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Capítulo II: Uma imersão no domínio afetivo do processo

2.7 A ansiedade

A ansiedade é considerada mais uma das varáveis afetivas que podem influenciar o processo de aprendizagem de línguas. Muitos teóricos e pesquisadores da área de ensino de línguas apontam para o fato de que existe uma relação estreita entre ansiedade e aprendizagem de línguas. Os métodos Aprendizagem Comunitária de Línguas e Sugestopedia, dentre outros, tinham como objetivo reduzir o nível de ansiedade dos alunos incorporando atividades de relaxamento com o uso de músicas, a fim de propiciar maiores e melhores oportunidades de aprendizagem.

Spielberger (apud Rocha, 1976) propôs uma distinção entre ansiedade-estado e ansiedade-traço integrando estudos anteriores de Cattell & Scheier (1961) e as concepções teóricas de Freud. Rocha descreve a diferença desses dois conceitos apontada por Spielberger

Ansiedade-estado refere-se a um estado ou condição emocional transitória do organismo humano que varia em intensidade e através do tempo. Caracteriza-se por sentimentos subjetivos, conscientemente percebidos, de apreensão e tensão, e ativação do sistema nervoso autônomo.

(...)

Ansiedade-traço refere-se a diferenças na disposição a perceber uma ampla escala de situações estimuladoras como perigosas ou ameaçadoras e na tendência a responder a tais ameaças com reações de ansiedade-estado. As pessoas que possuem alta

ansiedade-traço tendem a perceber um maior número de situações como perigosas ou ameaçadoras do que as de baixa ansiedade- traço e a responder a situações ameaçadoras com elevação de ansiedade-estado (ROCHA, 1976, p. 13).

A ansiedade lingüística, típica do processo de aprendizagem de LE, é caracterizada pela presença de medo ou apreensão que ocorre quando o aprendiz tem que se expressar na LE. Assim, ela está diretamente ligada a situações de desempenho na língua-alvo. Horwitz et al (1991) definem a ansiedade lingüística como um complexo distinto de autopercepções, crenças, sentimentos e comportamentos relacionados com a aprendizagem de língua em sala de aula, que surgem a partir da singularidade do processo de aprendizagem de uma LE. Os autores apresentam três componentes da ansiedade. O primeiro seria a apreensão em relação à comunicação, isto é, os aprendizes adultos têm idéias e opiniões maduras, mas um vocabulário na LE imaturo e insuficiente para que possam expressá-lo. Essa falta de habilidade para se fazer entendido ou compreender os outros traz frustrações e apreensão. Esse primeiro componente tem uma grande influência na ansiedade lingüística, uma vez que o medo e o receio impedem e inibem o aluno de se arriscar e tentar se expressar na língua que está aprendendo.

O segundo componente é o medo de avaliação social negativa, ou apreensão em relação às avaliações dos outros. Devido ao fato de os alunos serem muitas vezes inseguros de si mesmos e do que falam, segundo (Maclntyre & Gardner, 1989), eles têm medo de não serem capazes de causar uma impressão social adequada. Isso ocorre principalmente em situações em que haja outra pessoa mais fluente e capaz de fazer avaliações. Assim, a sala de aula pode se tornar um local propício à ansiedade lingüística.

O terceiro componente é a apreensão em relação à avaliação acadêmica, pois a avaliação do desempenho sempre está presente na sala de aula, sobretudo a avaliação final que pode levar à aprovação ou reprovação. Esse componente está ligado diretamente ao medo de fracassar. Comumente, os professores fazem perguntas ou pedem para os alunos fazerem algum tipo de tarefa em que a participação deles será avaliada com nota. Vários autores (Young, 1990; Gardner, Laborde, Moorcroft & Evers, 1987) sugerem que há uma

relação negativa entre testes de proficiência, por exemplo, tanto escritos quanto orais, e ansiedade.

Mas a ansiedade lingüística não só se compõe dos medos e apreensões transferidos para a aprendizagem, como também se relaciona à própria aprendizagem de LE. Uma das causas da ansiedade seria a natureza competitiva dos sistemas escolares. Young (1992) verificou que a avaliação em sala de aula deixa os alunos ansiosos. Outra causa poderia ser as crenças negativas e superficiais que os alunos têm sobre a aprendizagem de línguas. Oxford (1999) considera como correlatos da ansiedade fatores como auto-estima, tolerância a ambigüidades, habilidade do aprendiz para se arriscar, competitividade, ansiedade proveniente de avaliação, choque cultural e de identidade, ansiedade social e métodos aplicados em sala de aula, além das crenças.

Horwitz et al (1991) verificaram a existência de sentimentos subjetivos, sintomas psicofisiológicos e formas de comportamento relacionados à ansiedade lingüística. Os autores relatam que os aprendizes ansiosos possuem atitudes de “evitação”, ou seja, fogem de situações que possam colocá-los em contato com a LE. Eles podem estudar em demasia para compensar falhas, erros e dificuldades, ou evitar períodos de estudo e até mesmo não comparecer às aulas como forma de aliviar a ansiedade e tensão que sentem. Para Daly (1991), enquanto os alunos menos ansiosos participam mais ativamente das aulas e atividades em geral, os que têm ansiedade mais elevada tendem a esquivar-se de participações verbais.

Segundo Wigfield & Eccles (1989), a ansiedade pode afetar tanto alunos com alto como alunos com baixo desempenho. Alunos bem-sucedidos podem se tornar ansiosos devido às expectativas não realistas dos pais, dos colegas, ou mesmo suas, de que devem ter um ótimo desempenho em todas as disciplinas. No caso de alunos com baixo desempenho, se as situações de fracasso na escola se repetem, a ansiedade pode aumentar como conseqüência do desempenho considerado “pobre”.

Bandura (1986) afirma que o julgamento do individuo sobre sua competência para executar uma determinada tarefa é o mais forte indicador da motivação e do comportamento humano. Isso quer dizer que as crenças influenciam a forma como os aprendizes se sentem durante a aprendizagem de LE, podendo ela ser positiva e proporcionar uma aprendizagem bem-sucedida, ou negativa e levar à ansiedade e inibição

do aprendiz. Portanto, podemos considerar que as crenças têm um componente afetivo capaz de despertar emoções.

De acordo com os resultados de pesquisas, o fator ansiedade lingüística é relevante em qualquer abordagem e método de ensino de línguas, dada a sua grande influência no processo de aprendizagem de LE, o que demonstra que é necessário reduzir ao máximo o estresse e a ansiedade para que os alunos possam ter um ambiente mais propício à aprendizagem (Krashen & Terrell, 1983). Por outro lado, é preciso que sejam desenvolvidas mais pesquisas sobre o tema da ansiedade que possam mostrar como esse estado psicológico pode afetar o aprendizado de uma LE.

Prince (1991) realizou uma pesquisa que trouxe alguns resultados em relação à ansiedade e à auto-estima dos aprendizes, revelando o julgamento que eles faziam de si mesmos e de suas próprias capacidades. Em geral, sentiam-se frustrados consigo mesmos por não poderem se comunicar. Assim, a auto-estima fica vulnerável, pois se consideram incompetentes ou limitados para se expressar na língua-alvo. A ansiedade lingüística pode então ser uma espécie de ameaça à auto-estima na medida em que os destitui de seu meio normal de comunicação, tira a liberdade de cometer erros e os torna incapazes de se expressarem adequadamente.

A auto-estima e a autoconfiança serão abordadas no tópico seguinte.

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