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Conforme exposto, em razão dos princípios e ideais éticos humanitários que fundamentam o instituto do refúgio, quais sejam, sua natureza protecionista do ser humano e da dignidade humana, não podem os Estados de acolhida, deliberadamente, lançarem os refugiados em seu território, aos ventos da própria sorte. Faz-se necessária uma conduta 41 Art. 29. No caso de decisão negativa, esta deverá ser fundamentada na notificação ao solicitante, cabendo

direito de recurso ao Ministro de Estado da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do recebimento da notificação. Idem.

proativa do Estado acolhedor, em fornecer e viabilizar a inclusão do refugiado em sua sociedade, através de incentivos e políticas públicas nacionais (GONZÁLEZ, 2010, p. 52).

Ademais, são inegáveis as dificuldades enfrentadas pelo refugiado em adaptar-se aos costumes, idioma e ritmo social. O Brasil, embora seja um Estado multicultural e, por vezes, reconhecido como acolhedor aos estrangeiros, essas dificuldades também aparecem, merecendo atenção especial para que sejam minimizadas (CHUEIRI; CÂMARA, 2010, p. 171).

Assim, o status de refugiado deve traduzir-se em oportunidade de recomeçar e, para tanto, é natural a necessidade dos refugiados em receberem tratamento isonômico no ambiente social, devendo a eles ser alcançado o acesso à moradia e trabalho, ao mesmo tempo aos serviços públicos disponíveis à população nacional (FRIEDRICH; BENEDETTI, 2010, p. 77).

Dessa forma, as políticas públicas voltadas à assistência e integração dos refugiados são imprescindíveis para assegurar-lhes uma efetiva integração social, econômica e cultural; em especial, o acesso ao trabalho, saúde e educação. Portanto, para obtenção de resultados positivos, é fundamental que os refugiados tenham assegurado o acesso aos direitos sociais, culturais e econômicos. (…) tais como rede de ensino, sistema público de saúde e programas de capacitação profissional, de modo que consiga, o quanto antes, a autossuficiência (ANNONI; VALDES, 2013, p. 157).

Atento a essa premente necessidade o legislador brasileiro, em conjunto com a ACNUR, ao incorporar as convenções internacionais no seu ordenamento, fez menção expressa em garantir o acesso dos refugiados às políticas públicas. De modo que, gradativamente, a partir da confecção do Estatuto do Refugiado, Lei nº 9.474/97, o Estado Brasileiro vem implementando o acesso dessas pessoas a tais direitos (GONZÁLEZ, 2010, p. 51).

Inclusive, para algumas situações específicas, o Brasil já consolidou assistências especiais. Como exemplo, pode ser citado o caso em que os

refugiados ou solicitantes podem receber assistência emergencial para subsistência (alimentação, moradia, transporte, higiene e vestuário), por um período de seis meses. […] Contam ainda com programas de integração socioeconômica e cultural, com informação sobre as perspectivas de emprego (ANNONI; VALDES, 2013, p.157).

Dentre as formas de inclusão na sociedade brasileira, há de se destacar o papel do governo brasileiro em garantir o acesso dos refugiados ao trabalho. Como já relacionado, desde a chegada ao Brasil e após sua apresentação à autoridade, ao solicitante de refúgio

garante-se de imediato acesso a emissão de Carteira de Trabalho, consoante disposto no artigo 6 do Estatuto do Refugiado42(PASCHOAL, 2012, p. 110).

Ainda, consoante os artigos 4343 e 4444 do mesmo diploma legal, garante-se a simplificação das exigências no tocante a apresentação de documentos do país de origem; bem assim, a facilitação no reconhecimento de diplomas e certificados de ensino e também no ingresso em instituições acadêmicas de todos os níveis. Em exemplo destes direitos assegurados na prática, tem-se

a) a Resolução 03/98, da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG na área da educação: baseada na Lei 9.474/97 e com orientações da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação, a UFMG passou a admitir refugiados nos cursos de graduação, mediante documentação expedida pelo Conare. A Universidade ainda tem garantido a estas pessoas, bolsa de manutenção, apoio psicológico, acesso a programas de moradia e estágios remunerados.

b) Criação, a partir de 2005, de uma rubrica no orçamento da União destinada à acolhida aos refugiados, visando ampliar a ação, através de convênios e parcerias com a sociedade civil, no atendimento e integração dos refugiados.

c) No direito à saúde, digna de destaque é a criação do primeiro Centro de Referência para a Saúde dos Refugiados, instalado no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de capacitar profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) para atender os refugiados e refugiadas. Sua relevância está centrada no fato de que os refugiados chegam ao país com dificuldades de comunicação, traumas psicológicos em razão das guerras e da violência que sofreram. São casos que requerem maior sensibilidade na acolhida, atenção às condições emocionais e psíquicas, e particular consideração por parte dos profissionais da saúde.

d) Criação do Comitê Estadual para Refugiados, no Estado de São Paulo, iniciativa pioneira, além de meio de implementação de políticas para refugiados em São Paulo e de grande apoio à causa, funciona como estímulo à criação de instituições semelhantes em outras unidades da Federação.

e) Avançados estudos e propostas entre governo/Conare, Acnur e Sociedade Civil para viabilizar o acesso de refugiados e refugiados aos Benefícios de Prestação Continuada (bpc), o âmbito do LOAS, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, com a participação também do INSS (ANNONI; VALDES, 2013, p. 159-160).

Por esse motivo, há de ser reconhecido o esforço nacional em efetivar os preceitos de proteção aos refugiados. Todavia, as ações outrora relacionadas, apesar de significarem sensível avanço, continuam insuficientes e tímidas perante a complexa problemática que as populações deslocadas enfrentam.

42 Art. 6º O refugiado terá direito, nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, a cédula

de identidade comprobatória de sua condição jurídica, carteira de trabalho e documento de viagem. Ibid.

43Art. 43. No exercício de seus direitos e deveres, a condição atípica dos refugiados deverá ser considerada

quando da necessidade da apresentação de documentos emitidos por seus países de origem ou por suas representações diplomáticas e consulares. Ibid.

44Art. 44. O reconhecimento de certificados e diplomas, os requisitos para a obtenção da condição de residente e

o ingresso em instituições acadêmicas de todos os níveis deverão ser facilitados, levando-se em consideração a situação desfavorável vivenciada pelos refugiados. Ibid.

Claro que não só o Brasil, mas a comunidade internacional em geral, ainda engatinha no quesito de propiciar e garantir aos refugiados uma inclusão de fato efetiva e de longo prazo nas sociedades. Afinal de contas, o número de deslocados no mundo aumenta exponencialmente ano após ano, realidade em que muitas destas pessoas vivem e continuarão a viver a margem da sociedade, se em prol delas, nada for feito.

4 REFUGIADOS AMBIENTAIS

Como mencionado nos capítulos anteriores, o conceito clássico de refugiado é aquele previsto no artigo 1º da Convenção de 1951 e ampliado posteriormente no Protocolo de 1967, que diz respeito às pessoas que sofrem perseguição ou temem ser perseguidas em razão de “raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas”.

O Protocolo de 1967 veio para retirar a limitação temporal de aplicação que trazia o conceito da Convenção de 1951, vez que somente poderia ser considerado refugiado o indivíduo que sofreu perseguição em virtude de acontecimentos datados antes de 1º de janeiro de 1951. Desta forma, teoricamente, deve receber proteção e amparo pelo direito internacional somente as pessoas que se enquadram neste conceito sem a restrição temporal inicialmente imposta (SERRAGLIO, 2014, p.84).

Entretanto, o mundo (e o direito) enfrenta mudanças constantes – cada dia uma situação diferente ameaça a efetivação dos direitos básicos fundamentais e mais pessoas migram para fora de seus países de origem em busca da realização desses direitos. Sendo assim o conceito de refugiado criado há mais 60 anos não é mais efetivo para abarcar todas as situações de violação de direitos humanos existentes e que ameaçam a dignidade da pessoa humana (RAIOL, 2010, p. 127).

Nos dias de hoje não são apenas os conflitos armados que colocam a vida do ser humano em risco, mas o avanço da pobreza, da degradação ambiental, bem como a escassez de água e desastres ambientais frequentes, faz com que cada vez mais pessoas se desloquem, de forma voluntária ou forçada, para fora de seus locais de origem.

Cabe dizer que, além das formas de refúgio previstas na Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, existem outros grupos de pessoas que têm seus direitos básicos violados e que não encontram amparo nos documentos legais já existentes haja vista não estarem normatizados. Exemplos desses são os migrantes econômicos que se deslocam em busca de melhores condições de vida, bem como os refugiados ambientais, tema central deste trabalho.

Neste capítulo far-se-á uma abordagem da nomenclatura recorrentemente utilizada para tratar de pessoas que deixam seu lugar de domicílio habitual em virtude de causas ambientais, sejam elas: alterações climáticas, desastres, desertificação ou, ainda, o aumento do nível dos oceanos, como também da importância de reconhecimento e discussão desse assunto, uma vez que as mudanças climáticas, apesar de ser um fenômeno natural, acabam agravando-se em virtude da ação humana (desmatamento, poluição da água, emissão de gases poluentes que contribuem para o efeito estufa).