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A Aplicação do Conceito de Metacontingência

Alguns trabalhos foram e estão sendo realizados com a unidade de análise denominada de metacontingência. Assim, Todorov (1987) promoveu um estudo da Constituição Brasileira à luz de tal conceito. Tendo em vista que a Constituição, quer no Brasil, quer em qualquer outro país, tem em seu conteúdo metacontingências cerimoniais e tecnológicas. Desta forma, a Constituição de 1969 (outorgada pela Junta Militar) tem principalmente metacontingências cerimoniais, o que ilustra a forma de Governo da época. Porém, essa mesma Constituição prevê também metacontingências ao processo cultural tecnológico, ao prever ementas aprovadas desde que por dois terços do Congresso.

No momento da revisão da Constituição de 1988, Todorov (1987) considerou diversas reflexões acerca de metacontingências cerimonais e tecnológicas da Constituição, tendo em vista que os constituintes deveriam preocupar-se com as expectativas da população. Caso houvesse apenas metacontingências cerimonais, o acordo político que sustenta a democracia não entraria em vigor, porém, a mesma não poderia ser completamente tecnológica ou abstrata como: “a educação é um direito de

todos e um dever do Estado”, que nesse caso, não especifica nenhuma contingência para que ocorra tal idéia.

Outra pesquisa realizada no Brasil por Todorov, Moreira, Prudêncio & Pereira (2005) refere-se a Contingências e Metacontingências no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Deste modo, os autores compreendem que a unidade de análise metacontingência pode ser utilizada para estudar um conjunto de códigos de leis. Assim, o ECA descreve comportamentos diferentes para vários segmentos da sociedade (juízes, conselheiros tutelares, promotores, psicólogos, pais, responsáveis, crianças e adolescentes) (Todorov, Moreira, Prudêncio e cols, 2005).

Tais descrições comportamentais são partes de contingências semelhantes com um único objetivo: a proteção das crianças e dos adolescentes. O ECA encontra-se em vigor no Brasil desde de 1990 e tem como função, regular todos os procedimentos relativos à proteção integral da criança e do adolescente e tal aplicação ocorre por meio de denúncias de abusos físicos e sexuais levadas a o Conselho Tutelar por exemplo (Todorov e cols., 2005).

Este trabalho teve como objetivo identificar as contingências tríplices entrelaçadas representadas nos artigos dispostos ao longo da Lei. De modo que gerou uma metodologia para estudos acerca de metacontingências em códigos de Leis, possibilitando assim, uma descrição de práticas culturais relacionadas à sociedade (Todorov, Moreira, Prudêncio e cols., 2005).

Uma pesquisa sobre política no Congresso dos Estados Unidos, realizada por Lamal e Greenspoon (1992), descrevem a reeleição como metacontingência que controla o comportamento dos congressistas. Tal pesquisa aponta um paradoxo entre senadores e deputados, pois apesar de serem em sua maioria reeleitos, os eleitores que os elegeram demonstram baixa estima por eles. Isso ocorre porque os padrões de votação são reforçados positivos e negativamente por grupos organizados (interesses específicos).

Tal controle sobre o voto dos deputados e senadores está relacionado em sua maioria, ao dinheiro que financia as campanhas eleitorais. Assim, lobistas e comitês políticos de ação tem crescidos significativamente nos últimos 15 anos e bem como, tem demonstrado um efeito muito grande nas campanhas. Os indivíduos que votam nos

candidatos que tem uma boa propaganda eleitoral e os grupos organizados são sem dúvidas fonte de reforçadores dos mesmos (Lamal e Greenspoon, 1992).

Podendo os comitês políticos servir de operação estabelecedora (evocam a resposta de votar e reforçam a mesma). Para tanto, Lamal e Greenspoon (1992) observam pontos fundamentais que servem como objeto de estudo para a Análise do Comportamento. O primeiro é o estabelecimento de manutenção de contingências que favorecem indivíduos ou grupos, porém entram em conflito com o bem estar da sociedade. Ou seja, o comportamento de deputados e senadores trazem benefícios imediatos (para eles e para alguns segmentos da sociedade), mas são desastrosos em longo prazo e que a massa eleitoral não julga como relevante.

Outro estudo que pode ser realizado à luz da unidade de metacontingência, é a pesquisa sobre Células – Tronco. Isso porque tal estudo engloba diversas contingências que se entrelaçam, com o objetivo final de promover bem-estar para a comunidade.

Entende-se por Células - Tronco (CT), aquelas células primordiais, auto-renováveis e com a capacidade de gerar tipos celulares especializados, como, os neurônios, os hepatócitos e os cardiomiócitos. As CT têm o potencial ilimitado de proliferação e auto-renovação, bem como, capacidade de originar linhagens celulares com funções diversas e de regenerar tecidos (Okamoto e Moreira - Filho, 2004).

As propriedades das CT são estudadas em camundongos acerca de vinte anos, porém em humanos a primeira linhagem de CT foi estudada em 1998 a partir de embriões derivados de fertilização in vitro (Okamoto e Moreira – Filho, 2004).

Em 2001, o Presidente americano George Bush decidiu que os Estados Unidos vão financiar as pesquisas com embriões humanos para a obtenção de CT. Tal liberação ocorre somente com aqueles embriões descartados pelas clínicas de reprodução assistida e mediante a autorização dos casais. Apesar da utilização de embriões para fins exclusivamente terapêuticos continuar proibida, não resta dúvida de que tal decisão gerou avanços científicos e tecnológicos (Garcia, 2003).

O fato das CT serem obtidas em decorrência de embriões humanos e desprezadas por clínicas de fertilização, tem gerado discussões que envolvem políticos, religiosos, médicos, advogados e a sociedade como um todo. Porém, quais as

conseqüências em curto prazo que essa decisão do Presidente americano gerou? E quais as conseqüências em longo prazo que essas pesquisas vão gerar?

Em curto prazo, a decisão do George Bush gera pesquisas na área, mesmo que de forma limitada, em decorrência da não utilização das CT para fins terapêuticos. E também serve de modelo para que outros países invistam em tais pesquisas.

Já em longo prazo, surge a possibilidade de que pessoas que sofrem de doenças crônicas (diabetes tipo 1, nefropatias, doenças cardiovasculares e neurovegetativas), obtenham benefícios em decorrência de tais estudos, tais como: tratamentos menos invasivos e dolorosos, redução no uso de medicamentos e em alguns casos até a cura total das doenças.

Outras conseqüências em curto prazo, é que o Governo investiria mais dinheiro em pesquisas, o que poderia ser visto como um reforço negativo, tendo em vista que a conseqüência em longo prazo seria a diminuição de gastos com tratamentos e remédios. Desta forma, para o Governo, investir em pesquisas com CT além de trazer benefícios específicos para a população gera diminuição da verba pública com saúde. A contingência vigente muda, o que dá lugar a uma contingência de prevenção.

As contingências individuais (pesquisas) se entrelaçam gerando uma contingência última que retroage para os indivíduos, que é a condição de promoção de saúde pública. Assim, o conceito de metacontingência torna-se útil para explicar como que em longo prazo tais pesquisas poderão gerar conseqüências benéficas para a população.

No Brasil, a Câmara aprovou em 2005, o projeto de Lei de Biossegurança que autoriza as pesquisas com CT embrionárias para fins terapêuticos. O Governo Federal investiu R$ 11 milhões em pesquisas com CT adultas e embrionárias. Isso representa um avanço no trabalho dos cientistas brasileiros, pois possibilita melhores condições para que esses profissionais desenvolvam seu trabalho e bem como é um marco de investimento em saúde pública no país.

As conseqüências individuais que mantém esse investimento é além da pressão de portadores de necessidades especiais e pessoas ligadas a Organizações não Governamentais, é a questão da redução de verbas destinadas à saúde. De modo que se investe em pesquisas para que posteriormente invistam-se menos recursos públicos

em cirurgias, medicações, tratamentos, dentre outros. Já a conseqüência comum em longo prazo nessa metacontingência é a promoção de saúde coletiva

V. Conclusão

O conceito de metacontingência contribui muito para analistas do comportamento compreenderem comportamentos complexos. Isso porque não seria possível compreender como diversos indivíduos interagem sem estabelecer as relações existentes entre as diversas contingências entrelaçadas e bem como seu produto agregado. Não seria possível também compreender de que forma as contingências foram organizadas até chegar à conseqüência final.

Cabe ressaltar a implicação que o conceito de metacontingência traz a analistas do comportamento, pois a partir dessa premissa estes terão que assumir o compromisso de voltar seu olhar para questões sociais para assim poder compreender o indivíduo. Outro fator importante é manter os preceitos do Behaviorismo Radical e não cair no reducionismo (tudo é metacontingência).

Por fim, a necessidade em retomar o comportamento verbal como estudo a partir do Verbal Behavior proposto por Skinner (1957), pois além de descrever unidades que compõe o comportamento verbal faz-se necessário dar conta dos fenômenos ditos como “pensamentos”. E ao rejeitar a contingência tríplice para explicar comportamentos sociais, o analista do comportamento assume a metacontingência como sua unidade de estudo, trazendo possíveis implicações conceituais e metodológicas e com isso, novas formas de discussões acerca do comportamento humano.

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