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DISCURSO E PODER NOS TEXTOS PÓS-ESTRUTURALISTAS FOUCAULTIANOS DA ANPED

1. A ANPED COMO INSTITUIÇÃO DISSEMINADORA DE INFORMAÇÕES

[...] E creio que esta vontade de verdade, por fim, apoiando-se numa base e numa distribuição institucionais, tende a exercer sobre os outros discursos – continuo a falar da nossa sociedade – uma espécie de pressão e um certo poder de constrangimento. Estou a

pensar na maneira como a literatura ocidental teve de apoiar-se, há séculos a esta parte, no natural, no verosímil (sic), na sinceridade, e também na ciência – numa palavra, no discurso verdadeiro [...] (FOUCAULT, 2006a, p. 6, grifos meus).

O estudo que ora apresento, foi constituído a partir da análise dos textos que a ANPEd disponibilizou e, por essa razão, algumas informações sobre esta Instituição tornam-se imprescindíveis. A ANPEd – Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Educação – foi fundada em 1976 por alguns Programas de Pós-Graduação da área da educação e consolidou-se em 1979 como sociedade civil e independente. A Associação não tem fins lucrativos e tem por finalidade “a busca do desenvolvimento e da consolidação do ensino de pós-graduação e da pesquisa na área da educação no Brasil51”.

A Diretoria da ANPEd é eleita por voto secreto, tem um mandato de dois anos que pode ser estendido por mais dois. Ao todo, são sete os componentes da Diretoria: um presidente, três vice-presidentes, um secretário-geral e dois secretários adjuntos. A Associação possui também um Conselho Fiscal que é composto por três membros e três suplentes.

A ANPEd admite sócios institucionais (os Programas de Pós-Graduação em Educação) e sócios individuais (professores, pesquisadores e estudantes de pós- graduação em educação). Esses sócios se congregam em dois campos: os sócios institucionais no Fórum de Coordenadores dos Programas de Pós-Graduação em Educação e, os individuais nos Grupos de Trabalho – GTs temáticos. O Fórum atua também por meio de Fóruns Regionais nas Regiões Nordeste, Sudeste I, Sudeste II, Centro-Oeste e Sul. A instância superior de organização da Associação é a Assembléia Geral composta por todos os sócios. De acordo com o seu próprio site,

A ANPEd realiza um importante trabalho de disseminação, através de publicações impressas e registradas em disquetes e o CD-ROM ANPEd [...] Os GTs temáticos constituem núcleos disseminadores de informações sobre suas temáticas específicas, atuando durante todo o ano e nas reuniões anuais da ANPEd. O Fórum de Coordenadores dos Programas de Pós-Graduação em Educação é o canal de comunicação entre os programas associados e está presente nos

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Todas as informações sobre a ANPEd foram extraídas da Internet (http://www.anped.org.br – acesso em 29/11/2006).

principais debates sobre política científica no país, ao lado de outras associações científicas.

Como agência de disseminação efetiva de informações, a ANPEd tem sido usada como referência por pesquisadores que têm interesse em mapear ou identificar os avanços e recuos de determinadas perspectivas de pesquisa, de currículo e outros temas ligados à educação no Brasil. É o caso do trabalho de Franco (2004) que busca, “com uma revisão teórica dos trabalhos apresentados nesse GT (GT de Currículo da ANPEd), nos últimos quatro anos (2000-2003), explorar em que medida eles incorporam as questões acerca das novas tecnologias e seus impactos na constituição do conhecimento” (p. 2 – grifos meus).

A ANPEd, nesse sentido, tem contribuído não apenas para a divulgação de trabalhos, mas também para o desenvolvimento de pesquisas na área da educação. É vista como uma entidade de grande idoneidade pela sociedade e pelos profissionais da educação que também se dedicam à pesquisa.

A importância da ANPEd reside no fato de reunir a produção em educação elaborada no interior da Pós-Graduação com o rigor em seus aspectos acadêmico, científico e político. Especificamente, para a pesquisa que aqui desenvolvo, a ANPEd está sendo de grande valia, haja vista que, foi a partir dessa instituição que pude ter acesso aos artigos e compreender como as pesquisas pós-estruturalistas- foucaultianas operam com os conceitos de discurso e poder.

Em se tratando de análises que se inspiram na teoria foucaultiana, não é satisfatório apontar apenas a idoneidade das instituições como fonte de dados mas também problematizá-las como agenciadoras de mecanismos de poder que, como tais, autorizam alguns discursos e desautorizam/excluem outros.

Foucault atuou com uma desconfiança firme em relação às instituições; observou suas regras, documentos, funções e inclusive a disposição dos espaços até compreender o regime disciplinar que se “respirava” nessas instituições. Com efeito, podemos tomar de seus esforços o entendimento de que, são as instituições que alimentam e, como o próprio nome diz, instituem discursos. Criam formas específicas de validação de valores morais, incluem dispositivos para explicar e conduzir as teorizações e os modos como as pessoas devem se conduzir em

sociedade. Em especial, as instituições de fomento à pesquisa, prescrevem regras e mecanismos que influenciam na construção de conhecimento, isto é, influenciam ou exercem o poder de instituir a verdade nas teorizações de uma determinada área, local e momento histórico.

É isso que uma postura metodológica inspirada em Foucault se propõe examinar ou não desconsiderar nos interstícios de sua análise, ou seja, há que se “prestar atenção à linguagem como constituidora, como produtora, como inseparável das práticas institucionais de qualquer setor da vida humana” (FISCHER, 2003, p. 378).

É certo que a tônica dos discursos “pós” insistem na afirmação de que não pretendem se tornar uma única voz nas teorizações curriculares, no sentido de não se impor como única verdade no poder de teorizar sobre educação e currículo, mas, também é lícito dizer que não há discurso isento de poder. Nesse sentido, os textos que se inserem numa perspectiva pós-estruturalista-foucaultiana estão exercendo o seu poder discursivo de formas específicas e, em se tratando de ocupação institucional, há que se considerar que o fato destes serem publicados e não outros, já indica sua aceitabilidade e legitimação pelo meio acadêmico e pelas instituições de incentivo à pesquisa, como é o caso da ANPEd.

É emblemático também, o cenário de procedência institucional dos textos aprovados pela ANPEd. Entre os quatorze textos selecionados para esta análise, vê- se que treze são oriundos de universidades do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro e, apenas um, é procedente do Estado do Pará. Isso alude não simplesmente a uma característica marcante na história da produção científica do País, que se concentrou por muitas décadas nas Regiões Sul e Sudeste, mas indica que são esses os espaços que vêm acumulando maiores investimentos nas perspectivas pós-críticas de pesquisa e ganhando território nas instituições, assim como nos provocam a pensar na possibilidade de uma nova configuração do poder no âmbito dessa Instituição e, especificamente no GT de Currículo, que é no mínimo, simpática a narrativas que se embrenham nessas perspectivas.

Corroborando tal possibilidade, é flagrante no corpo dos textos e em suas referências bibliográficas o que chamo de uma cumplicidade teórica recíproca, pois

os autores se citam mutuamente, principalmente no que diz respeito às caracterizações e acepções de currículo sob as perspectivas pós-críticas52. Além disso, considero significativa a presença do que poderia parecer, a princípio, uma incoerência metodológica, mas que talvez seja uma estratégia para driblar os constrangimentos discursivos e/ou uma forma de utilizá-los a seu favor, ou seja, como estratégia de resistência à própria configuração do poder discursivo da Instituição. Trata-se de uma tendência em não anunciar a perspectiva teórica na qual os textos e as análises se situam.

Pelo esquema utilizado para mapear os textos53, podemos perceber que, dos setenta e seis artigos, um se diz orientado pelo paradigma de complexidade, dezessete foram arrolados no movimento da perspectiva pós-estruturalista- foucaultiana e dezoito como pós-críticos de outras inspirações teóricas, ou seja, buscando inspiração em Derrida e Deleuze, por exemplo. Esses dados poderiam nos levar a deduzir que, subtraindo-se esses trinta e seis textos, os outros quarenta se organizariam sob os vários matizes da perspectiva crítica e/ou outras possibilidades investigativas, entretanto, apenas onze se situam sob esta perspectiva enquanto que a imensa maioria, vinte e nove, não declara sua perspectiva teórica.

Não isento esta abordagem matemática das ressalvas que eventualmente aparecem em relação às análises que desejam alguma exatidão, o que não é o caso desta Dissertação. Nesse sentido, faço três ponderações: Em primeiro lugar, não escondo a imensa dificuldade em respeitar os critérios do mapa que criei, pois apesar de considerar em primeira instância a escrita explícita sobre a perspectiva assumida no texto, a leitura que executei e as pistas deixadas em alguns textos podem ter ocasionado “enquadramentos” que destituíram a não menção explícita dos autores, ou seja, mesmo que não se digam “pós”, por exemplo, posso ter enxergado tal perspectiva. Foi o que aconteceu com alguns dos textos selecionados para a análise.

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Nas referências bibliográficas, Tomaz Tadeu da Silva é referido em 10 (dez) dos quatorze textos; Sandra M. Corazza em 9 (nove); Marisa V. Costa em 2 (dois) e Alfredo Veiga-Neto em 2 (dois). 53

Em segundo lugar, toda categorização ou tentativa de enquadramento é arbitrária e incômoda uma vez que não existem critérios compatíveis com uma regularidade irrefutável, pois nem sequer existe “uma regularidade irrefutável”. Os critérios para o mapeamento das perspectivas adotadas pelos textos foram inspirados e orientados por Silva (2002)54 que, como referência, apresenta uma possibilidade de organização das perspectivas teóricas curriculares da atualidade. Portanto, é muito pertinente que vários pesquisadores não reconheçam a coerência de tal referência e, por essa razão, não organizem seus estudos de acordo com os esquadrinhamentos dessa obra, optando por outras formas de fazê-lo, como de fato ocorreu em vários textos nos quais os pesquisadores optaram por apresentar o nome de um ou vários autores como referencial para suas análises, sem a preocupação de situá-los dentro de uma ou outra perspectiva.

E, em terceiro lugar, há que se reconhecer também, o processo de hibridação nas discussões curriculares da atualidade. Numa leitura panorâmica sobre os textos é visível a vontade de liberdade dos pesquisadores. Vontade esta, não atrelada a um ecletismo ou a um relativismo disperso e incongruente mas, no sentido proveitoso de se deliciar com os insights de perspectivas que, embora se bifurquem em alguns pontos, em outros, experimentam problematizações que comungam resultados similares. Ângulos diferenciados podem não contribuir para uma síntese superadora e multifacetar os objetos em análise. Acrescente-se a isso, a tentativa de fuga estratégica dos pesquisadores relacionada às tipificações centradas na autoria, que teimam em enquadrar as suas subjetividades supondo a homogeneidade e a imutabilidade. Desagradavelmente, quem “é” caracterizado como crítico, por exemplo, jamais poderia “ser” “pós” e vice-versa.

Feitas as devidas ponderações, insisto ainda, na pertinência dos dados apresentados. Os mesmos são anunciadores dessa possível estratégia de drible nos constrangimentos aos discursos que, não se encontram em alinhamento com as práticas discursivas da Instituição nos momentos históricos de seleção dos trabalhos. Quanto a isto, não estou me referindo apenas às teorias “pós” ou às

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Essa obra, “Documentos de identidade; uma introdução às teorias do currículo”, apresenta um mapeamento ou categorização das principais perspectivas teóricas disponíveis e imbricadas as teorizações contemporâneas do momento, nesse sentido, o livro trata das teorias tradicionais, das teorias críticas e das teorias pós-críticas.

teorias críticas mas, a todas as perspectivas que disputam espaço nessa Instituição. Dito de outro modo, a não declaração da perspectiva teórica pode representar uma estratégia de resistência aos diferentes efeitos de poder das práticas discursivas enredadas pela ANPEd enquanto Instituição que seleciona determinados discursos e exclui outros, de acordo com as posições dos sujeitos autorizados a estabelecer a verdade discursiva da atualidade no campo do currículo.