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Capítulo 1- Percurso teórico dos Constructos de Faulstich

1.4 Estudos desenvolvidos com base no Constructo F

1.4.2 A adequação do Constructo F aos dados da Análise Sensorial

Siqueira (2004) foi a primeira pesquisadora a aplicar o Constructo F para a análise de UTCs com vistas a “identificar o grau de adequação descritiva do empreendimento científico de Faulstich” (Ibid., id., p. 108). Para essa identificação, a pesquisadora aplicou o constructo em 309 UTCs do léxico presente na área da Enologia, subárea Análise Sensorial Enológica, (p. 16).

Segundo Siqueira (Ibidem), para verificar-se o potencial descritivo do modelo de Faulstich (2003), estabeleceu dois tipos de análise: a qualitativa e a quantitativa, e explicou que “essa análise é essencial para identificarmos o poder descritivo do constructo de Faulstich (2003)” (p. 135-136) nos seguintes aspectos:

a) caso com maior número de ocorrências: o caso de UTCs com formativos adjetivais teve o maior número de ocorrência, com 45,53% das UTCs coletadas, como por exemplo, ‘degustação tradicional’;

b) número de ocorrências para os casos novos: foram encontrados 4 novos casos, são eles, UTCs com formativo hifenizado, como em ‘fermentação malo- lática’; UTCs com verbo nominalizado, como em ‘saber beber’; UTCs com formativo com conjunção aditiva, como em ‘denominação de origem controlada e garantida’ e UTCs com base elíptica, como em ‘suor de cavalo’; em que a base ‘odor de’ é apagada devido ao uso por parte dos enólogos e

degustadores, que ‘acabam por subentender a base por julgarem desnecessária a sua utilização’ (SIQUEIRA, 2004, p. 133).

c) UTCs com maior extensão, ou seja, com número maior de formativos: foram encontrados 6 casos de UTCs que originaram a R4, como por exemplo, ‘região de captação das sensações salinas’, em que o F,T é constituído por

(1) região de captação das sensações salinas [F,T] região [AF] R1 região de captação [ABF] R2 região de captação das sensações [ABCF] R3 região de captação das sensações salinas [ABCDF] R4

d) regra mais produtiva: a regra 2 foi a mais produtiva, com 76,38% de ocorrências, que, segundo a autora, pode ser explicado pela presença de UTCs constituídas por dois formativos apenas.

e) regra menos produtiva: a regra 4 foi a menos produtiva, com 2,49% de derivações porque se a maioria das UTCs é constituída por dois formativos, é impossível de a regra 4 realizar-se em alta produtividade;

f) caso sem ocorrências: na pesquisa de Siqueira dois casos registrados por Faulstich (2003) não ocorreram, UTC com formativo ‘a’ e significado apositivo e UTC com formativo com sufixo -mente.

Siqueira (p. 39) considera o caráter pioneiro e empreendedor dos trabalhos desenvolvidos por Faulstich para as pesquisas terminológicas desenvolvidas no Brasil e deixa evidente que “a linha teórica de Faulstich está alicerçada numa abordagem socioterminológica que, na análise linguística, tende a dar visibilidade a todos os aspectos das UTCs, sejam eles, a sintaxe, a semântica, assim como os casos de variação (p. 54)”.

Na pesquisa de Siqueira, a autora apresenta um exemplo de UTC com formativo tautológico (SIQUEIRA, 2004) em oposição a uma UTC com formativo Ø e tautologia (FAULSTICH, 2003, p. 19), que apresentamos a seguir:

(2) Papilas gustativas linguais [F, T] papilas [AF] R1 papilas gustativas [ABF] R2 papilas gustativas ø [ABØF] R3 papilas gustativas linguais [ABCF] R4

Siqueira afirma que só ocorre formativo ZERO e tautologia quando, numa mesma UTC, existem dois ou mais formativos operando a base com um mesmo conceito. Na UTC ‘papilas gustativas linguais’, o formativo ‘linguais’ pode estar ausente no discurso em duas situações: O formativo ‘linguais’ já pode ter sido usado anteriormente e, num segundo momento, ao ser repetido, o usuário omite esse formativo, o qual durante a leitura, poderá ser inferido no contexto. Na segunda situação, pode-se inferir que as ‘papilas gustativas’ estão localizadas na superfície da língua e, por isso, seria redundante usar o formativo ‘linguais’, portanto o lugar é marcado com formativo Ø (p. 88-89).

Na pesquisa de Siqueira, o Constructo F deu conta de 89,17% do corpus submetido à análise, pois permitiu descrever perfeitamente os casos identificados por Faulstich (2003), sendo o de UTCs com formativos adjetivais o mais produtivo, com 154 UTCs.

Siqueira apresenta ainda quatro casos identificados na análise das UTCs que não foram descritos no Constructo F (2003), a saber:

a. formativos de categoria verbal, mas que são utilizados como nome: (3) saber beber [F, T] saber beber [ABF] R1

Conforme Siqueira, nesta UTC, a regra derivada é a regra 1, uma vez que sua extensão semântica é atingida no processo de nominalização realizado sobre a UTC fechada.

b. formativo com conjunção aditiva

(4) Ficha de avaliação por pontos e reconhecimento [F, T] ficha [AF] R1 ficha de avaliação [ABF] R2

ficha de avaliação por pontos [ABCF] R3 ficha de avaliação por pontos e reconhecimento [ABCCF] R4

Na derivação apresentada em (4), a R4 foi derivada [ABCCF] porque existem dois formativos figurando na mesma posição unidos pela conjunção ‘e’,ou seja, ‘pontos’ e ‘reconhecimento’ são dois formativos que poderiam estar ocupando a posição do formativo C.

c. elipse de base = formativo com base elíptica = formativo Ø sem tautologia

(5) vinho rosado de mistura = rosado de mistura

Ø rosado de mistura [ØBCF] R1

A UTC, por remeter diretamente ao ‘vinho’ pelas especificações de todas as propriedades sensoriais humanas, poderia sofrer o apagamento do formativo [A] ‘vinho’ pela ocorrência de um conceito tautológico como em (5). Assim, segundo a pesquisadora (p. 117), a elipse da base ‘vinho’ pode ser considerada como inserida no ‘formativo Ø e tautologia’ examinado por Faulstich; a nosso ver isso só é possível no léxico estrito.

Uma explicação para a base apagada provavelmente seria em razão do uso que os enólogos e degustadores fazem do termo, segundo Siqueira (p. 114), “por usarem com muita frequência, acabam subentendendo a base por julgarem desnecessária sua utilização”, sendo possível a recuperação da base pelos experts na matéria.

Siqueira sugere ainda que o ‘formativo com base elíptica’ está enquadrado no caso de ‘formativo Ø e tautologia’, como já dissemos anteriormente, mas que poderia configurar uma espécie de ‘subcaso’, isto é, “aquelas UTCs que não apresentaram repetição conceitual e, por isso, não possuem tautologia, seriam incluídas no caso de ‘formativo Ø sem tautologia” (p. 118).

d) análise do caso de UTCs com formativo hifenizado

(6) fermentação malo-lática [F, T] fermentação [AF] R1

fermentação malo-lática [ABF] R2

Siqueira afirma que a formação de UTCs com hífen é recorrente na Análise Sensorial Enológica. Na realização do hífen, os formativos [‘málico’] e [‘lático’] tornam-se um único formativo de categoria adjetival, caracterizando o formativo-base [‘fermentação’] para a UTC ‘fermentação malo-lática’.

A pesquisadora afirma ainda que vislumbra no Constructo F certa mudança de direcionamento na teoria socioterminológica. Para Siqueira (p. 62), “esse constructo surge como um protótipo de um modelo que poderia ter a propriedade de explicar a formação de unidades terminológicas complexas (UTCs)”, e termina afirmando que o Constructo F pode ser considerado “o embrião para uma gramática das linguagens de especialidade” (p. 62).

Por fim, Siqueira identifica quatro novos casos que ampliam o quadro de regras de formação das regras para as UTCs:

1. UTCs com formativo hifenizado 2. UTCs com verbo nominalizado

3. UTCs com formativo com conjunção aditiva 4. UTCs com base elíptica

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