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3 USO DE ÁGUA NA PRODUÇÃO DE ETANOL

3.2. A água na produção de etanol de primeira e segunda geração

Em relação ao uso da água, o maior consumo na produção de etanol no estado de São Paulo ocorre no processamento industrial da cana, o qual se destaca por seu alto valor em comparação com a produção de outros combustíveis (Figura 3.4). Porém, com medidas de redução nos consumos e de reúsos de correntes, este valor pode ser reduzido a 3,6 litros de água por litro de etanol quando considerada uma produção mista de açúcar e etanol (CHÁVEZ-RODRÍGUEZ, 2010).

Figura 3.4: Água consumida no processo de conversão das matérias primas em combustíveis. Fonte: Chávez-Rodríguez e Nebra (2010)

Assim, os problemas relacionados ao excesso de uso de água estão sendo resolvidos com modificações nas plantas agroindustriais para a implantação de sistemas de reúso e de sistemas

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fechados. A maior pressão para estas modificações estruturais parte de exigências dos órgãos ambientais para a renovação de licenças de operação e pela implantação do sistema de cobrança pelo uso da água.

Na história da produção de açúcar e etanol a partir da cana-de-açúcar no Brasil, a captação média de água pelas usinas e destilarias do Estado de São Paulo caiu aproximadamente 90% nas últimas três décadas. Indo dos 15 m³ a 20 m³ por tonelada de cana na década de 1970, para a média de 2 m³ por tonelada em 2005 (Figura 3.5).

Figura 3.5: Evolução de captação de água na indústria canavieira. Fonte: Elia Neto et al. (2009) Já uma extensa e criteriosa revisão bibliográfica a respeito do uso e reúso de água na produção de açúcar e etanol de primeira geração a partir da cana-de-açúcar pode ser encontrada no trabalho de Chávez-Rodríguez (2010).

Em 2007, a Associação de Combustíveis Renováveis dos Estados Unidos realizou uma pesquisa sobre a eficiência na produção de etanol nesse país. No tocante ao consumo de água, o relatório da pesquisa reportou um consumo médio de 3,45 litros de água por litro de etanol produzido para usinas de etanol com moagem a seco (dry-grind), dentro de uma faixa de 2,65 a 4,9 litros de água por litro de etanol; enquanto o consumo de água considerando a tecnologia de moagem úmida (wet-mill) se encontrou na faixa de 1,2 a 6,1, com um consumo médio de 3,92 litros de água por litro de etanol produzido (ETHANOL PRODUCER, 2009).

Por outro lado, projeções baseadas em modelagens de processos para a produção de etanol via as rotas bioquímica e termoquímica de biomassa lignocelulósica no National Renewable Energy Laboratory (NREL) encontram-se na faixa de 6 a 9 litros de água por litro de etanol e cerca de 2 a 3 litros de água por litro de etanol, respectivamente, dependendo do tipo de matéria prima usada (ADEN, 2007; WILLIAMS et al., 2009).

Complementando, Alkan-Ozkaynak e Karthikeyan (2011) avaliaram a alternativa da produção de biogás a partir da vinhaça em plantas de etanol a partir de milho, encontrando que o efluente líquido da digestão anaeróbia apresenta adequadas características para o seu reúso.

A respeito do consumo de água na produção de etanol de segunda geração, a quantidade de informação é limitada, devido principalmente a não existirem ainda plantas a escala comercial que possam fornecer informação confiável do impacto que teria esse tipo de produção no consumo de água.

Não obstante, plantas em escala piloto e ensaios a escala laboratorial apresentam alguma informação no consumo de água que ajudam a dar uma ideia do consumo dessas instalações e qual tecnologia e estratégia de operação do ponto de vista dos recursos hídricos seria a mais adequada.

A importância da lavagem do bagaço de cana-de-açúcar pré-tratado com amônia é abordada no trabalho de Kochergin e Miller (2011). Na sua avaliação experimental, depois do pré- tratamento do bagaço, os autores realizam o peneiramento dele com o fim de retirar a maior fração líquida possível, ficando com uma torta de baixa umidade (~18%). Essa etapa é seguida pela lavagem da torta (bagaço pré-tratado) visando remover compostos inibidores tanto da hidrólise enzimática como da fermentação. Finalmente, antes de ser encaminhada para o processo de SSF, a mistura passa por um moinho de três rolos para diminuir a sua umidade. A Figura 3.6 apresenta uma análise de sensibilidade realizada pelos autores a respeito da água necessária para atingir uma determinada eficiência de remoção de inibidores do bagaço pré-tratado, mostrando que para uma maior exigência de purificação é necessário uma relação do fluxo mássico de água respeito ao material sólido, de aproximadamente cinco a seis vezes.

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Figura 3.6: Avaliação da eficiência da lavagem do bagaço pré-tratado para diferentes vazões de água. Fonte: Kochergin e Miller (2011)

Considerando mudanças na tecnologia de pré-tratamento, Kumar e Murthy (2011) realizaram uma avaliação econômica do impacto de quatro pré-tratamentos no custo de produção de etanol de segunda geração pela rota bioquímica a partir de grama festuca, onde, dentro dos seus principais resultados mostraram que a menor captação de água ocorreu com o pré-tratamento por explosão a vapor, com 4,36 litros de água por litro de etanol produzido, enquanto a maior captação se deu ao utilizar o pré-tratamento com ácido diluído, alcançando uma taxa de 6,07 litros de água por litro de etanol. Já os pré-tratamentos com ácido diluído e alcalino diluído, atingiram valores de 6,07 e 5,84, respectivamente.

O alto consumo de água, de 6 a 10 vezes a massa sólida, durante o pré-tratamento com ácido diluído para a produção de etanol, bem como a grande concentração de ácido no efluente gerado, foi a base do estudo de Zhang et al. (2011). Os autores utilizaram uma detoxificação biológica das diversas biomassas pré-tratadas, como palha de milho, de arroz e de trigo, visando a remoção de substâncias inibitórias sem requerimentos adicionais de água. O seu estudo considera ademais, a produção de etanol com uma alta concentração de sólidos insolúveis (30%) no processo de SSF, para obter finalmente uma redução no consumo de vapor e nenhum efluente com algum conteúdo de ácido.

Finalmente, em um estudo prospectivo, Macrelli et al. (2012) realizaram uma avaliação técnico-econômica da produção de etanol de segunda geração a partir do bagaço de cana-de- açúcar e da palha, integrado a uma destilaria convencional, encontrando uma captação de água de 6,7 litros de água por litro de etanol produzido de primeira geração. Porém, desafortunadamente, nesse trabalho não é citado o mesmo indicador para a produção integrada de etanol de primeira e segunda geração.

Outra linha de pesquisas avalia a recuperação dos efluentes do processo com o objeto de diminuir a captação de água bem como os volumes dos efluentes gerados. Um dos primeiros trabalhos envolvendo a recirculação dos efluentes na produção de etanol a partir de materiais lignocelulósicos foi desenvolvido por Galbe e Zacchi (1992). No seu trabalho encontraram uma redução em volume dos efluentes de 70,7 ton/h, sem recirculação, para 7,1 ton/h considerando o reúso de correntes internas. Além disso, uma maior concentração de etanol foi alcançada na corrente para a destilação, variando de 2,5 para 10%.

Larsson et al. (1997), com o fim de diminuir a captação de água para a produção de etanol a partir de madeira, desenvolveram experimentalmente o fracionamento da vinhaça através de um sistema de evaporação de seis efeitos, sendo as frações evaporadas para o posterior reúso. O sistema mostrou uma via efetiva para aproveitar aquele efluente, mas devido a que sua demanda de energia térmica é alta, é sugerida a realização de varias configurações visando a minimização dela.

Stenberg et al. (1998) desenvolveram estudos similares em um processo de sacarificação e fermentação separadas (SHF) com uma concentração de sólidos de 5%, concluindo que é possível substituir 50% da água requerida com a recirculação do efluente da destilação sem apresentar algum efeito negativo tanto na hidrólise como na fermentação.

Alkasrawi et al. (2002) pesquisaram o efeito da recirculação das correntes antes e depois da destilação em um processo de sacarificação e fermentação simultânea (SSF) a partir de madeira de abeto. No seu estudo, o processo em batelada foi realizado com uma concentração de sólidos de 5%, concluindo que entre 40% a 60% da água externa necessária naquele processo pode ser substituída com a recirculação de efluentes internos sem afetar a eficiência da produção de etanol.

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Visando a avaliação técnico econômica das opções de produção de etanol de segunda geração a partir de madeira através dos processos de SSF e SHF, Wingren et al. (2003) destacaram o impacto da reciclagem do 60%, em volume, da vinhaça no processo SSF alcançando uma redução de 14% no custo de produção final do etanol.

Galbe et al. (2005) também manifestam a sua preocupação pelo uso da água durante a produção de etanol, citando a importância da recirculação dos efluentes dentro da planta como alternativa para a minimização do seu uso, no entanto, eles indicam que algumas substâncias presentes nos efluentes podem inibir a eficiência das enzimas e dos organismos fermentativos. Os autores avaliaram três opções de reúso das correntes durante o processo de produção de etanol a partir de madeira de abeto de acordo à Figura 3.7.

Figura 3.7: Esquemas de recirculação das correntes do processo de produção de etanol de segunda geração a partir de madeira. Fonte: Galbe et al. (2005)

Quando considerado o uso dos condensados da concentração da vinhaça por evaporação (RC – Recirculation of condensate), a concentração de inibidores de alta volatilidade é reduzida nas etapas anteriores. Enquanto, a recirculação da corrente antes da destilação é utilizada, é necessário uma etapa de filtração previa à destilação. Nesse caso, a concentração de todas as substâncias incrementa durante a hidrólise e fermentação simultânea (SSF). Já a recirculação da vinhaça (RAD – Recirculation after distillation) causa uma maior acumulação de substâncias não voláteis na etapa de SSF. Os autores definem o indicador Fator de Concentração (CF –

Concentration factor) como a razão entre a concentração de compostos não voláteis na etapa de SSF com recirculação, e a concentração para o processo SSF sem recirculação. Quanto maior o fator, um maior potencial de inibidores é presente durante a hidrólise enzimática. Assim, os resultados mostraram que a alternativa mais eficiente é a recirculação antes da destilação (RBD) com um CF igual 1,5, já no caso da RAD foi alcançado um valor de 2,5.

Em resumo, apesar de existirem interessantes experiências no uso de água e reúso dos efluentes na produção de etanol de segunda geração em escala piloto a partir de várias biomassas, no caso do bagaço da cana-de-açúcar ainda é limitada aquela informação. Sendo assim encorajada que iniciativas sejam direcionadas nessa rota de pesquisa.