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A questão do valor econômico da água guarda um leque de considerações que não poderão ser completamente desenvolvidos neste estudo, mas é importante considerar alguns aspectos básicos, partindo-se do pressuposto que juridicamente já foi reconhecido este valor.

Relembremos que a quase totalidade das atividades econômicas não prescindem da utilização da água que, então, passa à condição de recurso hídrico, além do fato de que quando a água merece destaque nas questões sociais, ainda assim, e talvez com maior razão, aflore a questão do valor econômico da água, como antes salientado.

No que se refere à Política Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, a valoração da água é instrumentalizada na cobrança pelo uso da água, prevista no artigo 19 da Lei nº9.433/97:

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Art. 19 – A cobrança pelo uso dos recursos hídricos objetiva:

I – reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação real de seu valor;

II – incentivar a racionalização do uso da água;

III – obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.

Diz, ainda, o artigo 20 da referida lei:

Art. 20 – Serão cobrados os usos de recursos hídricos sujeitos a outorga, nos termos do Artigo 12 desta lei.

Diz o artigo 12 da Lei nº9.433/97:

Art. 12 – Estão sujeito a outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos:

I – derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;

II – extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo;

III – lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;

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IV – aproveitamento dos potenciais hidrelétricos;

V – outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água.

Portanto, extraímos dos incisos acima, quais são os que devem pagar pelo uso da água.

Tendo em vista o reconhecimento do valor econômico da água mais afeto aos usos comerciais, pode-se concluir que no desenvolvimento das políticas públicas é reconhecido, ainda que implicitamente, o direito fundamental do homem à água, na medida em que é essencial à promoção da sadia qualidade de vida, ou simplesmente à vida, partindo-se do pressuposto que o homem não pagará pelo uso da água para a promoção de sua sobrevivência.

Note-se que o princípio estabelecido como fundamento da Política Nacional de Recursos Hídricos, conforme preceitua o inciso III do artigo 1º, da Lei que a instituiu, de que a prioridade dos recursos hídricos em caso de escassez é o consumo humano, não deixa claro o direito fundamental do homem, ainda não expressamente reconhecido, do acesso à água.

O fato de os promotores do desenvolvimento econômico pagarem pela utilização da água não significa que podem faze-lo sem qualquer critério, daí a importância do gerenciamento dos recursos hídricos concebidos sob a forma de um gerenciamento integrado.

Sobre esta particularidade assevera o eminente Professor Paulo Affonso Leme Machado:

A água passa a ser mensurada dentro dos valores da economia. Isso não pode nem deve levar a condutas que permitam que alguém, através do pagamento de um preço, possa usar a água a seu bel-prazer. A valorização

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da água deve levar em conta o preço da conservação, da recuperação e da melhor distribuição desse bem.49

Mas, a captação, tratamento e distribuição da água, destinados ao abastecimento das populações, cujo serviço é prestado por empresas que objetivam lucro, pode estabelecer, a médio prazo, com alguns reflexos já verificados, um conflito de interesses naturalmente diversos.

Isto porque as empresas de saneamento, além de cobrarem pelos serviços de captação, tratamento e distribuição da água, poderão para determinadas parcelas da população repassarem os custos do pagamento que deverão arcar pelo uso dos recursos hídricos.

Assim, temos, de um lado, a água dotada de valor econômico, explorada por empresas privadas na obtenção de lucro; de outro, a água como bem da humanidade essencial à vida.

Caso não seja administrada a questão do valor econômico da água, esse entendimento, do qual não nos podemos nos furtar, pode evoluir equivocadamente para o tratamento da água como mercadoria, tendo em vista a evolução histórica do modo de produção e hoje no mundo cada vez mais globalizado, onde tudo é considerado mercadoria.

É de se notar que, por ser um bem cada vez mais escasso, a água tem obedecido às leis de mercado, de forma que seu preço sofre as conseqüências da lei da oferta.

O custo da captação, com o rebaixamento do nível de nossos mananciais, é cada vez mais elevado, pois há a necessidade de buscar água em outros mananciais, distantes do local de abastecimento. Assim como o custo do tratamento, igualmente vem sofrendo aumento, na medida em que a poluição das águas implica na utilização de produtos e técnicas mais onerosas, que encarecem o processo.

49 Op. cit. pg. 416.

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Antes de ser um bem econômico, a água é um bem comunitário e patrimonial. Seu status econômico é muito particular, pois o custo de produção e seu valor de uso não têm nenhuma relação entre si e são extremamente diversificados. 50

Portanto é imprescindível que se fomente as discussões acerca deste princípio que reconhece o valor econômico da água, para que a mesma não venha a ser rebaixada ao status de mera mercadoria integrante das necessidades básicas humanas, estado em que para sua satisfação dever-se-á obedecer às leis da oferta e da procura, próprias do mercado de consumo, pois disto será conseqüência que quem puder pagar, tomará água, caso contrário morrerá de sede.