• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III – Uma proposta de Indicadores de Análise: o caso do Brasil

3.2. A Política Externa Brasileira 1.Principais Características

3.2.3. A actuação do Brasil na sociedade internacional

O Brasil na sociedade internacional assume-se como um líder e representante, não só da sua região mas do Sul e conduz-se de acordo com esta posição. Das características que se evidenciam na acção do Brasil no palco internacional a cordialidade nas suas relações e a cooperação são os dois fatores mais vincados da sua conduta.

Tradicionalmente a política externa apresenta duas linhas de pensamento que servem de referência para a atuação do Brasil na sociedade internacional: a enfatização das relações com os Estados Unidos da América e Brasil país em desenvolvimento.

Segundo Flemes o Brasil, na sua posição de potência média - defende que o Brasil não tem recursos suficientes para ser uma grande potência qualquer que seja a nova ordem global vigente - apresenta certas tendências na sua atuação a nível internacional. Os pontos a que se refere indicam que o Brasil aposta em estratégias de soft balancing, consideradas pelo autor como as mais promissoras para impactar na hierarquia internacional dos Estados e restringir o poder das grandes potências atualmente estabelecidas. Considera que a actuação do Brasil na sociedade internacional se pauta por a) procura de soluções multilaterais para problemas internacionais; b) tendência para adotar posições de compromisso em disputas internacionais; c) adoção de noções de “boa cidadania internacional” para guiar a diplomacia.

A ordem das grandes potências é teoria reforçada pela atual supremacia de poderes estabelecidos que lutam para manter posições não só entre pares mas pelos poderes que vão surgindo como potenciais competidores no sistema internacional. Há fortes elementos de uma ordem de potências intermediárias, como o Brasil, em

156

CERVO, Amado Luiz, “ Paradigmas da Política Externa: Liberal- Conservador , desenvolvimentista, neoliberal e logístico” in Inserção Internacional: formação de conceitos brasileiros, São Paulo Saraiva, 2ª edição, 4ª tiragem , ISBN 978850206570, 2011.

ascensão.

É no impacto produzido nas instituições globais que está o futuro do exercício de poder pelas potências. Este reflete-se na ordem internacional, estruturada cada vez mais no multilateralismo de relações e crescente institucionalização das mesmas. Dentro desta nova lógica o autor destaca que o Brasil desempenha um papel-chave numa multiplicidade de instituições globais e que, para a realização desse objectivo, a diplomacia brasileira é activa e inovadora no desenvolvimento de novos processos cooperativos (por exemplo, o fórum IBAS). Implementa uma estratégia de “latente multi- institucionalização“, fazendo parte de várias instituições com baixo nível de institucionalização – forte apego á soberania por parte do Brasil que também procura manter máximo de flexibilidade e autonomia disponíveis aos formuladores de política externa 157.

Esta é uma abordagem de soft balancing da qual o Brasil começa a colher frutos. É visto, de antemão, como um dos poderes mais mediatizados, referência tanto a nível das relações multilaterais como das tomadas de posição nos fóruns internacionais.

Consequentemente a mídia espera que despolete diversas reações de “bandwagoning”

por parte de outros Estados.

O soft balancing permite alargar o espaço de manobra dos Estados mais fragilizados e/ou emergentes frente aos mais fortes, preconiza o reforço dos laços económicos entre as potências emergentes em vários setores. Apresenta três pré- condições para ser posto em prática: a posição da potência hegemónica e comportamento militar do hegemon causam crescente preocupação sem representar, ainda, séria ameaça aos poderes secundários; o Estado dominante é uma importante fonte de bens públicos na área da economia, segurança, bens insubstituíveis. O Estado não pode retaliar porque esforços de equilíbrio envidados não são evidentes ou não desafiam a sua posição de poder por meios militares. A formação de alianças

institucionais é a materialização por excelência do soft balancingpermitindo o buffering

do poder dos Estados mais relevantes158.

Para o autor as formas institucionalizadas de poder serão, num futuro próximo, o meio para as grandes potências moldarem a ordem internacional. Põe-se em prática,

157

Vd. FLEMES,Daniel, «A visão da Futura ordem Global» in Contexto Internacional, vol. 32, nr. 2, julho/dezembro de 2010.

158

116

também, o binding, que compreende a assinatura de acordos institucionais visando

coibir os Estados mais fortes e a diplomacia abrangente – uso de regras e procedimentos das instituições internacionais para influenciar as políticas externas dos Estados. Por fim, o reforço da coesão económica que é conseguido através de blocos comerciais e cooperação em outros setores para transformar os fluxos económicos pois por um lado proporcionam crescimento aos membros do sistema económico atual e, por outro, o

afastamento dos não membros - como instrumentos de soft balancing.

O exemplo dado pelo mesmo autor é o dos BRIC. Os BRIC são exemplo da demanda pela representação e voz nas instituições financeiras internacionais. Acordaram em propôr abordagens construtivas com base no princípio de resposta partilhada mas diferenciada. O volume de comércio entre os BRIC tem aumentado nos últimos anos e o investimento intra-BRIC também. As suas economias ainda dependem dos ciclos económicos dos países industrializados. Os países que compõem o grupo, ao manter o alto grau de soberania e independência em conjunto com uma participação significativa na ordem mundial asseguram-se que podem influir substancialmente no resultado de políticas futuras.

Há uma série de fatores internos/externos de crescimento que podem ser identificados em relação aos BRIC e, embora os problemas de crescimento económico sejam de natureza doméstica e da volatilidade do seu mercado, o Brasil falha em vários: a energia a baixo custo e abundante, uma mão-de-obra barata e qualificada, infra- estuturas em termos de transporte e comunicação que estejam ao nível do esperado pelos potenciais investidores, um mercado de capitais funcional, líquido e com custos que possam ser suportados bem como um aparelho legislativo eficiente e ferramentas céleres na solução de disputas, com regulamentos sólidos e claros com o mínimo de intromissões.

Como referido o Brasil é insuficiente – ou mesmo desprovido - de vários destes elementos estruturantes para o crescimento que fazem parte da generalidade de fatores de crescimento dos BRIC. Salienta-se a tributação excessiva e intervenção exacerbada do Estado, em termos fiscais e burocráticos, na vida dos agentes económicos privados.

Para Almeida, aparece como “small player” no cenário económico e estratégico

internacional, em vista da sua modesta capacidade de influenciar decisivamente qualquer processo ou evento dotado de impacto mundial. A questão é se quer integrar a

equipa de grandes players dado os custos associados159. Na nossa opinião, seguindo esta mesma lógica o Brasil tem o poder mais relevante de todos em termos de hierarquia de potências, tem o poder de escolher que tipo de potência vai ser, bastando para tanto modificar a sua conduta consoante o que desejar para si.

A nível da economia internacional procura-se a inserção brasileira na assumindo uma postura neo-estruturalista. Sem reformar o sistema internacional mas procurando a adaptação deste á realidade existente, onde novos poderes económicos e políticos surgiram. Neste quadro devemos salientar a criação de mecanismos de integração regionais (Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul Americana [IIRSA], Comunidade Sul-americana de Nações [CASA], Mercosul) e estratégias, como a de substituição de importações, que reforça o tecido industrial nacional e que os países em desenvolvimento implantaram no pós-crash bolsista (1929). Referimos este aspecto porque parece-nos fazer prova da acção do Brasil a nível económico internacional pelo reforço dos fluxos económicos a nível regional. Pode-se, também, ligar esta estratégia com o multilateralismo patente nas políticas de inserção brasileiras na sociedade internacional, esforço das parcerias Sul-Sul, e nos vários tipos de diplomacia que exerce.

Quanto ao multilateralismo na sua atuação na sociedade internacional é verificável na participação – e impulso- brasileiros nos fóruns multilaterais (tanto a nível internacional como regional) na pressão dentro do quadro de entidades multilaterais pelos seus objectivos – G20, G4, IBAS, BRICs, Mercosul (exemplos são: procura lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, defesa da reforma do

sistema económico internacional em vigor, através dos G20)160. O impulso á formação de

grupos e espaços de diálogo, ação na sociedade internacional de acordo com a

estratégia de soft balancing,pois é através da sua ação nestas instituições que pretende

alterar a ordem e concretizar os seus interesses.

A inserção brasileira na Sociedade internacional também seguiu a lógica do nacionalismo de fins. O nacionalismo brasileiro não é expansionista mas integracionista (na esfera doméstica). O Brasil segue um nacionalismo de fins (na tradicional aceção do termo nacionalismo) pois é um veículo integrador com a meta de promover o

159

Cf. De Almeida,Roberto Paulo, “A Ordem Politica e económica do início do século XXI” in Relações Internacionais e Política Externa do Brasil : a diplomacia brasileira no contexto da globalização, Rio de Janeiro, LTC ,2012, pp. 171- 200.

160

Para mais informações quanto ao G20, pesquisa de 25 de maio de 2012, vd. site oficial: http://www.g20.org/index.php/en/g20.

118

desenvolvimento.

As ações diplomáticas brasileiras pautam-se por dois eixos principais: cultivar espaço de autonomia (soluções brasileiras para problemas brasileiros) e a identificação dos recursos externos que podem ser mobilizados para ultrapassar o desafio interno do desenvolvimento. Até dezembro de 1980 estes eixos traduziram-se na tentativa de integração controlada na economia mundial e esforço de construção de espaço autónomo através do distanciamento- nas medidas possíveis-dos grandes pólos de poder do eixo assimétrico das interações internacionais do Brasil. A autonomia também foi procurada pela aproximação a outros pólos de poder como os africanos e asiáticos, por exemplo.

O pragmatismo responsável de Geisel promoveu a universalização das interações diplomáticas – política africana, aproximação mundo árabe - o acordo nuclear com Alemanha em 1975 foi um dos primeiros passos na direção da busca de autonomia através da diversificação de relações, á época centralizadas na esfera norte-americana. O grande objetivo era desenvolver-se para emancipar-se. Esta diversificação de relações assume-se especialmente marcada no âmbito do reforço das relações cooperativas Sul- Sul, que vamos agora analisar161.