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Enquadramento Teórico

1. Jogar e aprender

1.2. A ação de jogar e brincar

A ludicidade manifesta-se em diversas atividades, desde complexos jogos digitais ao simples andar de baloiço. O que estas atividades têm em comum é o estado mental existenteí nos seus participantes, durante o processo lúdico, designado por Salen & Zimmerman (2004) como “being playful”.

Este estado mental traduzí-se na sensação de diversão e alegria na experiencia de abrange todas ase atividades lúdicas – nomeadamente o jogo –, mas também de situa- ções não lúdicas, como exemplo, quando se atribui uma alcunha engraçada a um amigo, o indivíduo está a ser “brincalhão” (playful), não consistindoa numa atividade lúdica (Salen & Zimmerman, 2004).

Huizinga (1949) interpreta as atividades de brincar e jogar como uma ação mais antiga que a própria cultura humana. Esta afirmação parte da observação deste compor- tamento dos animais ao brincarem entre si, como por os cães quando lutam sem se ferirem, de forma natural, sem qualquer ensinamento do ser humano (Huizinga, 1949). Desta forma, a civilização humana em nada acrescentou à essência do que é este comportamento.

Antes de Huizinga, várias abordagens definem o jogar como uma descarga de energia, uma necessidade de relaxamento do trabalho e quotidiano ou uma satisfação do instinto de imitação, observável nas crianças ao imitarem comportamentos adultos quando brincam. Apesar destas definições revelarem um propósito e uma razão para o jogar, para o autor estas não exploram a intensidade e a absorção que a ação de jogar suscita no ser humano.

Enquadramento Teórico

28 Huizinga (1949, p.13) define assim o jogo como:

“Uma atividade livre, fora do quotidiano, e tida como não séria. Ao mesmo tempo, esta absorve o jogador intensa e totalmente. Não está relacionada com interesses materiais, e não existe nenhum lucro a retirar da mesma. Tem as suas próprias limitações de tempo e espaço, consoante as regras dessa manifestação.” 1

(tradução da autora) A partir desta definição compreende-se o efeito que a ação de jogar tem sobre o parti- cipante, ao absorve-lo no processo lúdico durante a atividade e permitindo-lhe vivenciar uma experiência intensa.

A experiência de jogar é uma atividade livre (Huizinga, 1949; Caillois, 2006) e voluntária (Suits, 1978), onde os participantes têm a escolha de a realizar. Se o parti- cipante jogar por ordem de alguém, ele perde a sua liberdade e deixa de estar a jogar, podendo no máximo ser considerado uma imitação dessa atividade (Huizinga, 1949). Esta experiência ocorre ainda de forma extraordinária, isto é não é real, no sentido em que é uma atividade temporária, como um “intervalo” daquilo que é o ordinário no quotidiano dos participantes (Huizinga, 1949). Jogar pode considerar-se uma relaxação, que acaba por se tornar uma parte integral da vida do ser Humano, amplificando a mesma e convertendo-se numa necessidade para os indivíduos – quer enquanto função individual como social (Huizinga, 1949).

Caillois (2006) defende que a atividade extraordinária de jogar é uma consciência de uma segunda realidade ou irrealidade, em oposição à vida real – que define como

make believe. Esta noção de irrealidade pode conduzir à suposição que, durante a ação de jogar,

o indivíduo é afastado daquilo que é a vida real. Mas, apesar de ser uma quebra no quoti- diano, existe na ação de jogar uma aproximação ao real, quer seja pela imitação ou pela metáfora deste. Crawford (2003, p. 29 e 30) define “jogar como uma metáfora do mundo”, enquanto ação que representa algo do universo não jogável. Esta mesmo que não seja uma imitação, contém sempre associações mentais a factos do mundo real Crawford (2003).

Como exemplo, o autor dá o jogo Space Invaders (Figura 8), que consiste numa luta intergaláctica. Este jogo em nada pode simular a vida real, dado o ser humano nunca ter combatido no espaço, nem saber se existe vida para além da já conhecida. Contudo, o autor considera este jogo como uma metáfora às frustrações individuais na sociedade, no sentido em que lutamos contra as regras sociais e institucionais que aumentam consoante crescemos – como os aliens no jogo que vão avançado mais rápido, dificultando o combate.

Outro exemplo apresentado por Crawford é o jogo PacMan (Figura 9) que captura a natureza frenética do quotidiano. O objetivo do jogo é colecionar (“comer”) os pontos enquanto se foge dos vilões que querem “matar”. É uma metáfora das tarefas diárias dos indivíduos que tem de se concluídas ao mesmo tempo que existem fatores exteriores – os vilões – que dificultam a sua conclusão.

1. “Summing up the formal characteristics of play we might call it a free activity standing quite consciously outside “ordinary” life as being “not serious”, but at the same time absorbing the player intensely and utterly. ) t is an activity connected with no material interest, and no pro t can be gained by it. It proceeds within its own proper boundaries of time and space according to fixed rules and in an orderly manner. (…)” (Huizinga, 1949, p. 13)

Figura 8. Space Invaders, Tomohiro Nishikado

Jogar e Aprender

29 A atividade de jogar ao ser uma metáfora

do real que funciona como uma segunda reali- dade, é uma atividade segura (Crawford, 2003). Qualquer atividade lúdica, nomeadamente os jogos, devem proporcionar aos partici- pantes uma experiência – metafórica ou imitante – sem os riscos que essa experiência acataria se fosse real (Crawford, 2003). Como é visível num jogo de guerra (Figura 10) os participantes vivenciam a sensação de combate, mas nunca poderão sair magoados dessa experiência.

A noção de afastamento do real e de segurança de jogar explica a definição de Huizinga de jogar como uma atividade não séria. Contudo, esta consideração não representa uma falta de seriedade da atividade no sentido de não ser respeitada, pois é visível em ativi- dades lúdicas como o xadrez ou futebol, uma profunda seriedade na sua execução por parte dos seus participantes (Huizinga, 1949).

Este afastamento do real conduz ao facto de jogar ser um comportamento limitado (Huizinga, 1949) ou separado (Caillois, 2006). Apesar de a explicação dos autores não ser igual, ambas consistem em que este comportamento tem um limite de espaço, fora do real, e também um limite de tempo. Existe sempre uma duração, que segundo Caillois é definida e fixada atempadamente.Apesar de ser uma atividade livre, a ação de jogar é caracterizada pela sua regulamentação (Huizinga, 1949; Caillois, 2006; Suits, 1978). Toda a atividade de jogar é regulada por regras que são estabelecidas e aceitadas pelos seus participantes, e onde existe um objetivo. Huizinga (1949) aborda a questão de a ativi- dade ter um objetivo ao assumir que as definições de jogar existentes apresentam um propó- sito para jogar. Também Suits se refere a jogar como um envolvimento numa atividade que diretamente nos leva para um estado específico, ou seja para um objetivo concreto.

Por fim, Suits (1978, p.34) sintetiza a atividade de jogar como “um esforço voluntário para ultrapassar obstáculos desnecessários”. Esta definição traduz a extensa definição daquilo que é jogar, ou seja um esforço dos participantes que é sua vontade própria, em ultrapassar obstáculos para atingir um determinado objetivo. Obstáculos que são desnecessários porque o participante é livre e só os procura ultrapassar pela experiência que jogar representa.