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A AMBIENTAÇÃO E A POSSIBILIDADE DE ESTAR-COM-O-SER-MULHER

7 ABORDAGEM METODOLÓGICA

7.2 A AMBIENTAÇÃO E A POSSIBILIDADE DE ESTAR-COM-O-SER-MULHER

Impulsionada pela motivação em compreender os modos de ser-mulher- mastectomizada com reconstrução mamária, iniciei a ambientação em abril de 2008 após a aprovação do projeto de tese pelo Departamento de Ensino e Pesquisa que atua como Comissão de Ética e Pesquisa do HAM(APÊNDICE 1).

No intuito de me aproximar do cenário da pesquisa, compareci ao GAMMA duas vezes antes de me apresentar às participantes. Nessa ocasião, conheci as dependências onde são realizadas as atividades e me informei com a coordenação do grupo sobre datas e horários em que eu poderia iniciar a ambientação. Fiz um levantamento pelo cadastro do grupo das mulheres que tinham realizado reconstrução mamária há mais de 1 (um) ano. A partir desse levantamento, identifiquei as atividades que as mesmas desenvolviam dentro do grupo, a fim de iniciar o processo de ambientação.

Na pesquisa de abordagem fenomenológica, a ambientação constitui-se como uma etapa para aproximação e encontro com as participantes, favorecendo o desenvolvimento da relação empática, fundamental para a possibilidade de compreensão do outro. No entendimento de Padoin e Souza (2008), o processo de ambientação envolve um movimento mediado pela subjetividade, no qual se apreende a singularidade, buscam-se os significados do silêncio, da fala, do dito e do não dito, em um exercício de escuta.

Pautado pelos pressupostos heideggerianos, Duarte (2005) destaca que o ouvir está fundado no escutar silencioso em sua compreensão. Recorda que somente quem se cala pode escutar a si e ao outro. Do mesmo modo que o falar não significa simplesmente o ato de emit ir os sons vocais aos quais se agregam os significados, a escuta não consiste apenas em um ouvir meros ruídos sonoros. Conclui que o silenciar também não deve ser confundido com o emudecer, pois tanto o falar quanto o silenciar estão previamente enraizados na pré-compreensão de ser do ser-no-mundo coexistente.

A partir dessas reflexões e disposta a assumir uma atitude fenomenológica já vivenciada na experiência da minha dissertação de mestrado, iniciei minha ambientação no grupo. Após minha apresentação pelas coordenadoras do Grupo a todas as mulheres, comecei a participar das atividades de Coral e Biodança, às quais as prováveis depoentes estavam vinculadas. Durante duas semanas, compareci ao grupo e assisti ao desenvolvimento das atividades. Na terceira semana, ao final de cada atividade, dirigia-me a seu encontro numa tentativa de aproximação com a finalidade de expor o propósito da minha pesquisa. Destaco que essa etapa tornou-se para mim mais que um contato. Pude compreender a relação empática que já desenvolvia com essas pessoas pela minha inserção naquele Grupo. Ao conversar com algumas mulheres, notei uma postura de desapontamento naquelas que não haviam realizado a reconstrução, situação que as aproximava e as levava a lamentarem o fato de não poderem participar da pesquisa, pois não tinham feito o procedimento. Outra situação que merece destaque foi a disponibilidade de algumas para participar, solicitando que eu fizesse naquele momento a entrevista, sem um agendamento prévio.

Considero importante destacar a forma como fui acolhida no GAMMA durante a realização desta pesquisa. O acolher envolve mais do que uma atitude de relacionamento com o outro. A situação de ser-no-mundo-enfermeira possibilitou-me mais claramente compreender o que o Dasein tem de mais concreto: o cuidado com o outro. Nesse encontro, permeado pela empatia, dá-se o acolhimento.

Diante disso, Duarte (2005, p. 156) ressalta ser necessário silenciar, acolher-nos a nós mesmos para que se dê o ouvir e o acolher de outrem. Assevera, também, que: “Acolher o

outro, deixar que ele seja o outro que é, jamais poderá ser o resultado calculado e previsível de um ato, pensamento ou palavra, mas somente poderá se dar em atos, pensamentos e palavras”.

A receptividade e o acolhimento expressos para comigo pelas pessoas que compõem o GAMMA não se restringiram somente aos encontros nos quais eram feitas as entrevistas. Fui convidada a participar de muitas atividades desenvolvidas naquele grupo de apoio, a exemplo da festa de desfile da primavera, festa de encerramento de fim de ano, palestra para as voluntárias sobre detecção precoce do câncer de mama. Confesso que, nesses momentos, estava presente a pessoa Rosana e não a pesquisadora.

Sob o aspecto do cronograma da pesquisa, observo que houve um atraso no agendamento para a coleta dos depoimentos. Contudo, a situação de estar-aí lançada em outras atividades possibilitou-me uma maior aproximação no cotidiano do Grupo, fator facilitador e determinante para o desenvolvimento da relação empática.

No meu cotidiano profissional e considerando os conhecimentos adquiridos pela literatura, acreditava que as pessoas após vivenciarem a experiência do câncer de mama encontravam-se fragilizadas pela doença.

Durante os momentos de ambientação no GAMMA, pude compreender que aquele Grupo tinha algo de especial. Com o passar dos dias e, ampliando a possibilidade de convivência, suas integrantes mostraram-se alegres, distribuíam sorrisos, superavam a cada dia as dificuldades, compartilhavam os problemas e os sucessos.

Destaco uma situação que me chamou a atenção em uma das tardes de encontro. Durante a realização de uma das atividades, uma nova integrante foi apresentada. Nesse instante, pude perceber como era feita a “breve cerimônia” de apresentação do grupo. Cada integrante, com um largo sorriso, apresentava-se nominalmente e fazia um curto relato do tempo de cirurgia e de participação no grupo. Foi com muita emoção que ouvi os singulares depoimentos. Refleti que, apesar da doença, aquelas pessoas não se deixaram intimidar. Ao verbalizar os seus sentimentos para a nova integrante, as mulheres demonstraram fortaleza no enfrentamento da doença. Mostravam que tinham superado as dificuldades e compartilhavam com as demais a situação de ser mastectomizadas.

Após a ambientação, na tentativa de desvelar os modos de ser velados nos depoimentos, utilizei a entrevista fenomenológica que, segundo Carvalho (1991) se dá sob a forma da existência situada no encontro. Essa modalidade de entrevista não se submete a uma situação observada, e o depoente a uma análise conceitual, classificadora, orientada por um

projeto de idéias. O ver e o observar nessa situação são, portanto, captar a maneira singular do sujeito vivenciar o mundo.

Lopes (1999) afirma que, ao ver e observar os espaços e tempos próprios, captando os mundos, assim em constituição através da fala originária, dar-se-á o desvelamento do fenômeno. Ainda em relação à entrevista fenomenológica: “(...) não se busca uma linguagem que seja a soma de pensamentos e idéias. Busca-se uma linguagem que seja ´fala originária‟, „fala‟ essa que possibilite a mediação com o outro e a comunicação com o mundo (CARVALHO, 1991, p.37).

Segundo Gomes (1997), a entrevista serve como veículo de comunicação e explora o mundo vivido do entrevistado, definido como experiência consciente. A consciência do(a) entrevistador(a) modifica-se, amplia-se, atualiza-se na interação com o outro. O mesmo autor, considerando a entrevista aplicada à estudos fenomenológicos, salienta que:

A mensagem que expressa traz a peculiaridade de um mundo vivido. O interesse das nossas investigações é captar esta mensagem, este mundo vivido. É nesse contexto se introduz a entrevista como um convite à comunicação. (GOMES, 1997, s.p.).

Simões e Souza (1997b) afirmam que a condução da entrevista fenomenológica inclui aspectos relacionados ao ambiente físico para o encontro, a estratégia de aproximação das depoentes, a adequação da questão norteadora, bem como a técnica de obtenção dos depoimentos.

Assim sendo, foram selecionadas 9 (nove) mulheres que atendiam ao critério de inclusão da pesquisa, ou seja, mulheres mastectomizadas que tinham se submetido à reconstrução mamária há mais de 1 (um) ano. Então, expliquei-lhes, individualmente, o objetivo da pesquisa, questionando sobre a sua possível participação. Para a coleta dos depoimentos, como determinado pela Resolução 196/9615 do Conselho Nacional de Saúde que dispõe sobre ética em pesquisa envolvendo seres humanos, foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE 2). Todas as depoentes manifestaram o desejo de que a entrevista, que foi gravada, fosse realizada no GAMMA, ocasião em que solicitei a permissão para realizá-la em uma sala privativa, cedida pelo Serviço de Psicologia. Solicitei a cada depoente que escolhesse um pseudônimo.

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Esta legislação incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro referenciais básicos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, entre outros, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado (BRASIL, 2008).

Intencionando desvelar o sentido que funda o comportamento do ser-mulher-mastectomizada submetida à reconstrução mamária, a entrevista foi conduzida pelas seguintes questões norteadoras: Como tem sido o seu dia-a-dia após a retirada da mama? Como foi para a senhora ter a mama reconstruída? O que veio a ser o seu cotidiano após a reconstrução mamária?

Após a entrevista, fazia a transcrição de cada depoimento, ficando atenta ao conteúdo da linguagem, tentando mergulhar na dimensão cotidiana de cada ser-mulher. Ao transcrever, fui fiel às expressões por elas utilizadas. Neste sentido, de acordo com Duarte (2005), a linguagem não pode ser entendida apenas como veículo de transmissão de informações, mas como o modo pelo qual se manifesta o próprio existir humano.

Ancorado no pensar heideggeriano, o autor afirma que a linguagem não pode ser corretamente compreendida em seu ser por meio de uma análise formal e lógica. Assim:

[...] comunicar algo linguisticamente não é transmitir vivências privadas ou informações do interior de um sujeito para o interior de outro sujeito, mas partilhar os sentidos com os outros [...] Comunicar é um ato complexo que não se reduz apenas ao pronunciamento de enunciados apofânticos entre sujeitos isolados entre si [...] “A comunicação tem de ser compreendida a partir da estrutura do ser-aí como ser com o outro”. (DUARTE, 2005, p. 136).