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A ABORDAGEM DOS AGROTÓXICOS COMO CONTROVÉRSIA

2 CONTROVÉRSIAS SOCIOCIENTÍFICAS E PROMOÇÃO DO

2.3 A ABORDAGEM DOS AGROTÓXICOS COMO CONTROVÉRSIA

A sociedade humana é altamente dependente da ciência e da tecnologia para realizar atividades das mais simples às mais complexas, ao mesmo tempo em que se depara com impactos e consequências negativas do uso de ferramentas e produtos da ciência, sobretudo nos âmbitos social e ambiental.

Diante dessa realidade paradoxal, compreender a natureza da ciência e o fazer científico é crucial para a superação dessa visão dicotômica e para que a tomada de decisões pessoais e coletivas conduzam ao uso adequado e responsável dos conhecimentos científicos.

Controvérsias sociocientíficas (CSC) são também denominadas por muitos, como enumeram Krupczak e Aires (2019, p. 279), de “‘questões sociocientíficas’, ‘temas controversos’, ‘assuntos controversos’ e ‘aspectos sociocientíficos’”.

Para as autoras, o que explica as diferenças terminológicas são as “diversas traduções do termo ‘socioscientific issues’ e a diferentes entendimentos do tema”. Neste estudo acredita-se que o termo controvérsias sociocientíficas pode ser considerado mais adequado para expressar a carga polêmica, ética e moral que carrega.

Nesse sentido, considera-se a definição proposta por Conrado e Nunes-Neto (2018, p. 87) uma primeira aproximação do conceito de CSC:

[...] problemas ou situações geralmente complexos e controversos, que podem ser utilizados em uma educação cientifica contextualizadora, por permitir uma abordagem de conteúdos inter ou multidisciplinares, sendo os conhecimentos científicos fundamentais para a compreensão e a busca de soluções para estes problemas.

Aprofundando esse conceito, Pérez (2012, p. 32) defende que a abordagem CTS, especialmente desenvolvida com temáticas de controvérsias sociocientíficas, ou abordagem problemática, é uma maneira de:

[...] problematizar a visão cientificista e instrumental da ciência e da tecnologia, resgatando-lhe as implicações sociais, políticas, culturais, éticas e ambientais como aspectos relevantes para entender o empreendimento científico como processo histórico e humano, mediado por diversos interesses, ideologias e pontos de vista em disputa.

[...] ensinar Ciências no contexto contemporâneo deve ir além da mera apresentação de teorias, leis e conceitos científicos, implicando a reflexão sobre o que os estudantes entendem por ciência e tecnologia na sociedade em que vivem.

As CSC podem estar relacionadas a situações veiculadas nos meios de comunicação que ocorrem em âmbito mundial, como aquecimento global, mudanças climáticas, clonagem de seres vivos, produtos agrícolas transgênicos, e muitos outros. Ou ainda podem ser questões de âmbito regional ou local que de algum modo estejam interferindo na vida das pessoas de uma determinada comunidade como, por exemplo, a poluição de um rio que abastece uma cidade, o mau cheiro de um depósito de lixo inadequado, a falta de saneamento básico num determinado bairro.

Sem negligenciar os aspectos filosóficos, epistemológicos e éticos que possivelmente envolvem uma CSC, nem critérios de escolha da temática a ser abordada em sala de aula, “a aprendizagem de ciências para a formação de cidadãos mais autônomos e participativos deve considerar não apenas o conhecimento científico, mas também conhecimentos prévios e valores socioculturais do entorno do sujeito” (CONRADO; NUNES-NETO, 2018, p. 89).

Além disso, a proposição de discussão de CSC como estratégia de aprendizagem reflete “de forma explícita ou implícita, concepções sobre a natureza do conhecimento, a importância da autonomia intelectual e da colaboração social, bem como valores políticos relacionados com a construção de uma sociedade democrática” (GALVÃO; REIS; FREIRE, 2011, p. 505).

Krupczak e Aires (2019, p. 280) ao analisarem a produção acadêmica sobre o tema, argumentam que as CSC “são naturalmente interdisciplinares, podendo ser estudadas em diversas disciplinas. A aprendizagem dos conteúdos é facilitada porque a curiosidade e o interesse são estimulados, uma vez que as CSC fazem parte da vida dos alunos”.

Muitas pesquisas têm mostrado que a abordagem CTS e o trabalho com CSC se destacam como propostas inovadoras e favorecem uma formação mais abrangente e crítica na escola básica, em especial para o ensino de Ciências em geral e o de Química, que é área de interesse particular neste estudo.

A preocupação com o trato do tema dos agrotóxicos, por exemplo, não é tão recente. Mesmo não se tendo ainda o conceito formado de CSC, Cavalcanti et al. (2010) descrevem uma abordagem didática do tema para o estudo de conceitos químicos diversos, inclusive o de soluções químicas, pH, ligações químicas, compostos orgânicos, além da reflexão sobre controvérsias que o tema abarca.

Em pesquisas sobre a utilização da temática dos agrotóxicos com a abordagem CTS, Buffolo e Rodrigues (2015) evidenciaram a possibilidade de

articulação entre os conhecimentos químicos e as situações do contexto social dos estudantes. Essa articulação favoreceu a aprendizagem com o uso de um modelo de Sequência Didática nos moldes propostos por Zabala (1998).

Andrade (2018) pesquisou a eficácia de uma sequência didática de química nos moldes dos 3MP, tendo os agrotóxicos como tema para a prática reflexiva das atividades pedagógicas em química, analisando os dados obtidos por meio de questionários, áudios e produções textuais dos alunos envolvidos por meio da técnica ATD (análise textual discursiva). Conseguiu identificar a apropriação de conceitos químicos e percepções dos alunos sobre a temática dentro das relações CTS.

Moreira, Aires e Lorenzetti (2017, p. 204) defendem o conceito de Química Verde (QV) como proposta para a abordagem CTS e explicam que proporcionar aulas com o trato de questões sociais e ambientais como as relacionadas a esse tema, os estudantes podem “desenvolver a criticidade, formando um pensamento criterioso e ao mesmo tempo cuidadoso em relação à ciência e seus impactos no ambiente e seres vivos, bem como, desenvolvem o poder de argumentação e de tomar decisões”. Nessa perspectiva, os conceitos que QV também se encaixam perfeitamente no conceito de CSC.

Diante de exemplos promissores e da importância do tema, neste contexto de pesquisas sob abordagem CTS e na trajetória do estudo desenvolvido, utilizou-se a temática dos agrotóxicos como CSC.

Esse tema foi o pano de fundo de uma Sequência Didática (SD) como possível facilitadora e propulsora do ASCE no Ensino Médio propondo, ao mesmo tempo, o conteúdo específico de Soluções para a aprendizagem de conhecimentos e conceitos da Química.

2.4 ATIVISMO DE ESTUDANTES E EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA –