3.4. A GEOGRAFIA DO CURRÍCULO
3.4.1 A ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS
Essa parte do Currículo Paulista é importante por ser a diretriz mais geral e por
pautar a abordagem da disciplina de Geografia. De acordo com o documento, o ensino
dessa área
indica caminhos para o desenvolvimento de explorações sociocognitivas, afetivas e lúdicas, procedimentos de investigação, pensamento ético, criativo e crítico, resolução de problemas e interfaces com diferentes linguagens (oral, escrita, cartográfica, estética, técnica, entre outras), de modo a propiciar aos estudantes possibilidades para interpretar o mundo, compreender processo e fenômenos sociais, políticos, econômicos, culturais e ambientais e propor ações de intervenções a partir da sua realidade (SÃO PAULO, 2019, p.399)
Um ponto interessante é a presença da linguagem cartográfica como forma de
desenvolver as características dessa área de ensino. Percebemos que não existe
nenhuma menção ou relação com pautas identitárias dentro desse desenvolvimento
na área. No parágrafo seguinte afirma-se que na abordagem das disciplinas “a
diversidade humana deve ganhar especial destaque, com vista ao acolhimento da
diferença” (SÃO PAULO, 2019, p.400) então devemos nos questionar: como podemos
dar destaque a diversidade humana e acolher a diferença se dentro do
desenvolvimento do estudo não temos como centralidade as pautas identitárias?
Essa área pretende dialogar com a realidade da comunidade local, regional e global, à luz das características demográficas, naturais, temporais, políticas, econômicas, socioculturais e com os temas contemporâneos (SÃO PAULO, 2019, p.400)
Na área de Ciências Humanas, de acordo com o documento, vemos que existe
uma ideia de trabalhar com diferentes escalas dentro de diversos temas, só não fica
claro se dentro da abordagem existe uma ideia de relacionar as escalas ou se cada
uma funcionará como um aspecto único. Sobre o trabalho das diferenças Kimura
(2020) nos dá um importante alerta,
quando tomamos as etnias como o recorte para explicarmos a diferenças sociais (embora não as negando), não podemos permanecer na atitude da celebração das diferenças. Elas necessitam integrar as possibilidades de (re)construção da sociedade e da escola como espaços de solidariedade e esferas públicas democráticas. As diferenças devem integrar a base das lutas por igualdade e justiça para as esferas mais amplas da vida cotidiana (KIMURA, 2020, p.162-163).
Outro seguimento importante é a questão dos temas transversais. Esse é o
único momento do texto dedicado à educação das relações étnico-raciais e ensino de
história e cultura afro-brasileira, africana e indígena. Não se aprofunda nenhum
detalhe, pois esse segmento está dentro de uma lista de itens, que são os temas
transversais pensados na elaboração do currículo.
O trabalho com temas transversais é fundamental para que o estudante compreenda criticamente o mundo em que ele vive, propondo ações de intervenção para o desenvolvimento de uma sociedade justa, democrática, igualitária, inclusiva e sustentável (SÃO PAULO, 2019, p.401).
Esta parte nos oferece algumas pistas de como a disciplina de Geografia é
trabalhada. Percebemos que há uma perspectiva que aparentemente tenta buscar
uma relação entre a Natureza e a Sociedade, “Nos anos finais o foco dos
componentes está nas modificações da paisagem, nas relações sociais e dos seres
humanos com a natureza, em diferentes tempos” (SÃO PAULO, 2019, p.401 e 402).
Sobre os anos iniciais do Ensino Fundamental “priorizam seus estudos a partir do
lugar de vivência do estudante” (SÃO PAULO, 2019, p.400). Aqui vemos que a
categoria Lugar terá uma grande importância para os estudos dos alunos, porém tanto
o processo de construção como os pressupostos pedagógicos do Currículo Paulista
não levam em conta as diferentes geografias do Estado de São Paulo e os contextos
das escolas. Então como os estudos a partir do lugar poderiam ser priorizados se o
documento tem um caráter de homogeneização e regulação das atividades docentes?
Ainda no segmento dos conteúdos trabalhados nos anos finais do Ensino
Fundamental há o destaque para questões sobre as transformações ocorridas no
Brasil com os processos econômicos gerados pela colonização e a configuração
território — mesmo sendo uma afirmação bem geral percebemos que há um foco nas
causas econômicas e o texto deixa a entender que não existe a colonialidade na nossa
atual sociedade. Também prega o reconhecimento da diversidade de povos na
construção do Brasil — um tema que tem uma potencialidade imensurável para o
ensino decolonial, mas é necessário vermos como ele é abordado no currículo.
Sobre as competências específicas faremos o mesmo movimento de não
analisar uma por uma. Antes de começar, é importante destacar alguns pontos. O
primeiro diz respeito ao fato de que, nenhuma habilidade busca o pensamento crítico
—se lembramos no que estava escrito, algumas vezes na parte do texto, o ensino da
área de ciências humanas tem como um dos objetivos fomentar análises críticas do
mundo em que vivemos, então se espera que isso esteja presente em alguma
competência. Pensando no ensino de Geografia Kimura (2020) numa perspectiva
crítica a autora alerta
Para que abordagens geográficas estejam a serviço do desenvolvimento especulativo, elas precisam buscar uma compreensão do mundo aberta para o entendimento da realidade em sua complexidade, não se intimidando em debater contradições. Ou seja, um ensino crítico precisa articular metodologias do pensamento e conhecimentos geográficos igualmente problematizadores (KIMURA, 2020, p.158).