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4 O ENSINO DE LEITURA LITERÁRIA NAS VOZES DOS PROFESSORES DE

4.1 A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO COMO REFERÊNCIA TEÓRICO-

PORTUGUÊS RECÉM-FORMADOS

A análise crítica do discurso (ACD) é uma das teorias da área de estudos em Análise de Discurso (AD). Trata-se de uma teoria social do discurso, de vertente anglo-americana em AD, com vistas à mudança social do discurso na contemporaneidade. É ainda uma disciplina e um método de estudo. (MAGALHÃES, 2001)

Segundo Ramalho (2005, p.281), a

[...] ADC consolidou-se no início da década de 1990 quando Teun van Dijk, Norman Fairclough, Gunter Kress, Theo van Leeuwen e Ruth Wodak reuniram-se em um simpósio realizado, em janeiro de 1991, em Amsterdã (WODAK, 2003, p. 21). Embora haja diferentes abordagens de análises críticas da linguagem, o expoente da ADC é reconhecido em Norman Fairclough. Em Language and power (1989) e Discourse and social change (2001[1992]), o autor apresenta uma concepção de linguagem como forma de prática social atrelada às noções de poder e ideologia que se aproxima do enfoque discursivo-interacionista de Bakhtin (1997; 2002).

A autora salienta que, entre 1999 e 2003, o referencial teórico de ADC36 manteve conceitos-chave da proposta de 1992, “[...] como hegemonia, dialética

entre ação e estrutura, ordem de discurso e intertextualidade [...]”, todavia, a partir

de então, a proposta teórico-metodológica mais atual vai enfatizar “[...] o trabalho transdisciplinar com teorias sociais e encontra inspiração no realismo crítico, uma epistemologia contemporânea da ciência social crítica.”37 (RAMALHO, 2005, p.286 – grifos da autora)

Até hoje, a proposta teórica da ADC vem sofrendo transformações como podemos ler nos estudos de Faircoulgh (2005); Ramalho e Resende (2011); Ottoni e Lima (2014) em que se descrevem, aprofundam e fundamentam novas categorias de análise do texto, da prática discursiva e da prática social.

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O termo Análise de Discurso Crítica (ADC) vem sendo utilizado atualmente por Ramalho (2005), Ramalho e Resende (2006; 2011) ao invés de Análise Crítica de Discurso (FAIRCLOUGH, 2001). O primeiro termo não se desvincula dos referenciais científicos de Fairclough (2001).

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Ramalho (2005) realiza um estudo mais aprofundado sobre essa nova proposta da ADC por meio das obras de Fairclough (Language and power, 1989; Discourse and social change, 1992; Analysing discourse: textual analysis for social research, 2003) e Chouliaraki & Fairclough (Discourse in Late Modernity: rethinking Critical Discourse Analysis, 1999).

Optamos por seguir o referencial teórico-metodológico, principalmente, exposto na obra de Fairclough (2001), pois consideramos que nos auxiliará a descrever e interpretar os discursos dos professores de português recém-formados, colaboradores de nossa pesquisa, para chegarmos a alguns sentidos trazidos em suas vozes, quando tratam do ensino de leitura literária na educação básica.

Em seu livro Discourse and social change (1992), traduzido no Brasil sob a coordenação de Izabel Magalhães, com o título de Discurso e mudança social (2001), Norman Fairclough traça um arcabouço teórico-metodológico da ACD que reúne a análise linguística e a teoria social numa mesma faceta, sendo atribuído ao discurso o sentido socioteórico como “texto e interação”, o que o autor denomina de análise do discurso orientada linguisticamente.

Para desenvolver uma teoria social da linguagem, Fairclough (2001) busca referências na linguística (vocabulário, semântica, gramática) e nos estudos da linguagem (pragmática e análise de discurso) com o pensamento social e político, por meio dos trabalhos de Gramsci (1971),Thompson (1984), Althusser (1971), Foucault (1979), Habermas (1984) e Giddens (1984).

O conceito de discurso e de análise de discurso proposto por Fairclough (2001) é tridimensional, pois

Qualquer ‘evento’ discursivo (isto é, qualquer exemplo de discurso) é considerado como simultaneamente um texto, um exemplo de prática discursiva e um exemplo de prática social. A dimensão do ‘texto’ cuida da análise lingüística de textos. A dimensão da ‘ prática discursiva’, como ‘interação’, na concepção ‘ texto e interação’ de discurso, especifica a natureza dos processos de produção e interpretação textual – por exemplo, que tipos de discurso (incluindo ‘discursos’ no sentido mais socioteórico) são derivados e como se combinam. A dimensão de ‘prática social’ cuida de questões de interesse na análise social, tais como as circunstâncias institucionais e organizacionais do evento discursivo e como elas moldam a natureza da prática discursiva e os efeitos constitutivos/construtivos [...]. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 22).

O autor desenvolve estudos para a análise de discurso como um método que pode investigar as mudanças sociais por meio da linguagem. Fairclough (2001) propõe um método de análise do discurso que se ampara em quatro pilares principais para descrever e interpretar os discursos.

Primeiro, a análise multidimensional da linguagem, por meio da abordagem tridimensional, que “[...] permite avaliar as relações entre mudança discursiva e social e relacionar sistematicamente propriedades detalhadas de textos às propriedades sociais de eventos discursivos como instâncias de prática social.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 27)

O segundo pilar está na análise multifuncional da linguagem, já que

As práticas discursivas em mudança contribuem para modificar o conhecimento (até mesmo as crenças e o senso comum), as relações sociais e as identidades sociais; e necessitamos de uma concepção de discurso e de um método de análise que contemplem a relação entre essas três áreas. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 28)

Um ponto inicial à análise multifuncional do discurso, o autor vai buscar na teoria sistêmica da linguagem em Halliday (1978). Para esse autor, de acordo com Fairclough (2001), a linguagem é multifuncional, pois “[...] os textos simultaneamente representam a realidade, ordenam as relações sociais e estabelecem identidades.” Essa teoria de linguagem, conforme Fairclough (2001, p.28) traz “[...] aplicações úteis quando combinada à ênfase nas propriedades socialmente construtivas do discurso nas abordagens socioteóricas do discurso [...].”

O terceiro ponto é a análise histórica do discurso. A análise de discurso, para o autor, deve dar destaque à estruturação ou aos processos ‘articulatórios’ na construção de textos, “[...] e na constituição a longo prazo de ‘ordens de discurso’ (isto é, configurações totais de práticas discursivas em instituições particulares, ou mesmo em toda uma sociedade).” (FAIRCLOUGH, 2001, p.28)

No nível de textos, Fairclough (2001) considera esses processos por meio do termo de ‘intertextualidade’ (KRISTEVA, 1986a; BAKHTIN, 1981 e 1986) que se obtém no nível de ordens de discurso, este conceito trazido de Michel Foucault. O importante é localizar a mudança histórica: “[...] como diferentes discursos se combinam em condições sociais particulares para produzir um novo e complexo discurso.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 22)

‘Crítico’ implica mostrar conexões e causas que estão ocultas; implica também intervenção – por exemplo, fornecendo recursos por meio da mudança para aqueles que possam encontrar-se em desvantagem. Nesse sentido, é importante evitar uma imagem da mudança discursiva como um processo unilinear, de cima para baixo: há luta na estruturação de textos e ordens de discurso, e as pessoas podem resistir às mudanças que vêm de cima ou delas se apropriar, como também simplesmente as seguir [...]. (FAIRCLOUGH, 2001, p.28)

De modo esquemático, para que tenhamos uma visão geral do que é proposto na ACD, o discurso possui uma noção integradora de três dimensões, conforme Magalhães (2001, p. 22): “[...] o texto, a interação/prática discursiva e a ação social/prática social.” A análise textual pode ser organizada em quatro categorias principais: vocabulário; gramática; coesão e estrutura textual, numa escala ascendente. Na prática discursiva, as categorias como a força dos enunciados (ou tipos de atos de fala), a coerência e a intertextualidade dos textos. Já a análise da prática social pauta-se nas categorias como hegemonia e relações de poder - reproduz, reestruturam ou desafiam a hegemonia existente. (MAGALHÃES, 2001)

A prática discursiva e o evento discursivo são tratados pelo autor numa perspectiva dialética ao considerá-los contraditórios e em luta, “com uma relação complexa e variável com as estruturas, as quais manifestam apenas uma fixidez temporária, parcial e contraditória.” (FAIRCLOUGH, 2001, p.94) Assim, considera o “[...] discurso como modo de prática política e ideológica [...]”. (ibid) Emprega a categoria “hegemonia” de Gramsci (1971) para conceituar e investigar as dimensões políticas e ideológicas da prática discursiva.

Salientamos, por fim, que ao adotarmos a ACD como pressuposto científico e, ao mesmo tempo, selecionarmos algumas categorias analíticas dos discursos dos professores de português, isso não significa que faremos uma “[...] simples leitura e interpretação [...]” como salientam Ramalho e Resende (2011, p. 113), portanto, a escolha de que categorias utilizarmos mais adiante, para a análise dos discursos desses docentes, não foi realizada a priori.

“É sempre uma consequência do próprio texto e das questões/preocupações de pesquisa”. (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 113) e tampouco temos o objetivo de realizar um “policiamento” dos discursos deles em nossas análises, uma vez que não nos interessamos “[...] pela ‘verdadeira’ posição ideológica do enunciador real,

mas pelas visões de mundo dos enunciadores (um ou vários) inscritos no discurso.” (FIORIN, 2007, p. 51) Nesse sentido, no próximo item deste capítulo, iniciaremos as análises dos discursos dos professores de português, materializados no texto do gênero entrevista.

4.2 A INICIAÇÃO AO MUNDO DA LEITURA DOS PROFESSORES DE

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