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Capítulo III: O percurso: da entrada à realização

3. Ações individuais com os/as alunos/as

Como ficou acordado com a orientadora local, cada sessão de trabalho individual com os alunos teria a duração de 1hora e seria dividida em duas componentes: intervenção

tutorial individual e apoio ao estudo.

No que respeita à primeira componente, pela própria vocação da instituição, esta foi assumida desde o início do estágio. Nesse sentido, os jovens que acompanhei foram identificados pela orientadora local correspondendo a alunos que revelavam dificuldades em acompanhar algumas matérias curriculares e dificuldade na gestão do tempo de estudo.

Tendo sido atribuída uma hora semanal para esta atividade com cada criança e jovem esse tempo deveria ser aproveitado não apenas para o apoio ao estudo, mas também para o acompanhamento escolar e a ajuda nos trabalhos de casa. Inicialmente senti dificuldade pois não me sentia preparada para este tipo de atividade mas, com o passar do tempo, foi-se tornando mais fácil e fui conseguindo responder aos objetivos de cada um dos alunos. Vivi esta fase do meu estágio com alguma resistência pois f, como estudante em CE considerei que essa não era uma área para a qual a nossa formação estivesse dirigida. Sinto, contudo, que, no geral, o trabalho foi bem-sucedido porque tentei aliar a parte lúdica à resolução de exercícios e problemáticas.

A dimensão lúdica está diretamente associada à criatividade (Winnicott in Ribeiro, 2002) como atividade em que os intervenientes são livres para criar, resultando numa imaginação criadora. Neste âmbito, a criança é considerada um indivíduo criativo, tendo uma forte necessidade de criar e recriar a sua fantasia. Assim, “quando as crianças

37 | P á g i n a brincam, elas resolvem problemas, fazem descobertas, expressam-se de várias formas, utilizando informações e conhecimentos em contexto significativo” (Portugal In Alarcão, 2008: 51).

Em várias sessões embora o estudo fosse o foco, as sessões foram atravessadas por conversas que se ligavam com a preocupação dos jovens face à escola e à ocupação do seu tempo livre – a estudar. Muitos/as alunos/as compreendiam a importância de ser feito o acompanhamento ao estudo e de frequentarem o espaço, mas alguns/as não sentiam que fosse uma mais valia frequentar a instituição e preferiam não o fazer, tal como atesta a seguinte nota de terreno:

“o D. hoje vinha com trabalhos de Português para realizar, porque iria ter teste e desta forma, começamos pelas fichas para depois conversarmos. Este resolve as coisas muito apressadamente, por vezes, sem ler. Nota-se falta de confiança e diz-me que a escola não serve para nada e que é uma seca. Que não percebe quem inventou estas coisas todas e porque tem que estar ali. É certo que durante a semana é pouco o tempo que esta criança tem para brincar, uma vez que vai da escola para o centro de estudos e do centro de estudos para casa.” (Nota de terreno, 28 de Novembro de 2019) No decorrer do tempo apoiei as crianças e os jovens no estudo e também na preparação para testes e avaliações, para fichas de trabalho e com trabalhos de casa. O tempo de apoio ao estudo permitiu, para além desta componente escolar, estabelecer com os jovens um relacionamento que acabou por assumir uma dimensão de natureza educacional, e que reconheço situar-se no domínio da intervenção tutorial. É sobre este enfoque que reflito no ponto seguinte do relatório

b). Tutoria individual

Percebendo que o tempo de intervenção que iria ter com as crianças e jovens se remetia muito ao final das manhãs e aos intervalos do almoço, e do lanche fui, desde o início pensando esses tempos não apenas para o apoio ao estudo, mas também para a realização de outras atividades como é o caso da intervenção tutorial. A tutoria individual foi planificada de acordo com os horários de cada aluno/a durante as primeiras semanas de estágio, e que organizei em colaboração com a R.:

“Entretanto subi, falei um pouco com a R. e recolhi os horários e pareceres acerca dos/as alunos/as que ia acompanhar juntamente com as suas professoras. Todas se mostraram muito prestáveis em ajudar no que

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fosse necessário e deram-me dicas para lidar com alguns/as jovens mais complicados/as.” (Nota de terreno, 14 de Novembro de 2018)

Cada professora de cada jovem cedeu os horários para que se tornasse mais fácil conciliar o horário final de acordo com o tempo que a criança permanecia na instituição. Depois da recolha tornou-se possível chegar ao horário final presente na figura 1.

A intervenção tutorial individual foi vista como um desafio desde o primeiro dia, como evidencia o registo da seguinte nota de terreno:

“Hoje é o primeiro dia de intervenção tutorial individual com as crianças e jovens. Sinto-me muito nervosa pois ainda não sei se serei capaz e se corresponderei às necessidades que a instituição me “impôs”. Andei o fim-de-semana todo a recear este momento, porque não me sinto capaz. Respiro fundo e falo na receção para me chamarem o primeiro menino do dia. Arranjam-me um gabinete e dizem que posso estar lá à vontade.” (Nota de terreno, 19 de Novembro de 2018)

Todas as semanas reuni com as crianças individualmente durante 1 horas e todas as sessões continham uma componente de intervenção para que pudéssemos compreender

39 | P á g i n a quais os fatores que tinham influência nestes jovens, dentro e fora da escola. Desta forma, tornou-se possível abordar diferentes e variadas temáticas.

Este domínio de intervenção desafiou-me para um novo pensamento sobre o que pode ser o trabalho de um profissional em Ciências da Educação a intervir em contextos não formais de educação, como é este tipo de instituição e competências profissionais que precisa de desenvolver. Neste campo de intervenção tutorial são diversas as características que devemos ter enquanto profissional, tais como, ser:

“ (…) um bom comunicador, característica muito importante num tutor, não é aquele que produz um discurso sem interrupções, recorrendo com frequência a palavras polissílabas ou aquele que tem sempre algo a dizer nas sessões, ou que pretende ter a última palavra. Também não é aquele que exprime ideias complexas no estilo académico. É, pelo contrário, alguém que sabe ouvir o outro, lhe coloca a questão correcta, apresenta ideias complexas de forma clara e precisa, mantendo um contacto visual regular, assim como usa a linguagem não verbal, interpreta a linguagem do outro e adapta o registo e estilo ao contexto.” (Wallace in Semião, 2009:61)

Comunicar é fundamental para o triunfo da intervenção e, todos os/as alunos/as que acompanhei se mostraram interessados/as em conversar acerca de todas as temáticas e em participar nas atividades que fui promovendo e realizando. Este sentimento foi plasmado na nota de terreno que transcrevo:

“o D. não é muito conversador, mas consegue ter conversas extensas comigo e nota-se que gosta de o fazer. É um menino com uma visão muito própria da escola e do mundo que o rodeia e, por isso, torna-se interessante conversar com ele.” (Nota de terreno, 13 de Março de 2019) No fundo, “A ideia é observar e trabalhar em ordem ao aperfeiçoamento pessoal do aluno” (Almeida, 2013:30) Trabalhar com o/a aluno/a é aprender a ver o mundo do ponto de vista dos/as mesmos/as. É conseguir compreender o olhar, a forma como se apresentam e o seu humor. É conhecer as suas expressões. A intervenção tutorial foi tudo isto. Um conjunto de aprendizagens para as crianças e jovens, mas sobretudo, para mim:

“Já começo a conhecê-los e eles a mim. Contam-me alguns dos seus segredos e medos. Contam-me o que os motiva e o que os preocupa na escola. Contam aquilo que lhes apetece no momento, porque a intervenção individual que tenho vindo a fazer com eles/as é, também, com o objetivo de eles terem tempo para si.” (Nota de terreno, 5 de Fevereiro de 2019)

40 | P á g i n a O papel de boa ouvinte foi também fundamental ao longo deste processo, uma vez que:

“Não estava muito confiante que a J. quisesse estar comigo, inicialmente. Mas com o passar do tempo senti da parte dela um grande à vontade e ela foi falando de aspetos da vida dela que a preocupavam, de certa forma. (…) Estivemos muito tempo a conversar porque senti que a aluna precisava de alguém que a ouvisse (…) No fundo foi um momento de aprendizagem também para mim. Sempre soube que era boa ouvinte e foi neste momento que me apercebi de tal.” (Nota de terreno, 12 de Dezembro de 2019)

Ou seja, a atitude que fui assumindo apoiou-se sempre no diálogo e na comunicação. Como sustenta Semião, (2009), “É (…) pelo diálogo que a tutoria se revela uma forma facilitadora do desenvolvimento pessoal e social, porque se centra permanentemente a atenção nas necessidades do indivíduo (…).” (p.62). Sendo esta atividade realizada num contexto de educação não formal, este é um conceito que importa ser focado e caracterizado. A educação não formal é caraterizada pela flexibilidade de horários, programas e locais estando, todavia, presente a preocupação de construir situações educativas com base em diferentes contextos e públicos singulares. Deste modo,

“Procura-se assim contribuir para criar situações educativas mais

pertinentes relativamente aos contextos e às comunidades articulando-se de modo mais fértil com processos de desenvolvimento local marcados pelo seu caráter integrado endógeno e participado. Repensar a educação remete necessariamente, para a valorização de modalidades educativas não escolares, ou seja, para modalidades educativas não-formais.” (Canário, 1995: 32)

A educação não formal é considerada uma modalidade de ensino-aprendizagem institucional que, segundo Coombs e Ahmed in Cáride et al. (2007), se pode definir como uma atividade organizada e educativa realizada fora do sistema oficial e destinada a determinadas classes de aprendizagem e subgrupos particulares da população, tanto crianças, como adultos. Pensar as atividades curriculares e extracurriculares, baseadas na educação não formal, requer pensar em todos estes ideais.

Neste sentido, com o decorrer das sessões individuais consegui chegar a temas que são objeto de interesse para as crianças e que deram aso a realização de algumas atividades futuras, ainda que isso tenha sido algo que descobrindo ao longo do tempo, tal como registei:

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“Mas com o passar do tempo senti da parte dela um grande à vontade e ela foi falando de aspetos da vida dela que a preocupavam, de certa forma. Inicialmente disse-me que não gostava de ninguém e senti nela uma revolta muito grande. Com o passar do tempo fala-me do divórcio dos pais e do facto de já ter sofrido de bullying na escola. Estivemos muito tempo a conversar porque senti que a aluna precisava de alguém que a ouvisse. Esta diz-me que a mãe se preocupa imenso quando ela anda sozinha na escola e que a pressiona para fazer novas amizades. Nos tempos livres gosta de “estar em casa, a ouvir música e ver séries no Netflix… a deprimir” diz ela. Já experimentou algumas atividades fora da escola, como dança ou karaté e afirma não gostar “porque tem muitas regras”. No fundo foi um momento de aprendizagem também para mim. Sempre soube que era boa ouvinte e foi neste momento que me apercebi de tal. Tentei dar alguns conselhos à menina e mencionei que a violência nunca será opção para resolver nada. Foi um momento de superação para mim, porque estava receosa de estar com os meninos/as de 3º ciclo.” (Nota de terreno, 12 de Dezembro de 2019)

Neste espaço de intervenção fui com os alunos abrindo novas possibilidades de reflexão sobre a sua vida escolar e sobre situações de natureza mais pessoal, bem como sobre problemáticas sociais sobre as quais manifestaram interesse. Nesse domínio creio ter havido uma aproximação a um trabalho de mediação. Nesta ideia estou a sustentar-me na perspetiva de Costa, Torrego & Martins, (2018) quando sustentam que a mediação “(…) é reconhecida como uma metodologia com forte potencial educativo e capacitador, e como área a explorar para a formação de competências sociais basilares para a vida em comunidade (…) (p.114). Ao mesmo tempo reconheço nesse trabalho um forte potencial para o Desenvolvimento Pessoal e Social das crianças e Jovens. A conversa com a J. relatada atrás, foi um dos momentos em que me apercebi que, realmente, a mediação pode estar presente em diversos contextos da vida, mas sobretudo em contextos de formação e desenvolvimento pessoal.

Voltando ao foco da intervenção tutorial, o entendimento da relevância do envolvimento, após uma fase inicial em que foi prioritário estabelecer uma relação empática e de confiança com os/as jovens, teve de ser alargada de forma muito precisa à sua personalidade, às suas atitudes e aos seus níveis de motivação. Tornou-se indispensável conhecer como é que estes/as eram vistos e se posicionavam nos vários

42 | P á g i n a momentos e lugares, estendendo a minha intervenção para lá dos encontros semanais. Ou seja, foi necessário da minha parte um trabalho de monitorização relativamente ao “estar” e “estar” dos jovens na instituição, no sentido de melhor os poder acompanhar nos tempos específicos de intervenção.

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