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1 AS PROPRIEDADES INERENTES A UM SISTEMA TRIBUTÁRIO IDEAL

2.2 A ampliação do uso da retenção antecipada no sistema tributário brasileiro

O deslocamento do sujeito responsável pelo recolhimento dos tributos surgiu como mecanismo útil às autoridades fiscais a fim de dificultar que o contribuinte omitisse a ocorrência de fatos geradores tributáveis. Isto porque, elegendo terceira pessoa para recolher o tributo antecipadamente, a lei acabou depositando sobre tal sujeito a responsabilidade patrimonial pelos débitos do contribuinte originário.

Em outras palavras, quando só o contribuinte possui a responsabilidade por informar ao fisco a ocorrência do fato gerador e recolher o tributo, acaba possuindo maior margem de liberdade para agir e omitir os fatos, justamente para não arcar com o ônus tributário. A partir do momento em que a lei elege terceira pessoa como responsável por recolher antecipadamente o tributo, acaba por tornar dificultosa a prática de atos tendentes a omitir a ocorrência do fato gerador, já que eventual descoberta por parte do fisco deverá gerar, via de regra, ônus financeiro ao responsável e não ao contribuinte originário.

Os benefícios do recolhimento antecipado para as autoridades fiscais vão além, pois este instrumento permite que as fiscalizações tributárias sejam mais eficientes, eficazes e efetivas, ao concentrar os esforços em poucos responsáveis ao invés de uma série de contribuintes individualmente considerados. Por exemplo, como será mais bem explicado no capítulo seguinte, no caso do ICMS, a concentração do recolhimento do tributo devido por toda a cadeia tributária apenas nos estabelecimentos industriais, e não mais nos diversos estabelecimentos atacadistas e varejistas, reduz substancialmente os trabalhos de fiscalização, já que os alvos se tornam poucas e específicas empresas.

Desde a década de 1970, nota-se o avanço de práticas relacionadas ao deslocamento do responsável pelo recolhimento dos tributos. No tocante ao ICMS, diversos acordos (regimes especiais) foram firmados com grandes fabricantes de cigarros, cervejas e refrigerantes, além de indústrias de cosméticos que operavam no sistema de venda direta (“porta-a-porta”) para que tais setores fossem inseridos na sistemática da substituição tributária26.

Isto porque, em tributos como o ICMS, em que a incidência se dá sobre os diversos agentes de uma cadeia produtiva, a responsabilidade pelo recolhimento do imposto pode ser transferida para o primeiro agente que fabrica o produto final, ou para o importador, por exemplo. Assim, tal agente recolheria o imposto devido por toda a cadeia produtiva.

No tocante ao IPI, a partir do ano de 1997 passou-se a ter a possibilidade de determinado sujeito industrial ou equiparado requerer junto às autoridades fazendárias (que devem concordar) regime especial para figurar na qualidade de responsável pelo recolhimento antecipado do imposto27.

Situação curiosa é a que ocorre com as Contribuições ao PIS e COFINS incidentes sobre a receita bruta auferida na comercialização de cigarros. Desde o início da década de 1990, a legislação concentra a tributação apenas nas vendas promovidas pelos estabelecimentos que importarem ou fabricarem tais produtos, desonerando os demais agentes da cadeia produtiva destes produtos28.

De forma parecida, a legislação, embora adote nomes diferentes para técnicas de tributação semelhantes, determina, desde o ano 2000, a transferência da responsabilidade pelo

26 ROSA, José Roberto. Substituição tributária no ICMS: estudo de casos e manual explicativo. 3. ed. ampliada

e atualizada. Itu (SP): Ottoni Editora, 2011, p. 155.

27 Art. 35, II, Lei 4.502/64.

recolhimento das referidas contribuições na comercialização de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, dentre outros. A técnica nomeada pela legislação é a incidência monofásica, pois importadores e industriais recolhem alíquotas mais elevadas sobre a receita bruta auferida na venda dos produtos sujeitos a esta sistemática, compensando a desoneração do restante da cadeia produtiva29.

Mas não é só nos tributos incidentes sobre a circulação de mercadorias que o recolhimento antecipado aparece com vasta aplicação. Há diversos tributos que possuem em suas legislações alguma forma de deslocamento do responsável pelo recolhimento. Entretanto, a técnica utilizada para que este deslocamento ocorra pode variar conforme a materialidade de cada tributo.

Em tributos que incidem sobre rendimentos, como, por exemplo, o Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR), como não há uma cadeia produtiva, mas tão somente o ato de auferir renda, a legislação estabelece uma infinidade de situações em que a fonte pagadora é responsável pela retenção do valor do tributo e recolhimento ao fisco30.

Assim, exemplo concreto se dá na órbita dos pagamentos de salários a empregados de determinada pessoa jurídica. Desde a década de 1980, a legislação atribui à fonte pagadora dos salários a responsabilidade pela retenção do valor devido pelo empregado e recolhimento ao fisco a título de IR. Neste caso, há deslocamento da responsabilidade pelo pagamento do tributo, o que não deixa de facilitar a atuação das autoridades, porquanto ao invés de fiscalizar se cada um dos empregados recolheu o IR sobre seu salário, a fiscalização se concentra nos documentos e registros da pessoa jurídica empregadora31.

Outro tributo que adota forma semelhante de recolhimento antecipado é o Imposto Sobre Serviços (ISS). Isto porque a legislação que trouxe as normas gerais do imposto em 2003 atribuiu aos tomadores de determinados serviços a responsabilidade pela retenção e recolhimento do ISS no momento do pagamento pelos serviços então prestados. Isto ocorreu

29 Art. 1º da Lei 10.147/00.

30 Por fugir do escopo do presente estudo, não se buscará definir como se operam todas as formas de deslocamento

do sujeito passivo tributário. Entretanto, há na doutrina quem entenda que a retenção na fonte aplicada no IR não se confunde com substituição tributária. Luís Eduardo Schoueri considera que a retenção na fonte não desloca o sujeito passivo da obrigação tributária, uma vez que o retentor seria mero agente arrecadador tributário. Isto porque o patrimônio atingido pelo tributo seria o do contribuinte original e não o seu patrimônio. Todavia, quando o retentor não realiza a retenção do tributo, aí sim passaria a figurar na qualidade de sujeito passivo, uma vez que o seu patrimônio é que passaria a ser atingido pelo ônus tributário (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 490).

objetivando evitar que os prestadores, que são os contribuintes originários do imposto, realizem condutas tendentes a omitir a ocorrência do fato gerador32.

Além disso, de igual forma, em 2003 a legislação federal também incluiu as Contribuições ao PIS e COFINS e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) no rol de tributos que o tomador de determinados serviços deveria reter e recolher aos cofres públicos quando dos pagamentos efetuados ao prestador33.

É possível citar ainda a retenção de certos tributos obrigatoriamente feita pelos cartórios em transações realizadas no âmbito de suas atividades34. Por exemplo, a operação de compra e

venda de bens imóveis por pessoas físicas ou jurídicas deve ser formalizada pela escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis, operação esta sujeita ao Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) que deverá ser calculado e cobrado pelo próprio cartório como condição para o registro da escritura pública. Deste modo, busca-se garantir o pagamento do tributo na data e montante corretos, atribuindo à terceira pessoa a responsabilidade pela arrecadação e pagamento do tributo devido.

Como é possível notar, a adoção da substituição tributária no sistema tributário nacional ocorreu e ainda ocorre das mais variadas maneiras, com técnicas que se adequam melhor conforme a materialidade e os sujeitos envolvidos. É inegável a forte tendência de ampliação desta sistemática de tributação, que cresceu no Brasil nos últimos anos e atualmente envolve quase todas as condutas tributáveis de uma pessoa, seja ela física ou jurídica.

Como exemplos dos poucos tributos que ainda não foram inseridos nesta sistemática, tem-se aqueles cujo lançamento se dá de ofício pela autoridade fiscal, tais como o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Tais tributos, por serem lançados de ofício, não contemplam em sua estrutura a substituição tributária, já que o próprio fisco controla a apuração, lançamento e recolhimento, o que dificulta a prática de atos de sonegação. Porém, a ausência de regras quanto à substituição tributária não exclui os contribuintes de obedecerem às regras atinentes à responsabilidade tributária35.

32 Art. 6º da Lei Complementar 116/03. 33 Art. 30 da Lei 10.833/03.

34 Art. 134, VI, CTN.

Realizados os apontamentos pertinentes à compreensão e contextualização do instituto da substituição tributária na forma da retenção antecipada, é possível destinar maiores atenções à aplicação deste instituto no âmbito do ICMS.

3 EVOLUÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA NO ICMS AO LONGO DOS