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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.3. A Ação Sócio-Caritativa da Igreja em Portugal

Figura 2.5. - Localização da Secção (c)

Incidindo a presente investigação sobre as instituições sociais cuja base é a fé da Igreja Católica, importa explorar com algum detalhe os pilares identitários e doutrinários que lhes servem de suporte, tendo não só em conta o seu enquadramento numa ótica pastoral mas também a explicitação do seu posicionamento relativamente à visão exposta por James (2009).

A Doutrina Social da Igreja tem a sua expressão numa ação pastoral consubstanciada em "três atividades eclesiais" (Szentmártoni, 2000: 16): a Pastoral Profética - ações da Igreja ligadas ao anúncio e ao ensino da Palavra de Deus nas suas diversas formas aos diferentes setores das comunidades, visando a comunicação e a manutenção da fé; a Pastoral Litúrgica - ações eclesiais (celebração e oração) conexas ao exercício do culto por meio de uma participação consciente, ativa, plena e frutuosa dos fiéis; e a Pastoral Sócio-Caritativa - ações da Igreja no exercício completo da Caridade, que compreende tanto o aspeto da moral evangélica como o da organização de um governo na vida eclesial, materializando-se no serviço aos outros e na gratuidade total.

A Doutrina Social da Igreja é parte integrante do ministério de evangelização da Igreja, daquilo que diz respeito à comunidade dos homens - situações e problemas referentes à justiça, à libertação, ao desenvolvimento, às relações entre os povos, à paz (EN 12 29), propondo as suas consequências diretas na vida da sociedade e enquadrando

o trabalho diário e as lutas pela justiça no testemunho de Cristo (CA 5). Os princípios permanentes da Doutrina Social da Igreja constituem os verdadeiros e próprios eixos do ensinamento social católico: o princípio da dignidade da pessoa humana, assente no pleno reconhecimento da dignidade de cada homem, criado à imagem de Deus; o do bem comum, entendido como a dimensão social e comunitária do bem moral; o da subsidiariedade, segundo o qual as instâncias de ordem superior devem pôr-se em atitude de ajuda - subsidium - de apoio, promoção e incremento em relação às menores; e o princípio da solidariedade, que releva a intrínseca sociabilidade da pessoa humana, a igualdade de todos em dignidade e direitos e o caminho comum dos homens e dos povos para uma unidade cada vez mais convicta. Estes princípios decorrem do encontro da mensagem evangélica e das suas exigências com os problemas que emanam da vida da sociedade (LC 13 72).

A Ação Social da Igreja surge como manifestação viva e concreta de uma Igreja consciente da sua missão evangelizadora das realidades sociais, económicas, culturais e políticas do mundo, inspirando-se no princípio fundamental da centralidade do homem (CA 54) e visando promover a consciência do bem de todos e de cada um como recurso inexaurível para o progresso de toda a vida social. Trata-se de uma intervenção cuja amplitude atingia em 2009, segundo dados da Universidade Católica, "mais de meio milhão de pessoas em situação de carência"14 e desenvolvida por meio de "vastíssimas iniciativas de índole caritativa, sendo exemplos disso as Santas Casas da Misericórdia e os Centros Sociais Paroquiais, bem como o rico e diversificado contributo dado pelas Paróquias. Tal contributo vem sendo exercido não só através de instituições e movimentos específicos, mas também por irmandades, confrarias e outras formas organizativas, sem esquecer as ações pontuais e informais" (Fonseca, 2011: 14).

À semelhança do que se passa com a generalidade das estruturas da Igreja Católica em Portugal, pode dizer-se que a organização da sua ação social ou sócio- caritativa - "expressão consagrada nos próprios meios da Igreja" (Antunes, 1983: 1151) - assenta no princípio da territorialidade, desenvolvendo-se ao nível das Dioceses e das Paróquias. Antunes (1983: 1151) destaca que "praticamente todos os elementos organizativos de base territorial" da Igreja "dinamizam ou promovem ações deste tipo",

13 LC - Instrução Libertatis Conscientia, Congregação para a Doutrina da Fé (1987)

______________________________________________________________________ tendo-se verificado, ao longo do tempo, devido ao aparecimento de novos casos sociais decorrentes da evolução da sociedade e dos problemas associados à conjuntura ou à estrutura social de cada meio, o surgimento de novas modalidades de resposta que fazem da Igreja uma das únicas organizações capazes de intervir junto de determinadas categorias sociais especialmente marginalizadas na sociedade portuguesa.

"A Ação Sócio-Caritativa da Igreja inclui formas tão variadas como, por exemplo, a prestação de cuidados de saúde, modalidades de assistência social direta, de previdência social, de construção de habitações, de dinamização ou promoção social e cultural e até, em alguns casos, ações tendentes ao desenvolvimento socioeconómico em regiões restritas" (Antunes, 1983: 1152).

Joaquim (2009: 223) releva, no entanto, a existência de alguns problemas genéricos que caracterizam os modelos de funcionamento das instituições sociais da Igreja, alertando para a ausência de projetos organizacionais, para a pouca valorização atribuída às dimensões de planeamento e avaliação, para a existência de "fracos níveis de participação e de compromisso" ao nível das estruturas internas, para o baixo envolvimento da comunidade "enquanto agente ativo e participante na discussão dos problemas e na procura de respostas adequadas aos mesmos", para o reduzido índice de inovação nas respostas e serviços prestados, para a estruturação segundo modelos de "cariz monocrático" baseados na baixa rotatividade dos responsáveis, e para a existência de "uma relação ambígua com o Estado" potenciadora de uma crescente dependência financeira.

Estas lacunas são espelho de uma notória dificuldade que, segundo Fonseca (2011), tem, ao longo do tempo, sobressaído e acompanhado a prática organizada do trabalho sócio-caritativo da Igreja: "a persistência, por falta de condições políticas, sociais e eclesiais, duma ação marcadamente assistencial" (Fonseca, 2011: 135) que impede que o rejuvenescimento e o desenvolvimento atinjam este setor pastoral. A par deste facto, subsiste um certo "maniqueísmo sociopolítico e religioso, a estratificação hierárquica, o clericalismo e o anticlericalismo, bem como o tradicional relacionamento problemático entre as instituições estatais e eclesiais" (Fonseca, 2011: 136), constrangimentos que obrigam a uma profunda reflexão não só no plano das orientações

pastorais mas também ao nível organizativo e estratégico, procurando definir em que medida podem as instituições sociais da Igreja em Portugal potenciar o desempenho da sua missão a partir daquele que é, nos dias de hoje, o seu contexto.