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A ação do Estado no processo de acumulação dos anos 1930

3. FORMAÇÃO DO ESTADO E MOVIMENTO SINDICAL NO BRASIL

3.1 A ação do Estado no processo de acumulação dos anos 1930

A presença de poderes locais fortes, representados pelas respectivas aristocracias fundiárias e a debilidade da burguesia nacional brasileira, foram fatores impeditivos ao processo de formatação do Estado nos moldes observados nos países centrais. Após os anos 1930, o Estado atua como mecanismo institucional viabilizador do processo de acumulação. A limitada esfera da circulação e a ausência de uma hegemonia do capital tornam necessária a ação do Estado no processo de acumulação de capital necessária. A hegemonia do capital

só consegue se tornar concreta quando as condições internas no âmbito de cada espaço se tornam permeáveis ao domínio de suas forças mais representativas. Daí a essencialidade do papel do Estado como veículo que possibilita a utilização legal de instrumentos – como a coerção extra- econômica – voltados para a criação de um exército de trabalhadores livres, à disposição do capital, ou a destruição de formas anteriores de organização da produção. O Estado exerce papel fundamental na abertura de condições para a liberdade de exploração e ruptura com entraves estruturais, das quais resulta a criação de condições necessárias ao domínio das forças do capital. (Oliveira, 2004, p. 269).

O Brasil, ao final dos anos 1920, sofrerá intensas mudanças em razão das modificações provocadas pela decadência do agronegócio do café. Crescem as dissidências entre as oligarquias regionais, uma juventude militar passa a questionar alguns pressupostos do regime republicano emergente e aparece uma contradição explícita ao capital, o proletariado urbano industrial. A crise internacional e os conflitos sociais que eclodiram desde o final do século XIX, deflagram o início da transição da acumulação baseada na economia mercantil-exportadora para uma acumulação baseada na geração de valor dentro dos espaços fabris.

De fato, as restrições impostas pela débâcle internacional, notadamente quanto ao estrangulamento externo e à falta de mercadoria, seriam significativas para a expansão

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do setor de bens de consumo e de capital. A própria política de proteção do café vai começar a encontrar dificuldades, justamente pela queda significativa na demanda internacional do café. Junto a isso, no plano internacional, do fim da Primeira Guerra Mundial até os anos 1935, reabre-se a problemática dos limites de um modelo institucional e sua incapacidade de regular as diferenças entre os mais diversos interesses socioeconômicos. O liberalismo que emoldurara grande parte do século XIX se esvaía na mesma medida em que se concentravam os capitais e se intensificava o poder dos monopólios. Contra a aliança entre importadores e exportadores de produtos agrícolas, fixa-se uma diretriz protecionista, avessa ao liberalismo. As classes dominantes dividem-se entre facções liberais e aquelas mais próximas à defesa da intervenção do Estado na sociedade civil. Mas com o acirramento das posições das classes trabalhadoras, tem início uma aproximação entre liberais e intervencionistas, que tinham tido, até então, posições divergentes.

Para desenvolver o capital, seria preciso realizar mudanças sociais, fundamentais ao processo de desenvolvimento do capitalismo. A “plena maquinização do processo produtivo era uma exigência absoluta do momento de surgimento entre nós do capital industrial. Ou seja, o capital industrial no Brasil tinha de se curvar diante de um século de desenvolvimento do capitalismo.” (Antunes, 1976, p. 50).

O deslocamento do eixo hegemônico e do excedente comercial da economia agrário- exportadora para a economia industrial será acompanhado da retenção interna da mais- valia. Estavam dadas as condições para o capital desenvolver-se em uma estrutura de mercado monopolista. Subsídios, financiamento público, legislação trabalhista, investimento em infraestrutura, confisco cambial, subsídio cambial para importação de equipamento e a distribuição dos ganhos entre os grupos, são provas da ampliação das funções do Estado. A aplicação interna dos excedentes buscava viabilizar o aumento na taxa de lucro e criar um mercado interno que desse sustentação ao processo de acumulação do capital nacional (Ianni, 2004). Estava clara a ideia de que para levar a cabo o processo de desenvolvimento industrial numa nação periférica, subdesenvolvida ou de base colonial, era preciso romper ou reestruturar suas relações com os centros dominantes ou com as ex-metrópoles. A revolução de 1930, contudo, não consegue romper com a estrutura econômica e social determinada externamente.Mesmo com as

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crises, não havia grandes incentivos para diversificação da produção agrícola e para aceleração da industrialização.

A ideia do governo era estimular o desenvolvimento industrial, embora estivesse limitado pela capacidade de financiamento e por divergências ideológicas no seio das classes dominantes. O debate entre um desenvolvimento espontâneo e outro estimulado, expresso nas figuras de Roberto Simonsen e Eugenio Gudin, respectivamente, não iria se esgotar. As ações do governo demonstravam a fraqueza das posições mais alinhadas com a intervenção estatal. A intervenção no domínio econômico só seria legítima, no entanto, para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção. O objetivo deveria ser evitar ou resolver os conflitos e introduzir no jogo das competições individuais, os interesses da Nação, representados pelo Estado. (Ianni, 2004).

O processo de transformação do Estado num poderoso centro de decisão é levado a cabo com a reformulação do seu quadro institucional. A centralidade do Estado na condução do desenvolvimento implica a sua reconfiguração, agindo como mecanismo importante na diversificação das forças produtivas. O Estado torna-se o eixo dinâmico tanto do processo de desenvolvimento do capital como do apaziguamento das contradições que subjaziam à própria constituição do capital na sua fase industrial. Tudo deve passar pelo Estado: a solução de crises sociais, a construção de um desenvolvimento equilibrado, o combate às secas, a proteção do seringueiro, a proteção alfandegária, as reformas educacionais, a garantia de uma distribuição ótima dos recursos produtivos (ineficiente em tempos de livre concorrência), a coordenação das reservas de mão de obra, de capital e técnica. O Estado, segundoIanni (2004), amplia suas dimensões, mediando as relações entre as classes sociais, mas também organizando o sistema segundo os interesses das classes dominantes.

Uma revolução pelo alto era operada na tentativa de inserir o País na nova dinâmica global, sem afetar radicalmente os interesses dominantes envolvidos. A constituição do Bloco Operário-Camponês, proposta pelo Partido Comunista, agregava setores da classe trabalhadora, viabilizando a participação no processo de transição, embora não tendo o peso e o protagonismo esperado. Em que pesem as divergências quanto ao modelo a ser

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colocado em prática para (re)organização social (centralizado ou descentralizado, agroexportador ou industrial), o pacto de classes integrou interesses do agronegócio (garantindo certa entrada de divisas) e das manufaturas. A burguesia industrial, sem controle hegemônico, fez concessões à burguesia agrária e financeira.