• Nenhum resultado encontrado

2 REVISÃO DE LITERATURA

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1.7 Ações do Pb a nível molecular e celular

Acredita-se que uma grande parte do dano causado pelo Pb na fisiologia celular seja devido à sua habilidade em substituir diversos cátions polivalentes (Ca+2, Zn+2, Mg+2 e outros cátions divalentes) em seus sítios de ligação (GODWIN, 2001). Estas interações permitem que o Pb afete diferentes processos biologicamente significativos, como o metabolismo energético, apoptose, maturação protéica e regulação genética. Estes processos podem ocorrer, em parte devido a disfunções mitocondriais causadas pelo Pb (GILMORE; WILSON, 1999; LIDSKY; SCHNEIDER, 2003), visto que o início dos processos degenerativos coincide com um fenômeno

2 Revisão de Literatura 28

conhecido como permeabilidade de transmissão, a qual está associada a um colapso do potencial da membrana mitocondrial (ZORATTI; SZABO, 1995).

O Pb pode causar ainda efeitos tóxicos por estresse oxidativo (LIDSKY; SCHNEIDER, 2003), devido ao acúmulo de radicais livres. Os radicais livres estão envolvidos em muitos processos normais e patológicos (BECHARA, 1996), e seu acúmulo pode causar danos à estrutura das biomoléculas de DNA, carboidratos, lipídios e proteínas, além de outros componentes celulares (MONTEIRO; BECHARA; ABDALLA, 1991). Tais danos podem resultar em disfunções e morte celular, principalmente para as células neuronais que são altamente sensíveis a esses radicais livres (MONTEIRO; BECHARA; ABDALLA, 1991; DEMASI et al., 1996; KIM; WON, GWAG, 2002; ADHIKARI et al., 2006).

2.2 FERRO

O Ferro (Fe) faz parte integral do metabolismo corpóreo devido a sua habilidade de ganhar e perder elétrons com facilidade (MILLS et al., 2010). Ele é essencial nos processos celulares básicos como, gerar ATP mitocondrial e replicação do DNA, age como um precursor na divisão celular de células cerebrais como astrocistos e oligodendrócitos, além de ser utilizado em várias funções neuronais, como síntese do neurotransmissor dopaminérgico e mielinização dos axônios (ZECCA et al., 2004; KE; QIAN, 2007; MOSS et al., 2007; LI; SWIERCZ; ENGLANDER, 2009; TODORICH et al., 2009; MILLS et al., 2010). Em condições normais, a maior parte do Fe corpóreo se liga a proteínas específicas, sendo que o restante, que é considerado biodisponível (lábil), encontra-se ligado a ligantes de baixo peso molecular (LI; SWIERCZ; ENGLANDER, 2009). Assim, setenta por cento do Fe total corpóreo é utilizado nas hemoglobinas, 10% nas mioglobinas, e a porção biodisponível (lábil) em outras proteínas heme. O Fe não heme se liga para transportar e armazenar proteínas e enzimas (GUTTERIDGE; QUINLAN, 1992; LEVENSON; TASSABEHJI, 2004; LI; SWIERCZ; ENGLANDER, 2009).

O sistema nervoso central consome cerca de 20% da energia corpórea e é rico em Fe (ROUAULT; ZHANG; JEONG, 2009). Seu nível em tecidos específicos é regulado para satisfazer as necessidades do metabolismo especializado e evitar a

2 Revisão de Literatura 29

citotoxicidade (LI; SWIERCZ; ENGLANDER, 2009; MILLS et al., 2010). A absorção do mesmo é bem controlada por um mecanismo conhecido por homeostase do Fe (MILLS et al., 2010). No cérebro, a manutenção desta homeostase é muito importante, mas os mecanismos que envolvem a absorção do Fe no cérebro ainda não são muito bem compreendidos (ROUAULT; ZHANG; JEONG, 2009).

O sistema nervoso é separado da circulação sistêmica pela barreira sanguínea cerebral e pela barreira fluídica sanguínea cerebroespinhal encontrada no plexo coróide (ROUAULT; ZHANG; JEONG, 2009). Os capilares do plexo coróide são fenestrados e permitem a passagem de substâncias, como nutrientes e drogas, entre as células. Acredita-se que ambas funcionam como porta de entrada do Fe no cérebro (RICHARDSON; PONCA, 1997; FILLEBEEN et al., 1999). Porém, a barreira sanguínea cerebral tem papel importante na limitação da entrada do Fe no cérebro pela via sanguínea por um sistema altamente regulado denominado transporte seletivo (ROUAULT; ZHANG; JEONG, 2009). De acordo com Li, Swiercz e Englander (2009), existem células específicas para o transporte de Fe que determinam o nível de Fe absorvido, utilizado e armazenado, sendo que estas apresentam receptores transferrina (a maior proteína que armazena Fe), ferritina e transportadores de metal divalente.

Para o sistema nervoso ele é essencial para a vida ou tóxico quando seus níveis não estiverem bem regulados (HOROWITZ; GREENAMYRE, 2010; MILLS et al., 2010). No cérebro, a perda da homeostase pode ocorrer por condições agudas, como disfunção neuronal causada por Acidente Vascular Cerebral (quando a barreira sanguínea cerebral é comprometida), ou doenças neurológicas progressivas, como Alzheimer, Parkinson, doença de Huntington, além de ferritinopatias hereditárias e acúmulo de Pb e Cádmio (Cd) no plexo coroide (GUTTERIDGE, 1992; ZHENG, 2001; CURTIS et al., 2001; KE; MING QIAN, 2003; HOROWITZ; GREENAMYRE, 2010).

A absorção de Fe pelo cérebro é maior na criança quando comparado ao adulto, devido ao crescimento e desenvolvimento do mesmo. A deficiência do Fe tem um impacto negativo significativo para o desenvolvimento do cérebro e cognição (ROUAULT; ZHANG; JEONG, 2009), principalmente quando ocorre no período de desenvolvimento cerebral, pois pode levar a alterações neurológicas como anemia precoce com posterior retardo mental (MILLS et al., 2010). O efeito da deficiência

2 Revisão de Literatura 30

celular de Fe pode ser atribuído à diminuição da atividade da redutase de ribonucleotídeos (JORDAN; REICHARD, 1998), uma enzima dependente de Fe que converte os ribonucleotídeos em desoxiribonucleotídeos, como um pré-requisito para a síntese de DNA. Como resultado, ocorre uma paralisação do crescimento das células deficientes em Fe na fase S do ciclo celular (TOMOYASU et al., 1993).

Por outro lado, os mecanismos envolvidos na patofisiologia do excesso de Fe no cérebro são complexos (LI; SWIERCZ; ENGLANDER, 2009). O Fe possui a propriedade de doar elétrons para o oxigênio e o aumento dos níveis de Fe pode permitir a formação de radicais e ânions hidroxil via reação de Fenton (Fe2+ + H2O2

→ Fe3+ + OH + OH-), e devido à peroxidação de lipídeos ser dependente de Fe2+,

também podem ser gerados radicais peroxil e acoolxil. Tais espécies reativas de oxigênio podem danificar macromolélulas celulares como proteínas, lipídeos e DNA (LI; SWIERCZ; ENGLANDER, 2009; MILLS et al., 2010). Assim, ocorrem modificações que alteram propriedades básicas de proteínas reparadoras, incluindo atividade catalítica, de ligação ao DNA, estabilidade e compartimentalização. O Fe livre também pode aumentar de forma geral o dano oxidativo por gerar radicais livres que comprometem a integridade do DNA genômico, levando a danos pela perda do processo de reparo de DNA no cérebro (LI; SWIERCZ; ENGLANDER, 2009). Mesmo uma sobrecarga moderada de Fe pode afetar a capacidade de reparo do DNA e, consequentemente, comprometer a integridade genômica, levando a sequelas deletérias em longo prazo, incluindo disfunção neuronal e morte (LI; SWIERCZ; ENGLANDER, 2009).

2.2.1 Pb x Fe

De acordo com Rondó et al. (2006) a associação entre o Fe e Pb no organismo tem sido amplamente estudada, porém os resultados ainda são bem inconsistentes. Alguns estudos apontam que o Pb inibe a síntese da hemoglobina e diminui o tempo de vida dos eritrócitos circulantes resultando na estimulação da eritropoiese (HU et al., 1994; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1995; AGENCY FOR TOXIC SUBSTANCES AND DISEASE REGISTRY, 1999; PEROTTONI et al., 2005). Em longo prazo, estes efeitos acabam por resultar em anemia. Tais

2 Revisão de Literatura 31

mecanismos podem estar relacionados com a inibição de diversas enzimas na síntese do grupo heme por ação do Pb, como ácido δ-amino levulínico sintetase, ácido δ-amino levulínico dehidratase (ALAD), porfirinogênio deaminase, uroporfirinogênio descarboxilase, coproporfirinogênio oxidase e ferroquelatase, sendo que os efeitos sobre a ALAD agem provocando o acúmulo de ácido δ-amino levulínico (ALA), o que por sua vez proporciona danos oxidativos causando formação de espécies reativas (ONALAJA; CLAUDIO, 2000). Além disso, a inibição da ALAD também resultaria no aumento do ácido gama aminobutírico (GABA) no sistema nervoso central.

Os eritrócitos têm uma alta afinidade pelo Pb e carregam a maioria do metal encontrado na corrente sanguínea. Este, por sua vez, induz mudanças na composição de proteínas e lipídeos da membrana eritrocitária, causando danos oxidativos, contribuindo para alterações de membrana e, consequentemente, diminuição da sobrevida dos eritrócitos (LEGGETT, 1993; GURER-ORHAN; SABÝR; ÖZGUNE, 2004). A eritropoietina, fator de crescimento que atua sobre a linhagem eritróide, também está diminuída por ação do Pb (PORCELLI et al., 2002). Sendo assim, acredita-se que quando o indivíduo apresenta a anemia, os níveis de eritrócitos são menores e o Pb fica mais disponível no plasma, daí a maior toxicidade do metal nestes indivíduos.

O Pb também pode ser capaz de competir com o Fe, inibindo sua ligação com a proteína transportadora DMT1 (Divalent Metal Transporter1), já que esta pode transportar outros íons divalentes como o cobre, zinco e Pb, quando há deficiência de Fe no organismo (SOUZA; TAVARES, 2009; ALABDULLAH et al., 2005). Diante disto, tem sido recomendada a suplementação de Fe em crianças com risco de intoxicação por Pb, porém como a sobrecarga de Fe no organismo é muito prejudicial, mais estudos são necessários antes de adotar esta medida terapêutica (AHAMED; SIDDIQUI, 2007; SOUZA; TAVARES, 2009).

Bradman et al. (2001) avaliaram 319 crianças, de 1 a 5 anos, comparando os níveis de Pb no sangue de crianças com e sem deficiência de Fe, residentes em regiões com baixos, médios e altos níveis de contaminação por Pb. A média do nível de Pb no sangue foi de 4,9 µg/dL, sendo que 14% das crianças apresentaram índices acima de 10 µg/dL; muitas crianças apresentaram deficiência de Fe (24% com ferritina <12 ng/dL). Foi observado níveis elevados de Pb no sangue entre

2 Revisão de Literatura 32

crianças com deficiência de Fe, sendo que este persistiu após o ajuste de possíveis fatores de interferência. A regressão multivariada demonstrou que a maior diferença nos níveis de Pb no sangue entre as crianças com deficiência de Fe e normais foi em torno de 3 µg/dL. Estes autores apontam como mecanismo provável para a maior absorção de Pb, a substituição de Fe+2 por Pb+2 no sistema hematopoiético, aumentando o transporte ativo para o corpo e reduzindo a sua excreção.

Rondó et al. (2006) avaliaram a relação existente entre o Pb, hemoglobina, zinco protoporfirina e ferritina em crianças anêmicas e não anêmicas expostas ao Pb, e verificaram que este estava negativamente associado com a hemoglobina (p<0,017), e positivamente associado com a zinco protopofirina (p<0,004), além de existir uma associação inversa entre as concentrações sanguíneas de hemoglobina e Pb, em crianças anêmicas. Neste estudo, os autores detectaram que há relação entre a anemia e níveis elevados de Pb no sangue, e sugeriram estudos epidemiológicos investigando o impacto de intervenções nutricionais com Fe na tentativa de diminuição dos níveis sanguíneos de Pb em crianças.

No que diz respeito aos efeitos da interação do Pb com Fe a nível celular, tem sido relatado que o tratamento com Pb rompe a homeostasia celular do Fe, o que pode contribuir com a apoptose celular induzida pelo Pb em nível do córtex cerebral (WANG et al., 2007a). Ele interfere no transporte normal do Fe pela transferrina e inibe a endocitose da transferrina e o transporte de Fe pela membrana celular do reticulócito (QIAN; MORGAN, 1990). Ao nível da membrana celular, o Pb produz danos peroxidativos a lipídeos e proteínas. Este efeito parece ser causado por uma combinação de mecanismos, como liberação de Fe (o que, por sua vez, está relacionado à formação de radicais livres), perturbação de mecanismos anti- oxidantes e efeitos oxidativos diretos do Pb (ADONAYLO; OTEIZA, 1999; VILLEDA- HERNANDEZ et al., 2001). Estes mecanismos poderiam justificar a neurotoxicidade causada pelo Pb.

Tiffany-Castiglioni et al. (1987, 1988) trataram células da glia em cultura com Pb, com o intuito de verificar a relação existente entre este metal e a viabilidade do Fe e Cu em nível extra e intracelular. Os autores verificaram que o oligodendrócito foi o tipo celular mais sensível ao tratamento com Pb, sendo que após 4 a 11 dias de descontinuidade da exposição ao Pb, os oligodendrócitos foram

2 Revisão de Literatura 33

capazes de incorporar o Fe, porém, foi necessário uma alta concentração de Fe extracelular para alcançar os níveis de Fe intracelular comparáveis ao Pb, mas as concentração de Fe e Cu intracelular não foram afetadas. Por outro lado, o mesmo tratamento realizado para o tipo celular astrócito, demonstrou altos níveis de Fe e Cu intracelular quando do tratamento com Pb. Assim, os autores confirmam a hipótese de que elevados níveis intracelulares de Cu e Fe constituem-se em um mecanismo subcelular de neutoxicidade.

Wang et al. (2007a) com o intuito de verificarem os efeitos da suplementação com Fe para prevenir a apoptose de células cerebrais induzida pelo Pb, avaliaram ratos machos (20-22 dias) com massa corporal de 30-50 g que receberam acetato de sódio em água de beber para o grupo controle e, no grupo experimental água de beber com acetato de Pb (400 µgPb/ml) e água de beber com acetato de Pb (342 µgPb/ml) + gavagem gástrica de FeSO4 dia sim, dia não (20

mgFe/Kg para o terceiro grupo e 40 mgFe/Kg para o quarto grupo). Os autores verificaram que os animais expostos ao Pb apresentaram fragmentação de DNA, aumento na porcentagem da positividade para o TUNEL (Terminal deoxinucleotidil transferase Uracil Nick End Labeling) e aumento de ativação de caspase 3, além de diminuir a concentração de Fe no córtex cerebral, quando comparados ao grupo controle. Nos animais suplementados com ambas as concentrações de Fe, o menor nível deste (20 mgFe/kg) restabeleceu as concentrações normais no cérebro, ao contrário do maior nível (40 mgFe/kg). Por outro lado, ambos reduziram a fragmentação de DNA, mostraram pouca porcentagem da positividade para o TUNEL e diminuíram a degradação da procaspase 3. Os autores acreditam que a suplementação com FeSO4 (20 mg/Kg peso corporal) pode proteger contra a

citotoxicidade e a apoptose induzidas pelo acetato de Pb (400 mg/L administrado na água de beber por 6 semanas). As vias envolvendo as MAPK (proteínas quinase ativadas por mitógenos) parecem desempenhar um importante papel na apoptose cerebral induzida pelo Pb, ativando a via da MEK/ERK (receptor extracelular de quinases), que suprime a sinalização por JNK (quinase c-jun NH2-terminal).

Wang et al. (2007b) com o intuito de verificarem os efeitos da suplementação com Fe para prevenir os danos que o Pb causa na barreira sanguínea cerebral, avaliaram ratos machos (20-22 dias) com massa corporal de 30- 50 g que receberam acetato de sódio em água de beber para o grupo controle e, no

2 Revisão de Literatura 34

grupo experimental água de beber com acetato de Pb (342 µgPb/ml) e água de beber com acetato de Pb (342 µgPb/ml) + gavagem gástrica de FeSO4 dia sim, dia

não (7 mgFe/Kg para o terceiro grupo e 14 mgFe/Kg para o quarto grupo). Os autores verificaram que os animais expostos a Pb apresentaram, comparados ao grupo controle, níveis significativamente maiores de Pb no sangue e tecido cerebral; a microscopia eletrônica mostrou imagens sugestivas de edema cerebral, enquanto que o Western blotting mostrou que o tratamento com Pb reduziu de 29 a 68% a expressão de occludin; já os animais suplementados com baixo nível de Fe (7 mgFe/Kg) mostraram níveis mais reduzidos de Pb em sangue e cérebro, além de restaurarem a estrutura cerebral normal e a expressão de occludin; Por outro lado, os animais suplementados com 14 mgFe/Kg tiveram níveis mais altos de Pb em sangue e no córtex cerebral quando comparados aos demais grupos, porém a expressão de occludin também foi restaurada. Os autores concluíram que o Pb aumenta a permeabilidade da barreira sanguínea cerebral, facilitando o acúmulo deste metal no tecido cerebral, mas baixas doses de suplementação com Fe diminuem os efeitos tóxicos do Pb no cérebro.

Recentemente, Ferreira (2012) avaliou marcadores de estresse oxidativo no cérebro de ratos tratados com acetato de Pb (100 ou 400 mg/L) na água de beber, associado ou não a suplementação com FeSO4 (20 mg/Kg de peso corporal)

administrado por gavagem gástrica, a cada 2 dias. Os grupos controle receberam água deionizada e gavagem ou não com FeSO4. A atividade das enzimas glutationa

peroxidase e superóxido dismutase e a concentração de glutationa reduzida diminuíram nos grupos experimentais em relação ao controle. Hidroperóxido de lipídio apresentou tendência de aumento nos grupos experimentais sem suplementação com ferro, enquanto que a catalase demonstrou tendência de aumento na atividade em relação ao controle. A autora concluiu que as enzimas superóxido dismutase e glutationa peroxidase e a glutationa reduzida no cérebro podem ser afetadas pelo acetato de Pb e o tratamento com FeSO4 pode afetar esta

dinâmica. Porém, estudos adicionais são necessários para se verificar se o FeSO4

2 Revisão de Literatura 35

2.3 O Pb NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

O Pb é capaz de danificar qualquer atividade biológica, sendo os sistemas enzimáticos potencialmente susceptíveis aos metais pesados. A toxicidade por Pb gera desde alterações em níveis clínicos a alterações bioquímicas, sendo estas últimas mais sutis. Este metal é capaz de alcançar e se acumular em quase todos os órgãos do corpo humano, porém no sistema nervoso central os efeitos do mesmo são mais deletérios e ocorrem em longo prazo (VERSTRAETEN; AIMO; OTEIZA, 2008; SHARIFI; MOUSAVI; JORJANI, 2010).

Acredita-se que a via de entrada do Pb no cérebro é por meio do plexo coroide, visto que este é o responsável pela estabilidade química do cérebro (ZHENG et al., 2003). Metais pesados como Pb, cádmio, mercúrio e arsênio tendem a se acumular no plexo coroide e no tecido cerebral em concentrações muito maiores do que aquelas observadas no fluido cerebroespinhal, e o acúmulo destes metais causa danos morfológicos e funcionais nesta estrutura (ZHENG, 2001).

Alguns mecanismos são propostos para a neurotoxicidade do Pb, como estresse oxidativo, alterações biofísicas de membrana, alterações na sinalização celular e perda de neurotransmissores.

Estas alterações que ocorrem em nível molecular podem levar a danos no sistema cognitivo. De acordo com Otto e Fox (1993) os efeitos da exposição ao Pb na função cognitiva têm sido amplamente estudados, devido aos déficits causados no processamento visual e auditivo que refletem no processo de aprendizagem.

Lidsky e Schneider (2003) em um estudo de revisão apontaram como efeitos neurotóxicos do Pb no desenvolvimento do sistema cognitivo:

- Apoptose ou morte celular programada. Esta pode ser induzida por uma variedade de estímulos extrínsecos ou intrínsecos. Uma disfunção mitocondrial promove a abertura do poro de transição permitindo a despolarização mitocondrial, liberação do citocromo C, a ativação de uma variedade de caspases, clivagem de proteínas efetoras upstream de morte, resultando em morte celular. Um aumento intracelular de Ca2+ é um dos principais gatilhos e o acúmulo de Pb é outro, pois o Pb

2 Revisão de Literatura 36

rompe a homeostase do Ca2+, causando um acúmulo desteem células

expostas ao metal.

- Efeitos no mecanismo regulatório intraneuronal. O Pb substituindo o Ca2+ afeta a atividade dos segundos mensageiros. Em pequenas concentrações atua ativando a Calmodulina e, em altas concentrações, reduz sua atividade, influenciando na homeostase intracelular do Ca2+.

O Pb também pode afetar a proteína quinase C, que participa de muitas funções celulares como na proliferação e diferenciação celular, e na plasticidade neuronal que está envolvida nas funções cognitivas de memória e aprendizagem.

- Neurotransmissores. Em nível pré-sináptico, o Pb afeta os canais de Ca2+ suprimindo sua atividade para a liberação de acetilcolina, dopamina e os neurotransmissores aminoácidos, além de aumentar o número de vesículas para a liberação do neurotransmissor. Associado a isto, afeta o armazenamento e liberação de neurotransmissores, como também altera os receptores do neurotransmissor, principalmente para o glutamato. Os sistemas de dopamina também sofrem efeitos negativos pelo Pb.

- Efeitos sobre as células da glia. O Pb é tóxico para a oligodendroglia e astroglia. Acredita-se que o acúmulo de Pb nos astrócítos pode servir para proteger os neurônios dos efeitos tóxicos desse metal, porém pode constituir um reservatório para a liberação contínua de Pb no cérebro, contribuindo para o dano de neurônios nas proximidades.

As alterações moleculares descritas acima são capazes de interferir em habilidades importantes para o desenvolvimento neurológico e psiquiátrico. Os danos cerebrais causados pelo Pb ocorrem preferencialmente no córtex pré-frontal, cerebelo e hipocampo, sendo estas regiões responsáveis pelas funções cognitivas, de execução de padrões motores, e de memória, respectivamente. Além disso, estes centros anatômicos modulam as respostas emocionais, memória, comportamento, aprendizagem e funções neuromusculares (VERSTRAETEN; AIMO; OTEIZA, 2008).

2 Revisão de Literatura 37

2.3.1 Efeitos da exposição ao Pb no hipocampo

O hipocampo apresenta duas propriedades básicas relacionadas à neuroplasticidade, sendo estas a potenciação de longa duração e a neurogênese em cérebros maduros (ALTMAN; DAS, 1965). Esta última caracteriza-se pelo nascimento de novos neurônios no giro denteado por toda a vida. Estruturalmente, a zona subgranular do giro denteado é abundante em células tronco que são capazes de se dividir e se diferenciar em neurônios. Estas células migram para a camada granulosa, expressam fenótipos neuronais, recebem contatos sinápticos, realizam conexões sinápticas funcionais e exibem atividade dependente de potenciação de longa duração (WANG; SCOTT; WOIJTOWICZ, 2000; GILBERT et al., 2005; XU et al., 2009). A presença de células tronco no cérebro maduro também serve como uma reserva de células neuronais para substituir células que morreram como resultado de várias injúrias ou doenças (GILBERT et al., 2005).

Os mecanismos que controlam a neurogênese no hipocampo são desconhecidos. Porém, sabe-se que a mesma está relacionada a fatores genéticos, infecções virais pré natais, idade, dieta e estresse psicosocial (GILBERT et al.,

Documentos relacionados