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4.1 REDE DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO: GARANTIA OU NEGAÇÃO DE

4.1.1 Ações relacionadas à Política de Saúde

Nas ações relacionadas à saúde, observamos a existência da Portaria Interministerial MS/SEDH/SPM n. 1.426, de 14 de julho de 2004, e da Portaria da Secretaria de Atenção à Saúde n. 340 de 14 de julho de 2004, as quais estabelecem normas para operacionalização das ações de saúde ao adolescente – exclusivas para internação provisória e de internação.

A referida portaria regulamenta:

Art. 2º Em cada unidade da Federação, as Secretarias de Saúde do Estado, do Distrito Federal, e dos municípios-sede das unidades de internação e internação provisória, em conjunto com a secretaria gestora do sistema socioeducativo, deverão formular um Plano Operativo Estadual, conforme as Normas a serem estabelecidas por meio de portaria do Ministério da Saúde. § 1º A gestão e a gerência das ações e serviços de saúde constantes do Plano Operativo Estadual serão pactuadas, no âmbito de cada unidade federada, entre o gestor estadual de saúde, o gestor do sistema socioeducativo e os

gestores municipais de saúde, respeitadas as condições de gestão (2004, p. 3).

Conforme essa portaria, o atendimento de saúde dos adolescentes privados de liberdade deve ser orientado pelo Plano Operativo realizado no âmbito estadual, que deve ser pactuado com os gestores municipais de saúde. No âmbito específico do referido lócus de pesquisa, o município de Caicó-RN, essa pactuação ainda não ocorreu. Segundo os profissionais entrevistados, a Secretaria Municipal de Saúde Pública tem prestado atendimento aos adolescentes que cumprem medida socioeducativa no CEDUC, quando da procura.

Os atendimentos solicitados são: odontológicos, médicos, laboratoriais e psiquiátricos, cuja demanda ocorre de acordo com a necessidade pessoal de cada adolescente. No contexto geral, são solicitados serviços de vacinação (imunização) e atividades educativas (orientação sexual, higienização, prevenção de doenças, drogas).

Os entrevistados informaram que os atendimentos de saúde, para os adolescentes, ocorrem majoritariamente na Unidade Básica de Saúde do bairro Castelo Branco, onde o CEDUC se localiza. Segundo os participantes da pesquisa que trabalham na UBS, os atendimentos acontecem orientados pelo respeito à divisão de territorialidade da Política de Saúde Pública, ou seja, os atendimentos aos adolescentes são realizados durante o período de internação, em virtude de o CEDUC localizar-se na área de cobertura da referida UBS. Ao questionar os profissionais entrevistados da UBS a respeito dos atendimentos da política de saúde, obteve-se a seguinte assertiva, representativa das demais:

devemos sim atender e atendemos, sempre que somos solicitados; eles são referenciados pela localização territorial entre CEDUC e UBS. São da nossa área referenciada [...] A UBS deve atender ao CEDUC, pois estamos bem próximos a eles (Entrevistado F).

A fala dos sujeitos entrevistados afirma claramente que o atendimento realizado para os adolescentes internos no CEDUC não ocorre em conformidade com uma estratégia de articulação entre a saúde e o sistema socioeducativo. Demonstra que o desenvolvimento acontece pela determinação da demarcação territorial do Sistema Único de Saúde, no que tange ao referenciamento à atenção básica.

Segundo a Lei 12.594 de 18 de janeiro de 2012, que regulamenta o SINASE, os atendimentos de saúde devem ocorrer conforme a seguinte dinâmica:

Art. 60. A atenção integral à saúde do adolescente no Sistema de Atendimento Socioeducativo seguirá as seguintes diretrizes:

I - previsão, nos planos de atendimento socioeducativo, em todas as esferas, da implantação de ações de promoção da saúde, com o objetivo de integrar as ações socioeducativas, estimulando a autonomia, a melhoria das relações interpessoais e o fortalecimento de redes de apoio aos adolescentes e suas famílias;

II - inclusão de ações e serviços para a promoção, proteção, prevenção de agravos e doenças e recuperação da saúde;

III - cuidados especiais em saúde mental, incluindo os relacionados ao uso de álcool e outras substâncias psicoativas, e atenção aos adolescentes com deficiências;

IV - disponibilização de ações de atenção à saúde sexual e reprodutiva e à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis;

V - garantia de acesso a todos os níveis de atenção à saúde, por meio de referência e contrarreferência, de acordo com as normas do Sistema Único de Saúde (SUS);

VI - capacitação das equipes de saúde e dos profissionais das entidades de atendimento, bem como daqueles que atuam nas unidades de saúde de referência voltadas às especificidades de saúde dessa população e de suas famílias.

Através das falas dos profissionais entrevistados e da análise dos documentos institucionais do CEDUC, foi desvendado que existe a formação de “parcerias” entre os profissionais da unidade de internação e os da Secretaria de Saúde do município de Caicó-RN. Não há um compromisso firmado entre as instituições, vinculadas às definições legais, com vistas à efetivação dos direitos já reconhecidos por lei. Nesse sentido, o relato do entrevistado do CEDUC corrobora essa análise de “estabelecimento de parcerias”.

A UBS do bairro Castelo Branco desenvolve uma “parceria” com o CEDUC; desde a fundação da unidade, em 1996, eles realizam na unidade muitas campanhas de vacinação e de prevenção de doenças, participam de outras ações realizadas na unidade, como, por exemplo, nas comemorações e solenidades (Entrevistado G).

Nos atendimentos médicos e odontológicos que acontecem na UBS, os adolescentes são acompanhados por educadores para a realização dos procedimentos. Em caso de urgência, são encaminhados para o Hospital Regional do Seridó (HRS). As consultas são marcadas, de acordo com disponibilidade na UBS, por um profissional com formação técnica em enfermagem que presta serviço ao CEDUC.

Esse profissional é peça fundamental na precária “parceria” com a secretaria de saúde, uma vez que realiza agendamento no Sistema Único de Saúde, em caso de necessidade

de atendimentos de média e alta complexidade, atendimentos psiquiátricos e terapêuticos. Este requisita cotidianamente agilidade nesses atendimentos, busca convênios com as instituições públicas e privadas e fica de sobreaviso para se dirigir à unidade em qualquer horário, a fim de acompanhar os adolescentes nos serviços de saúde, em caso de urgência.

A narrativa desse entrevistado, rica em detalhes, demonstra como a sociedade brasileira ainda é desafiada a romper com a cultura do favor, que se institui nas políticas sociais como uma moeda de troca.

[...] Pelo fato de conhecer muitos profissionais eu agilizo muitos atendimentos, pois eu tenho muitos conhecidos, trabalhando em vários locais, por isso consigo muita coisa para o CEDUC; é sempre bom a gente ter conhecimento, muitas vezes é melhor que dinheiro [...]. Hoje em dia a aproximação com o pessoal da UBS, eu que consegui inseri-los aqui na casa (CEDUC), inclusive convido para participarem de capacitações sobre o SINASE [...]. O pessoal da UBS, sempre que pode, participa; eles dizem que gostam de participar, para fortalecer o vínculo que deve haver entre eles e os adolescentes [...]. Eu sei que a rede de atendimentos precisava ser melhor organizada, pois os adolescentes pressionam pelo atendimento [...]. Eles não querem nem saber como vamos conseguir, querem ser atendidos e pronto. Mas, para falar a verdade, eu tenho dificuldade de compreender como essa articulação deve ser, já que sempre foi responsabilidade do CEDUC providenciar esses atendimentos (Entrevistado E).

Esse relato demonstra como ainda é insuficiente a articulação entre as políticas sociais, principalmente na partilha de responsabilidades conjuntas. Os profissionais entendem que é de responsabilidade do Estado a implementação das políticas sociais, mas não vislumbram formas de aproximação entre as instituições que as executam, tendo em vista a precariedade interna delas.

A cultura do favor aparece explícita, no discurso, como uma estratégia de efetivação do atendimento, como uma maneira de oferecer resposta às necessidades dos adolescentes, mesmo que seja de modo pontual; aparece também como uma mediação entre profissionais e instituições. Diante do desafio de ultrapassar essa realidade, Vasconcelos (2006) aponta estratégias para romper com as práticas antidemocráticas e incentivar a política de saúde visando ampliar, facilitar e garantir o acesso aos cidadãos.

Segundo Vasconcelos (2006, p. 21, grifos do autor), “é preciso afirmar o exercício de uma consciência social sobre a saúde, reconhecendo a saúde como direito do cidadão e dever do Estado” e direcionando a luta pelo exercício profissional “que rompa com práticas individualizantes, rompa com práticas de favor, de ajuste, de ajuda, de dominação, de controle”. Nesse sentido, deve-se fortalecer uma ação que rompa com práticas despolitizantes,

visando reforçar a luta dos segmentos majoritários das classes trabalhadoras, “porque quem tem força política não demanda: pleiteia, exige, passa a ter mais força nas negociações” (VASCONCELOS, 2006, p. 21).

O envolvimento dos profissionais na organização política, nesse momento histórico, mostra-se urgente pela pressão das forças antagônicas à concretização dos direitos; nesse lastro também se torna antagônica a articulação da rede de atendimento socioeducativo. A reflexão crítica, seguida do posicionamento político desses sujeitos, é de extrema importância para eles, bem como para os adolescentes e seus familiares.

Outro obstáculo na realização dos atendimentos de saúde no sistema socioeducativo é o da falta de comunicação entre os profissionais da UBS e do CEDUC. De ambas as partes, há falha no diálogo, tanto no agendamento com antecedência quanto na maneira de esclarecer a realidade enfrentada no cotidiano de uma instituição de internação e as peculiaridades das condições materiais desses adolescentes.

Para que os profissionais que atuam na política de saúde possam trabalhar de modo objetivo, é preciso que eles conheçam o ambiente onde o paciente vive, as condições de higiene, de iluminação, de alimentação. É importante, sobretudo, que dimensionem as relações sociais desenvolvidas na trama social que envolve os adolescentes e seus familiares, repleta de segregação, preconceito, criminalização e negação de direitos, estando expostos a situação de violações de toda espécie e sendo assediados pelo mundo do crime cotidianamente.

Conforme Oliveira (2011), é conveniente lembrar que as práticas discricionárias e centralizadoras de um direito tutelar, as deliberações piramidais das políticas governamentais públicas e o atendimento coercitivo e discriminatório das entidades de atendimento precisam ser substituídos por um conjunto de normas jurídicas que introduzam e regulamentem a participação popular.

Cabe aos governos extinguir modelos centralizadores, ainda calcados na velha política do bem-estar do menor, substituindo-os por programas pedagogicamente formulados para atender ao tipo de adolescente e de criminalidade, bem como às propostas da Constituição Federal de 1988 e do ECA, visando estabelecer uma proposta pedagógica coerente com a política de direitos (VOLPI, 2011).

Todavia, é importante lembrar que o Estado capitalista e neoliberal se coloca como incapacitado para universalizar políticas públicas e direitos de cidadania. A redução drástica dos gastos públicos direcionados à seguridade social brasileira, seguida da privatização da saúde e da educação, molda uma sociedade que vê o acirramento da questão social.