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3. AS INSTITUIÇÕES E A LIQUIDEZ DOS ATIVOS

3.6. Ações em não-conformidade e a Instabilidade da liquidez

Até aqui, as seções deste capítulo foram construídas com o objetivo de salientar a importância da relação entre convenções, mercados e organizações na determinação da liquidez dos ativos. Como aspecto comum a aproximar os três determinantes, o caráter institucional, identificado pela literatura, mostrou-se como fundamental na determinação de

tal atributo dos ativos, a ser percebido em maior ou menor grau de acordo com um conjunto de características específicas das três instituições. Entretanto, tanto Dequech (2013a) como Hodgson (2006) destacam que, por possuir um caráter socialmente determinado, as instituições podem sofrer mudanças significativas, com o caso extremo do seu desaparecimento e/ou substituição por outra instituição. Tais mudanças decorrem da ação em não conformidade dos agentes com as regras propostas pelas instituições, sendo seus efeitos tão maiores quanto o número de indivíduos ou organizações que desviam do comportamento permitido ou proposto pelas instituições.

As abordagens pós-keynesiana e convencionalista, conforme explicitado nos dois primeiros capítulos desta dissertação, abrem espaço para a variação no grau de liquidez de um mesmo ativo a depender de um contexto específico. O que se pretende argumentar nesta seção é que tais mudanças estão associadas às instituições que determinam a liquidez Tal possibilidade é dada quando um número significativo de indivíduos age em não conformidade com as regras propostas pelas instituições, como argumentam Hogdson (2006) e Dequech (2013a). Em outras palavras, a relação institucionalmente definida entre convenções, mercados organizados e organizações, não apenas determina a liquidez, como também contém as bases para o seu questionamento e para o seu desaparecimento em alguns momentos.

Os mercados organizados, tanto para as teorias pós-keynesianas quanto convencionalista, são fundamentais para o desenvolvimento da atividade especulativa do agente. Esta constatação torna-se ainda mais clara quando se considera os mercados como instituições que impactam na convenção da normalidade, via a continuidade dos preços dos ativos, uma vez que possibilitam ao agente se desfazer do ativo sem perdas significativas de liquidez. Como Davidson (2002) argumenta, ao analisar o comportamento dos agentes dentro da lógica financeira, o único preço relevante quando se deseja uma “saída rápida” é aquele que se consegue vender seu ativo. Se for esperado pelo agente que a regra da convenção da normalidade seja verificada, então os preços hoje são bons estimadores para o preço futuro.

Entretanto, na prática, os preços variam, e o valor assumido amanhã pode ser diferente do que é verificado hoje. O ativo negociado é alvo de especulação pela possibilidade de variação dos preços, fonte de lucro para os agentes que participam das negociações com esses ativos. Mercados, enquanto loci organizados de negociação de ativos, é a condição que permite comprar hoje com a expectativa de vender depois a preços mais altos, sendo os ativos negociados nestes mercados sujeitos a constantes variações nos preços. O lucro a ser recebido pela posse do ativo passa, progressivamente, a depender mais dessa diferença intertemporal do preço do que da atividade produtiva destes ativos (Orléan, 2014, p. 202-203).

As organizações, por sua vez, também contribuem para que o agente perceba o ativo como mais líquido, e, consequentemente, para a atividade especulativa. Isso porque, como Minsky (1986) argumenta, as organizações, em especial as bancárias e não bancárias, apresentam um comportamento não-passivo na busca de maior lucratividade. Criam, para isso, novos instrumentos financeiros, seja para financiar as posições dos agentes, seja para lhes permitir novas fontes de rendimentos. Ou seja, estas organizações são responsáveis por permitir maior capacidade financeira aos indivíduos e por diversificar o portfólio. A emissão destes novos ativos amplia a determinação endógena do preço e da liquidez, visto que cada vez mais se distancia do rendimento da atividade produtiva do ativo como fonte de rentabilidade.

Pode ocorrer, entretanto, que um grupo de investidores comece a questionar as regras propostas pelas convenções. Tal questionamento se dá tanto para a regra da convenção da normalidade, quando acreditam na variação abrupta do(s) preço(s) de um (alguns) ativo(s), quanto para a da interpretação, quando não acreditam que a avaliação do mercado seja de fato a referência para a liquidez do(s) determinado(s) ativo(s). Mercados organizados, ao mesmo tempo em que funcionam como o local onde é formada a referência acerca da liquidez através do confronto de diferentes opiniões, é também o local onde os rumores são espalhados. As regras de funcionamento devem ser socialmente compartilhadas; quando não o são mais, os mercados perdem sua eficiência em sustentarem a liquidez dos ativos.

Retomando o argumento de Orléan (2006), haverá dois grupos de agentes (indivíduos ou organizações) que podem agir como fonte dos questionamentos acerca das convenções formadas sobre a liquidez dos ativos: os contrários e os fundamentalistas céticos. O foco aqui será no primeiro grupo, visto que o questionamento do segundo é apenas marginal, interferindo em pequenas variações nos preços dos ativos. Em geral esse grupo denominado de contrários terá mais incentivos para agir em não conformidade quanto maior for o retorno esperado e quanto menor for o risco. Dentro das razões indicadas por Dequech (2013a) para a conformidade em conformidade deliberada pelos agentes, alguma (ou algumas) delas passa a ser questionada por um grupo significativo. A convenção, que antes era socialmente compartilhada, é confrontada sob alguns de seus aspectos:

However, a convention can be overturned if a sufficient number of people defy it. As long as the benefits of coordination are finite, the possibility exists of a relatively extreme personality type that may be inclined to overturn the prevalent convention. (Hodgson, 2006, p. 17)

São nos momentos em que se questionam as convenções sobre a liquidez dos ativos que o caráter arbitrário das mesmas torna-se mais claro. Para a convenção da normalidade, os momentos de crise da liquidez dos ativos, em que há quedas bruscas nos preços, são reflexos da natureza não Gaussiana dos próprios preços. Assim, crises tornam-se muito mais frequentes do que é previsto pela regra que sustenta tal convenção.

Já para a convenção da interpretação, a avaliação de referência do mercado não está baseada em nenhuma qualidade intrínseca ao ativo (ainda que algumas características intrínsecas diferenciem grupos de ativos por grau de liquidez). As variações entre os graus de liquidez para os diferentes ativos são baseadas na aceitação social de que o ativo é líquido, seja por um processo inconsciente de habitualização de que determinado ativo será mais líquido, seja pela presença de organizações que fazem crer que são mais bem informadas e tem a habilidade para determinar os graus de liquidez para os ativos. Quando esta avaliação de referência é questionada por um número significativo de participantes dos mercados, a liquidez do ativo, enquanto atributo socialmente determinado pelas interações das instituições que a define, mostra-se dependente da sustentação da sociedade como um todo.