• Nenhum resultado encontrado

A Acessibilidade

No momento em que, internacionalmente, se estabelece a defesa da in- clusão social como uma questão de direitos humanos, a discussão sobre acessibilidade torna-se presente em várias áreas do conhecimento. Neste capítulo, serão abordados conceitos de Ergonomia e Arquitetura e as polí- ticas públicas brasileiras de acessibilidade física, de forma a contextuali- zar a importância do meio construído como facilitador ou inibidor do pro- cesso de inclusão de pessoas com deficiência ou que apresentam perda de mobilidade.

Denominada por PANERO e ZELNICK (1984) como Engenharia Humana, a Ergonomia não é uma simples disciplina científica mas, uma síntese interdisciplinar que estuda as relações das pessoas e seus entor- nos, uma ciência que parte do conhecimento do homem para projetar, ocupando-se em ajustar o projeto às capacidades e limitações humanas.

Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e seu trabalho, equi- pamento e ambiente, e particularmente a aplicação dos conhecimentos de ana- tomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas surgidos deste relacio- namento.

Ergonomic Research Society

A Ergonomia teve sua origem na relação homem-máquina e vem se expandindo no sentido de não restringir-se aos produtos industriais, intervindo no setor de serviços e nas atividades do cotidiano. É conside- rando as atividades e a variabilidade das necessidades humanas, que a

xxxiii

Ergonomia assume um papel fundamental na projeção de produtos e am- bientes que possibilitem o acesso das pessoas portadoras de deficiência. Para IIDA (1990), o deficiente físico não pode ser considerado pelo ergonomista apenas como uma pessoa normal da qual se subtraiu algu- ma habilidade. Para o autor, o primeiro registro ergonômico de preocupa- ção com a acessibilidade ambiental para deficientes foi a contribuição do professor dinamarquês Asmussen que, em 1950, fundou um instituto de reabilitação para atender as vítimas da poliomielite e que, paralelamente, desenvolvia produtos especiais para uso nas atividades de vida diária (como cadeiras de rodas e utensílios domésticos) e ambientes acessíveis, como elevadores e prédios especialmente projetados. Estes projetos es- peciais, na década de oitenta, tornaram-se um importante elemento do discurso integrador proposto pela Arquitetura.

A Arquitetura, ciência que busca integrar homem e ambiente, tor- nou-se uma referência como meio facilitador da integração social, traba- lhando conceitos que objetivam a construção de projetos acessíveis. Na década de noventa, o chamado barrier-free design, o ato de projetar livre de barreiras foi o conceito aplicado para que o espaço edificado proporci- onasse diferentes níveis de adaptação por elementos que pudessem su- prir a defasagem entre o padrão normal e a real condição física ou habili- dade do usuário. Para GUIMARÃES (1991), o projeto livre de barreiras amplia o desafio do desenho como instrumento físico e simbólico da qua- lidade de vida, tendendo a modificar o enfoque dado à qualidade ambien- tal pelo uso de equipamentos, edifícios e áreas urbanas e justifica: “De necessidades específicas de indivíduos que estão fora da distribuição normal da população, a ênfase se justifica em benefícios gerais no con- texto social.”

Um exemplo deste movimento pela acessibilidade no meio constru- ído foi o Prêmio Nacional de Design, Pesquisa e Adequação do Mobiliário Urbano à Pessoa Portadora de Deficiência, promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, realizado em Belo Horizonte em 1991. O projeto ven-

xxxiv

cedor na categoria mobiliário urbano, ilustrado na figura 1, foi um parque infantil totalmente acessível a usuários de cadeira de rodas, desenhado sob a coordenação de Ana Maria Mosquera Perez.

Figura 1. Projeto do Parque Infantil Acessível

A integração parcial proporcionada pela eliminação de barreiras resultou na criação de ambientes, produtos e serviços especiais, adequa- dos às condições de anormalidade. A criação destes meios menos restri- tivos, apesar de proporcionar o acesso, acabaram por estabelecer limites para a reinserção social das pessoas portadoras de deficiência, o que se evidencia quando examinamos o conceito de acessibilidade do Decreto n° 3.298/1999:

A acessibilidade é colocada como a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipa- mentos urbanos, das instalações e equipamentos esportivos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com perda de mobilidade.

xxxv

É interessante observar que o conceito explicita o caráter normali- zador do Paradigma de Serviços. Considerando a deficiência apenas co- mo uma anormalidade biológica, limita o acesso ao alcance para a utiliza- ção, o que não garante à pessoa portadora de deficiência as opções de acesso a um espaço ou serviço e portanto, contraditoriamente, limita sua autonomia.

No final da década de noventa, na transição para o Paradigma de Suporte no qual se preconiza que a pessoa com deficiência tenha o direi- to de acesso imediato e contínuo aos recursos disponíveis aos demais cidadãos, evidenciam-se os limites do desenho acessível proposto pelo projeto livre de barreiras. Surge então um novo conceito, o de Desenho Universal. Para DINIZ (2003), o desenho universal não é uma tecnologia direcionada apenas aos que dela necessitam, constitui-se em algo dese- nhado para todos. Também chamado de desenho Inclusivo, considera a macro e a micro-acessibilidade, valorizando as possibilidades espaciais, de comunicação e de transporte, sem desconsiderar o espaço pessoal. É a partir da filosofia da inclusão, que o desenho passa a atender à diversi- dade, o que significa projetar para todos.

No século XXI, a deficiência passa a ser considerada parte da di- versidade humana e tem no meio social seu determinante. Entendendo a mobilidade como um direito humano, o desenho universal passa a ser objeto de estudo e reivindicação, como uma possibilidade tangível de in- clusão social. A necessidade de ajustes sociais como garantia de cidada- nia pode ser visualizada na evolução das políticas públicas, esquematiza- das no quadro 2.

xxxvi

Quadro 2. As políticas públicas relativas à acessibilidade

A Constituição Federal de 1988 é o primeiro documento oficial a tratar da acessibilidade no Brasil, prevendo a disposição legal sobre nor- mas de construção de logradouros e dos edifícios de uso público, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência (PPDs). A normatização aconteceu um ano mais tarde, pela Lei n° 7.853/1989 que instituiu as normas gerais para assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e a efetiva integração social das PPDs. A lei recomenda a adoção e a execução de normas que garantam a funcionalidade das edifi- cações e vias públicas, que evitem ou removam os obstáculos e permitam o acesso, e determina a inclusão de questões relativas à deficiência no Censo Demográfico de 1990.

As normas previstas, foram estabelecidas pela Associação Brasilei- ra de Normas e Técnicas (ABNT) na NBR 9050/1994, que fixa os padrões e critérios para propiciar às PPDs condições adequadas e seguras de

xxxvii

acessibilidade autônoma a edificações de uso público e multifamiliar, es- paço, mobiliário e equipamentos urbanos. Este documento traz algumas definições importantes:

Acessibilidade – Possibilidade e condição de alcance para a utilização, com se- gurança e autonomia, de edificações, espaço, mobiliário e equipamentos urba- nos.

Barreira arquitetônica ambiental – Impedimento da acessibilidade, natural ou re- sultante de implantações arquitetônicas ou urbanísticas.

Desenho Universal – Aquele que visa atender a maior gama de variações possí- veis das características antropométricas e sensoriais da população.

NBR 9050/1994, p.02

A NBR 9050, toma força de lei quando incorporada à legislação municipal. Durante a década de noventa, este recurso foi utilizado no Pro- jeto Cidade Para Todos, um programa desenvolvido pelo Governo Federal em parceria com os governos municipais visando combater as barreiras arquitetônicas e ambientais, o que beneficiou cinqüenta municípios brasi- leiros, entre os quais Porto Alegre no Rio Grande do Sul.

O Decreto n° 3.298/1999 regulamenta a lei anterior e tem como di- retriz estabelecer mecanismos de aceleração e favorecimento de inclusão social através do desenho universal. Um dos objetivos é o de garantir o acesso, o ingresso e a permanência em todos os serviços oferecidos à comunidade, mediante a eliminação de barreiras arquitetônicas e obstácu- los, bem como evitando a construção de novas barreiras.

No ano de 2000, a Lei n° 10.098 propõe normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade e passa a considerar, além das PPDs, as pessoas com mobilidade reduzida. Além disso, estabelece critérios mínimos de acessibilidade na construção, ampliação e reforma de prédios de uso coletivo e prevê a dotação orçamentária da administra- ção pública federal para as adaptações, eliminações e supressões das barreiras arquitetônicas existentes.

xxxviii

I – nas áreas externas ou internas da edificação, destinadas a garagem e a esta- cionamento de uso público, serão reservadas vagas próximas dos acessos de circulação de pedestre, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de locomoção permanente; II – pelo menos um dos acessos ao interior da edificação deverá estar livre de barreiras arquitetônicas e de obstáculos que impeçam ou dificultem a acessibili- dade da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;

III – pelo menos um dos itinerários que comuniquem horizontal e verticalmente todas as dependências e serviços do edifício, entre si e o exterior, deverá cum- prir os requisitos de acessibilidade que trata desta Lei;

IV – os edifícios deverão dispor, pelo menos, de um banheiro acessível, distribu- indo-se seus equipamentos e acessórios de modo que possam ser utilizados por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Lei n° 10.098/2000

O processo de regulamentação da Lei n° 10.098 iniciou com con- sulta pública, realizada entre dezembro de 2003 e março de 2004, e se encontra em processo de redação final, paralelamente à revisão da NBR 9050/1994. Ao mesmo tempo, tramita no Senado Federal, o projeto de Lei n° 429/2003, entitulado Estatuto da Pessoa com Deficiência: A Natureza Respeita as Diferenças - Acessibilidade Universal é Direito de Todos. Ne- le, o conceito de acessibilidade é ampliado, entendido como um conjunto de alternativas de acesso com autonomia, o que evidencia a necessidade de um desenho do espaço construído que possibilite ao usuário opções de acesso aos espaços e serviços de uso coletivo.

É neste sentido, que o governo federal desenvolve o Programa Na- cional de Acessibilidade, previsto no orçamento pluri-anual 2004/2007, destinado a adequação ambiental, à capacitação e especialização de téc- nicos e agentes sociais em acessibilidade, à edição e distribuição de do- cumentos, ao financiamento de estudos, pesquisas e eventos e à publici- dade de utilidade pública. Assim, o Brasil busca nas políticas públicas de acessibilidade, um meio de inclusão social, o que significa uma melhor

xxxix

qualidade de vida garantida para, além dos 24,5 milhões de cidadãos bra- sileiros portadores de deficiência, toda a sociedade que será beneficiada por um espaço construído pensado para todos.

xl

Documentos relacionados