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3 MEIO RURAL E POLÍTICAS PÚBLICAS: UM ENFOQUE TERRITORIAL

3.2 A AGRICULTURA FAMILIAR NA AGENDA PÚBLICA NACIONAL

Inserida em um contexto mundialmente marcado pelo advento da globalização, pela nova divisão do trabalho e pela reconfiguração do papel do Estado, a discussão sobre a agricultura familiar destaca-se, tanto nos debates acadêmicos, quanto na agenda do Estado.

Novas estratégias de desenvolvimento estão sendo atualmente pensadas, por influência de diretrizes multilaterais, mas também por reivindicações sociais, no sentido de atender a necessidade de inclusão de uma massa historicamente excluída do processo de produção.

No Brasil, depois da Segunda Guerra Mundial, as políticas agrícolas passaram a responder mais fortemente aos imperativos econômicos e às exigências dos setores agrícolas. Nesse contexto, mais precisamente a partir da década de 70, ocorreu um avanço no processo conhecido como modernização agrícola. Através destes esforços de modernização da agricultura, os poderes públicos se dispuseram a realizar reformas estruturais na agricultura, visando adequá-la às exigências do desenvolvimento econômico.

O processo de modernização agrícola no Brasil foi caracterizado pela priorização dos grandes latifúndios, o que fortaleceu a concentração de renda e a exclusão dos pequenos e médios agricultores do mercado produtivo. A agricultura brasileira, nesse momento histórico, ocupava uma posição secundária na divisão internacional do trabalho, em detrimento de um intenso processo de industrialização e urbanização nacional.

O caráter altamente excludente dessas relações estabelecidas foi evidenciado nos alarmantes índices de pobreza rural, crescimento da concentração fundiária, aumento do êxodo rural, superexploração de empregados e concentração de renda. O aprofundamento dessas disparidades sociais contribuiu para a incorporação de novas demandas que recolocam em discussão a idéia de desenvolvimento rural. Contudo, conforme apontado por Vilela

(1997), o ressurgimento dessa discussão no Brasil está relacionado ao processo de evolução da agricultura na Europa.

O autor observa que o processo de tecnificação gerou uma população sobrante no meio rural europeu, a qual tende a deslocar-se para os grandes centros. Já no Brasil, ele aponta para a existência de uma população sobrante, neste caso decorrente da alta concentração fundiária. Em ambos os casos, a alta concentração populacional nas zonas urbanas vem resultando em graves problemas sociais, os quais, somados à crise do emprego, repercutem no retorno de muitos ao campo. Nesse sentido, o Estado tem tentado abrir perspectivas para uma reinserção produtiva dessa população.

Segundo Vilela (1997), o Banco Mundial tem apontado algumas propostas para o desenvolvimento da agricultura familiar brasileira. Tais diretrizes, explicitadas em seu relatório avaliativo de 1993, exerceram uma certa influência sobre as políticas agrícolas impulsionadas no Brasil a partir de 1994.

A década de 90, no Brasil, foi marcada por dificuldades financeiras do Estado e pela formulação de estratégias de gerenciamento público da produção agrícola e do espaço rural. Em parte, tais iniciativas foram influenciadas pelas pressões internacionais pela redução da pobreza e por maior controle ambiental. E, em parte, pelo debate político dos problemas sociais do campo, suscitados pelos movimentos sociais.

O Movimento Sem Terra (MST) assumiu significativa importância nesse cenário.

O aumento explosivo da pobreza urbana, o surgimento do MST, com toda a radicalidade de suas ações, e a existência de uma demanda não atendida (uma política agrícola voltada para o pequeno produtor), historicamente formalizada pelo movimento sindical rural”, contribuíram para a introdução da agricultura familiar na agenda do Estado. (ANDRADE, 2000, p. 03)

Tais fatores contribuíram para o reconhecimento da importância da agricultura familiar no desenvolvimento rural brasileiro.

Em confluência com as percepções do Banco Mundial, o governo brasileiro elegeu como prioridade a questão social. Assim, um conjunto de políticas para o campo vem sendo desenhado, destacando-se, dentre estas, o PRONAF. As políticas agrícolas atuais estão sendo direcionadas, desde sua concepção original, nos anos 90, para o pequeno produtor.

Estudos realizados no Brasil, em 1994, pela Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO) e pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), apontaram para as diretrizes que fundamentaram as políticas agrícolas construídas nesse contexto. Nesse estudos identificaram o número e a localização de agricultores familiares no Brasil, fizeram uma caracterização da agricultura familiar, analisaram alguns dos seus sistemas de produção e propuseram vários instrumentos de política para a agricultura familiar, servindo de base para a elaboração do PRONAF em 1995.

Eles indicavam que o modelo da agricultura familiar é praticado em três modalidades:

1. Agricultura familiar consolidada, constituída por aproximadamente 1,1 milhão de estabelecimentos familiares integrados ao mercado e com acesso a inovações tecnológicas e a políticas públicas; a maioria funciona em padrões empresariais e alguns até integram o agrobusiness;

2. Agricultura familiar de transição, constituída por cerca de 1,0 milhão de estabelecimentos familiares com acesso apenas parcial aos circuitos de inovação tecnológica e mercado, sem acesso à maioria das políticas e programas governamentais e que não estão consolidados como empresas, apesar de apresentarem grande potencial de viabilização econômica;

3. agricultura familiar periférica, constituída por aproximadamente 2,2 milhões de estabelecimentos rurais geralmente inadequados em termos de infra-estrutura e cuja integração produtiva à economia nacional depende de programas de reforma agrária, de créditos, de pesquisa, de assistência técnica e extensão rural, de agroindustrialização e comercialização, entre outros.

A partir dessa caracterização das modalidades de agricultura familiar, em 1995, o PLANAF - Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - foi concebido para atender ao conjunto dos agricultores familiares. Mais tarde, em 1996, foi transformado em PRONAF. Sua prioridade foi destinada aos segmentos em transição e aos agricultores periféricos, desde que, para esses últimos, o recurso fundiário não representasse fator impeditivo ao seu desenvolvimento. Tal prioridade, embora não se encontre explícita em seus documentos programáticos, foi perseguida pelos gestores governamentais e evidenciada principalmente no PRONAF INFRA-ESTRUTURA, que concedia prioridade, na seleção dos municípios, àqueles mais pobres de cada unidade da Federação, ou seja, aqueles pertencentes à estratégia do Programa Comunidade Solidária.

Outro fator importante que caracterizou o formato das políticas públicas rurais, no Brasil, foi a parceria estabelecida com os movimentos sociais, em especial com a CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. Tais organizações tiveram grande importância, tanto no processo de concepção, como na articulação e implementação das políticas públicas.