cidade, foram destacadas nessa Tese,

as atuações do Estado e do Setor Imobiliário, para a manutenção do status quo. O Estado, nesse

âmbito, atua nos campos da regulação, que resulta em normas, lei e ações de controle, e/ou da intervenção, com ações e obras, expressando as condições e contradições sociais estruturais e conjunturais e a influência dos jogos de forças de outros agentes na produção do espaço em cada contexto. O Setor Imobiliário visará sempre a transformação do espaço para obter lucro e extrair renda a partir de: (i) ações diretas de intervenção espacial, da produção de bens imóveis até reestruturações urbanas mais amplas; e de (ii) ações de incidência e lobby em torno das regras que

regulam a produção do espaço sejam favoráveis a empreendimentos e a transformações espaciais pretendidas, ampliando lucros e rendas.

Vale ressaltar que, as ações dos vários segmentos estão condicionadas pelas estruturas macrossociais, pelas relações de produção e ideários societários prevalecentes. No contexto global, a perspectiva neoliberal-mercantilizadora é hegemônica e para o Brasil, ainda seria importante considerar a perspectivas conservadora-discriminatória e as práticas particularistas que reforçam desigualdades e discriminações históricas.

Como ponto de partida para as análises relativas às ações da sociedade civil, foram consideradas as dimensões do direito à cidade propostas por Lefebvre (2001), da participação e da apropriação pelo uso. Essas dimensões refletem condições e interesses distintos dos agentes que desenvolvem ações por eles. Alguns poderão ser mediados, ainda no âmbito da produção do espaço capitalista. Mas numa perspectiva radical de transformações estruturais da realidade, as mediações serão sempre insuficientes. As ações diretas e institucionais da sociedade civil só significarão um avanço na direção da tomada de decisões abrangente sobre a produção dos espaços nas cidades se tiverem um horizonte de transformação radical da sociedade e do espaço.

2.1.1. Para as análises sobre a participação social pelo direito à cidade

As ações diretas e institucionais pelo direito à cidade são formas de tentar gerar diretamente ou de participar de decisões relativas às visões, concepções e ações que irão prevalecer nos rumos do desenvolvimento das cidades. Examinar os possíveis tipos de participação e suas condições são úteis para a reflexão sobre as ações, principalmente as institucionais, no âmbito do desenvolvimento urbano e que trazem implicações para o direito à cidade.

Com o intuito de poder aferir o grau de controle sobre as decisões dos participantes de uma organização ou de um processo, Bordenave (1994, p. 31-33) propôs os seguintes graus de participação: (i) a informação, quando agentes dominantes informam aos participantes sobre as decisões já tomadas; (ii) a consulta facultativa, quando dirigentes definem quando e se querem consultar os participantes para críticas, sugestões ou dados para algum problema; (iii) a consulta obrigatória, ocorre quando os subordinados devem ser consultados em determinadas ocasiões, porém a decisão final continua com os dirigentes; (iv) a elaboração/recomendação, que se refere às situações em que os subordinados-participantes podem elaborar propostas e recomendar medidas que os dirigentes podem aceitar ou rejeitar, apresentando justificativas para o posicionamento; (v) a cogestão, processo no qual a gestão da organização ou processo é compartilhada por meio de mecanismos de co-decisão e colegialidade; (vi) a delegação, diz

respeito às ocasiões em que os participantes recebem poderes para decisões em determinados campos ou jurisdições; e (vii) a autogestão, situação na qual os participantes de uma organização ou processo definem seus objetivos, os meios e estabelecem as formas de controle, sem interferência de agentes externos, desaparecendo as diferenças entre dirigentes e subordinados.

Souza (2010 a, p. 203-205) também propôs escalas de participação popular relacionada às políticas públicas que, também, são úteis à reflexão sobre os graus de participação: (i) a coerção, relacionada a situações em que a força estatal é exercida diretamente, como as remoções em favelas; (ii) a manipulação, que corresponderia a situações nas quais a população envolvida é induzida a aceitar uma intervenção mediante mecanismos como propaganda; (iii) a informação, refere-se às situações em que o Estado disponibiliza informações sobre as intervenções planejadas

menos ou mais completas, menos ou mais “ideologizadas”, a depender da cultura, política e grau

de transparência do jogo político; (iv) a consulta, quando a população é consultada, mas sem garantia de que as opiniões da população serão incorporadas; (v) a cooptação, seria uma forma de integração de indivíduos ou dos segmentos mais ativos a cargos (espaços) na administração governamental desde que haja adesão aos interesses desta; (vi) a parceria, primeiro grau de participação autêntica, quando a sociedade civil colabora em um ambiente de diálogo e transparência para a implementação de uma política pública ou uma intervenção; (vii) a delegação de poder, seria a situação em que o Estado abdica de algumas atribuições em favor da sociedade civil; (viii) a autogestão, consistiria em um processo de implementação de políticas e intervenções de modo auto gestionário, sem a presença de uma instância de poder acima da sociedade (Estado). No binômio sistema capitalista e democracia representativa para Souza (2010 a), o máximo alcançável é a delegação de poder. Ele ressalta, ainda, que experiências autogestionárias marginais podem ocorrer nas bordas do sistema heterônomo, com durações e impactos variáveis. Somente as categorias superiores, parceira, delegação e autogestão, para Souza (2002, p. 205), corresponderiam a marcos políticos-institucionais em que há a possibilidade de que as soluções de planejamento e gestão possam ser caracterizadas como fortemente democráticas.

As duas propostas de Bordenave e Souza relativas a graus de participação são referências interessantes para as análises propostas na presente Tese, considerando que parte das ações pela urbanização, regularização e integração dos assentamentos precários do tipo favela, principalmente as institucionais, estiveram relacionadas, em graus variados, a processos participativos. A proposta de Bordenave parece relacionar, de forma mais evidente, processos de mesma natureza relacionados, diretamente, à participação. Já a proposta de Souza traz algumas possibilidades que não representariam exatamente um processo de participação, como a coerção, a manipulação e a cooptação, mais relacionadas às relações de poder.

A questão, considerando o direito à cidade e a Tese, estaria relacionada à distância destes processos às decisões que implicam na produção do espaço da cidade de modo mais abrangente. Outro aspecto importante é que só seriam válidos para uma perspectiva reformista-inclusiva os graus superiores de participação, a cogestão ou de delegação para a formação de políticas e definição de objetivos e estratégias. Para a perspectiva radical-transformadora, apenas a autogestão generalizada na produção do espaço serviria, como de apropriação-produção desalienada da cidade.

Para as análises realizadas na Tese, foram considerados quatro graus de participação: (i) informação: quando integrantes da sociedade civil envolvidos (moradores de assentamentos precários, por exemplo) são apenas informados sobre planos, projetos, ações e intervenções, com alcances variados, antes de serem executados, durante a realização ou quando concluídos; (ii) consulta e recomendação: quando os participantes da sociedade civil são consultados e podem propor ações, medidas e recomendações a planos, projetos, ações e intervenções, podendo ter abrangências diversas, especialmente no início e no desenvolvimento destes, mas podendo ocorrer para avaliação de resultados e propostas de ajustes, correções e compensações; (iii) cogestão, delegação e/ou parceria: quando a gestão do processo e das decisões sobre planos, projetos, ações e intervenções é compartilhada com os participantes da sociedade civil, podendo, em alguns momentos, haver também a delegação para os integrantes da sociedade de decisões e ações específicas; (iv) autogestão, seria um sistema de organização ou um processo em que os participantes tomam as decisões diretamente. A autogestão, vale ressaltar, é proposta mais como um horizonte para nortear ações, como já apresentado nessa Tese.

Em relação assentamentos precários, a maior parte das experiências relacionadas à urbanização e regularização acabou se realizando em graus mais baixos de participação. De todo modo, parte destas experiências, mesmo distantes da autogestão, contribuíram para a geração de novos mecanismos e institucionalidades, além de ampliar as possibilidades de participação de segmentos que antes nunca tinham tomado parte de qualquer processo próximo das decisões sobre seus assentamentos e sobre a cidade. O que, de algum modo, poderia potencializar visões críticas sobre as realidades de desigualdades nas cidades e, talvez, gerar sementes para sua transformação.

2.1.2. Sobre o direito à apropriação espacial

No que concerne a outro pilar do direito à cidade, o direito à apropriação pelo uso, algumas questões já foram levantadas na seção que tratou da produção do espaço , também, nas questões referentes aos bens comuns, mas é importante deixar evidente o que foi priorizado nas análises sobre as condições, contradições e possibilidades das ações diretas e institucionais pela

urbanização, regularização e integração de assentamentos precários, ocupados por segmentos em situação de pobreza e vulnerabilidade, no Brasil, em relação às concepções de direito à cidade. Se a produção do espaço se refere à produção de estruturas materiais e simbólicos, de usos, apropriações, domínios, organizações e transformações do espaço, e de relações socioespaciais, o direito à apropriação diz respeito ao direito dos habitantes de acessar, ocupar, usar e determinar o que e como é produzido e participar da produção, sem visar a troca mercantil, mas para o estabelecimento de espaços e relações sociais.

Purcell (2002) lembra que Lefebvre imaginava a apropriação não apenas como o direito de ocupar o espaço urbano já produzido, mas também o direito de produzir o espaço, com prioridade para o valor de uso, o que se constituiria em um desafio direto às relações sociais do capitalismo levando em conta que, nos últimos dois séculos, a valorização do espaço tem sido uma estratégia central de acumulação e que os direitos de propriedade conferiram aos capitalistas amplas possibilidades

de maximização do valor de troca (PURCELL, 2002, p. 103).

A questão é que o interesse pelo valor de troca, a partir das propriedades de parcelas dos espaços urbanos (bens imóveis), ultrapassa as linhas de classes e perpassa diversos segmentos e grupos sociais. Isso ocorrendo, também, em função da difusão dos valores capitalísticos e dissimulações, com a propriedade privada da terra constituindo-se em uma das condições fundamentais para o reconhecimento social e ascensão econômica. Carlos (2011) ressalta que a apropriação do espaço como prática espacial individual se expressa em sua plenitude no ato de habitar, e no âmbito coletivo, se concretiza na realização da sociedade. Em diversas situações, a predominância da primeira dimensão, contaminada por perspectivas mercantilizadoras, sobre a segunda, fragmenta a sociedade e dificulta o reconhecimento da cidade como produção social e bem comum. Ademais, as alternativas radicais requerem esforços demasiados dos indivíduos.

O direito à apropriação pelo uso está relacionado, portanto, a contradições e conflitos da produção espacial: espaço social vs. espaço abstrato; valor de uso vs. valor de troca; produção social vs. apropriação privada, em defesa das primeiras perspectivas-valores para além das questões de classe, considerando outras dimensões, de gênero, raça etc. Para as análises sobre as apropriações pelo uso, duas perspectivas relativas ao direito à cidade, já colocadas anteriormente, se ressaltam: a radical-transformadora e a reformista-inclusiva, sem ignorar as perspectivas em oposição, neoliberal-mercantilizadora e a conservadora-discriminatória.

Algumas questões-dimensões merecem atenção para as análises sobre as condições de apropriação dos moradores de assentamentos precários de seus espaços de habitat e, também, quanto às cidades: (i) a inserção urbana (permanecer, acessar e integrar-se), considerando a

situação-localização dos assentamentos e as condições de acesso a bens, serviços, a meios de transporte e deslocamento, a equipamentos urbanos, a áreas dinâmicas nos âmbitos econômico, social e cultural etc. e de integração à cidade; (ii) a adequação e segurança urbanística, fundiária e ambiental (estar / viver em condições adequadas e permanecer sem risco), a partir das condições da qualidade dos espaços públicos e do habitat, levando em conta as qualidades físico-ambientais, infraestruturais, de construtibilidade, de salubridade, de adequação cultural etc. e tomando em conta a possibilidade de permanecer na cidade sem riscos e ameaças considerando as relações entre as condições das pessoas (sociais, econômicas, culturais etc.) e as condições de segurança ambientais, jurídicas (da posse e de permanência), sócio-políticas, urbanísticas etc. Essas condições foram e vêm sendo autopromovidas pelos habitantes dos assentamentos e, a depender de cada assentamento e grau de consolidação-regularização, também, por meio de ações estatais e até de entidades privadas. O quanto estas condições-dimensões estão sendo trabalhadas para contribuir a transformações nas formas atuais e desiguais de produção do espaço é que fará a distinção de suas naturezas, se próximas de visões conservadoras, mercantilizadoras-privatistas e excludentes ou de perspectivas reformistas-inclusivas e radicais-transformadoras.

Quando são colocados alguns conceitos para as análises sobre o direito à cidade, não há a pretensão em propor categorias indiscutíveis. São apenas mais algumas referências para as reflexões ao redor e para um conceito que sempre estará em construção e, também, em disputa. Outra dimensão importante seria a que considerasse o compartilhamento e a autogestão coletiva

dos espaços, como formas de ‘comunalização do habitat’, considerando a produção ou existência

de espaços, recursos, bens e / ou serviços comuns decorrentes de relações de vizinhança, grupos identitários, associações culturais, desportivas, religiosas etc. Essa dimensão exige estudos e análises multidisciplinares.

É verdade que quem propõe o reconhecimento institucional do direito à cidade como direito humano, terá que, de algum modo, propor definições e parâmetros básicos, que expressem fundamentos compartilháveis e pactuáveis, considerando a diversidade das realidades. Isso, de algum modo, vem sendo realizado mediante diversas cartas pelo direito à cidade que vêm tentando atenuar os efeitos do neoliberalismo e as várias formas de discriminação e opressão.

2.2 RESISTÊNCIAS, MANIFESTAÇÕES E INSURGÊNCIAS CONTRA-HEGEMÔNICAS NAS

CIDADES E PELO DIREITO À CIDADE

Diversas manifestações, protestos e rebeliões vêm ocorrendo, principalmente a partir dos anos 1980, em diferentes partes do mundo, em oposição ao neoliberalismo, à globalização e à

financeirização como ocorreu em Seattle, em 1999, e, também, reivindicações pela democratização de sistemas de governos, pela justiça global e contra os efeitos da urbanização desigual. São

diversos sentidos e expressões em protestos e movimentos, “Ocupas”, “Indignados” etc., até

aglutinações como o Fórum Social Mundial, buscando apontar para alternativas para uma outra globalização, alternativa, fundada na autonomia e diferenciação cultural e em uma política anti-mercantilização, como acentua HARVEY (2014, p. 204-205).

Mayer (2012) identifica quatro fases de mobilização urbana desde a década de 1960: (i) a oposição politizada da década de 1970 no contexto de crise do fordismo, que se expressou na Europa por meio de movimentos de estudantes e migrantes e nos EUA pelos mais excluídos, principalmente afro-americanos. O foco desses movimentos foi a "esfera reprodutiva" e o "consumo coletivo", como também por mais participação na tomada de decisão, além da experimentação de projetos alternativos; (ii) as reações às políticas de austeridade e ao neoliberalismo na década de 1980, com o movimento urbano se tornando mais fragmentado abrangendo uma variedade de temas, incluindo movimentos de classe média de preservação de seus bairros até grupos com demandas reacionárias ou xenófobas; (iii) os protestos dos anos 1990 em relação aos programas governamentais de desenvolvimento econômico local por meio de parcerias público-privadas em regeneração urbana para transformá-los em ativos de localização, que levaram às lutas antigentrificação em Nova York, Paris, Amsterdã, Berlim e mobilizações locais similares do movimento antiglobalização; e (iv) a partir dos anos 2000, mobilizações contra a integração dos mercados financeiros e imobiliários, a mercantilização generalizada e a precarização do trabalho e por justiça social e ambiental.

Os movimentos assumiram uma dimensão global exigindo a democratização de instituições multilaterais e a defesa de serviços públicos e instituições em suas cidades. A defesa de serviços públicos em meio a décadas de neoliberalismo privatizante implica em defender o acesso mais amplo e condições adequadas de apropriação e, também, nas possibilidades de interferir nas

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