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A aplicação do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade e a

3 A VIABILIDADE DA EUTANÁSIA NO BRASIL E EM PORTUGAL A

3.1 A relação da eutanásia com os princípios constitucionais brasileiros

3.1.4 A aplicação do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade e a

Imperioso trazer, nesse momento, uma análise acerca dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.

Tais princípios consistem em parâmetros essenciais para o controle de restrições a direitos fundamentais, largamente utilizados pelas Supremas Cortes e Cortes Constitucionais contemporâneas.

Em sua clássica formulação no constitucionalismo germânico, a proporcionalidade se decompõe em três subprincípios:

“a) adequação: aptidão do meio eleito em fomentar a promoção da finalidade pretendida; b) necessidade: aferição da impossibilidade de o objetivo pretendido ser promovido, com a mesma intensidade, por intermédio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido; c) proporcionalidade em sentido estrito: sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva.”268

Cabe frisar que a doutrina enxerga como manifestação típica do excesso do Poder Legislativo a violação do princípio da proporcionalidade. Esta se revela quando se manifesta por meio da contrariedade, incongruência e irrazoabilidade, bem como pela inadequação entre os meios e os fins legislativos.269

 

267 SARMENTO, Daniel - Dignidade da Pessoa Humana. Conteúdo, Trajetórias e Metodologia. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 170.

268 SILVA, Luís Virgílio Afonso da - O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais. 798, p. 23-50, abr. 2002.

269 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet - Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017 (Série IDP), p. 223.

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Desse modo, para que se utilize o princípio da proporcionalidade dentro do direito constitucional, é preciso que se envolva a apreciação de necessidade e adequação da providência legislativa.270

Assim, nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes, “uma lei será inconstitucional, por infringente ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso”271.

Entrando na análise do princípio da proporcionalidade no ordenamento jurídico brasileiro, o Professor Paulo Bonavides afirma que tal princípio não pode existir enquanto norma geral de direito escrito, entretanto, “existe como norma esparsa no direito constitucional”272.

E prossegue: “Mas é na qualidade de princípio constitucional ou princípio geral de direito, apto a acautelar do arbítrio do poder o cidadão e toda a sociedade, que se faz mister reconhecê-lo já implícito e, portanto, positivado em nosso Direito Constitucional”273.

Concordamos com a posição do Professor Bonavides de que a violação ao princípio da proporcionalidade é, sem dúvidas, a maior das inconstitucionalidades, haja vista que não é possível a existência de uma ordem constitucional sem esse princípio e, sem ele, tal ordem não terá mais a possibilidade da garantia para as liberdades, que só são possíveis graças à ausência de arbítrio e de poderes absolutos.274

“Quem atropela um princípio constitucional, de grau hierárquico superior, atenta contra o fundamento de toda ordem jurídica. A construção desta, partindo de vontade constituinte legítima, consagra a utilização consensual de uma competência soberana de primeiro grau.”275

Nesse âmbito, o princípio da proporcionalidade é um direito positivo no ordenamento constitucional brasileiro, apesar de não advir dele uma formulação de norma jurídica, apesar disso, flui do art. 5º, §2º a abrangência da parte não escrita ou não expressa dos direitos e garantias do Magno Texto, dentre eles, os direitos e garantias que advém da

 

270 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet - Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017 (Série IDP), p. 223.

271 Ibid., p. 224.

272 BONAVIDES, Paulo - Curso de Direito Constitucional. 32ª ed., atual. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 444.

273 Ibid., p. 445. 274 Ibid., loc. cit. 275 Ibid., p. 446.

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natureza do regime e essência do Estado Democrático de Direito e dos princípios que ele carrega e fazem inviolável a unidade do Texto Maior. 276

Nesse contexto, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são parâmetros fundamentais para o controle e restrições aos direitos fundamentais. A proporcionalidade aparece na Constituição Federal de 1988, ora pelo substantivo “proporcionalidade”, ora pelo adjetivo “proporção”, ora pelo advérbio “proporcionalmente”.

Sendo assim, há de se indagar o porquê de a Constituição de 1988 se interessar pelo que é proporcional. Ela se interessa porque não possível que haja justiça material sem a consideração da proporcionalidade, haja vista que o que não é proporcional não é justo.

Desse modo, a “proporcionalidade” e a “razoabilidade” estão no ordenamento jurídico brasileiro como elementos da justiça enquanto um princípio filosófico e enquanto um valor material, bem como um valor objetivo. Podendo tais princípios ser considerados como elementos conceituais da Justiça.

Posto isso, pergunta-se: seria proporcional ou razoável criminalizar a prática da eutanásia quando o solicitante, devidamente capaz e esclarecido acerca de seu quadro de incurabilidade e terminalidade, a solicita, inclusive quando não há mais chances de se viver uma vida plena e não se atingir a felicidade?

Se levarmos em conta, também, os princípios da ética aristotélica, a resposta é única: não é proporcional, muito menos razoável, manter o tipo penal que trata analogamente da eutanásia, isso porque a ética aristotélica era baseada no princípio de uma “vida boa”. Aristóteles dizia que a felicidade era o bem supremo no âmbito da ação, de forma que o viver bem, ser feliz e agir de maneira correta, seriam a mesma coisa.277

Portanto, não é razoável se impor a mantença de uma vida na qual, para o seu portador, não há mais meios de se usufruir de uma felicidade, mas seria correto o Estado permitir e regular a prática da eutanásia, para quem o lucidamente a desejar, uma vez que a proteção do Estado para garantir esse direito, traria, de alguma forma, uma esperança e felicidade para um fim de vida minimamente digno e a garantia do agir de maneira ética para trazer o bem para os seus cidadãos.

 

276 BONAVIDES, Paulo - Curso de Direito Constitucional. 32ª ed., atual. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 446.

277 KAUFMANN, Arthur - Filosofia do Direito. 5ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2014, p. 253.

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Kaufmann, trazendo o conceito de “bem” para a ética aristotélico-tomista, preceitua que este seria universalizável a partir do princípio supremo de fazer o bem para, assim, evitar o mal. Entretanto, o filósofo alemão acredita que a felicidade só poderia ser universalizável se pensada de maneira abstrata, sem algum conteúdo.278

Citando Henrich Rommen, Kaufmann concorda que só existiriam duas máximas universalizáveis dentro do direito natural. A primeira seria “fazer o justo de forma a evitar o injusto”, a segunda, “dar a cada um o que é seu”.

Acreditamos que, no caso da eutanásia, o justo e o razoável seriam dar, ao paciente solicitante dessa ferramenta, autonomia para escolher morrer com dignidade, pois a autonomia e a dignidade são direitos de cada um e cabe ao Estado cumprir com o seu dever de justiça de dar a cada qual o que lhe é devido.

Ao citar Kant, Kaufmann explica que o filósofo propõe uma ética absoluta, que deve ser válida a todos os homens, segundo a qual não existe nada no mundo que possa ser considerado como bom, sem nenhum tipo de restrição, que não a boa vontade. E, nessa linha, surge o conceito de imperativo categórico, de agir de modo que a sua máxima possa servir de máxima universalizável por todos os seres racionais e, posteriormente, “age de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de cada um dos outros, sempre simultaneamente como fim e nunca apenas como meio”279.

Concordamos com a análise trazida por Kaufmann quando este admite que o princípio da universalização tomou forma a partir de Kant com o imperativo categórico. Entretanto, o critica pois acredita que este seria demasiadamente abstrato e lhe falta referência temporal concreta, uma vez que ignora as circunstâncias das situações em concreto, sendo, para ele, uma ética da convicção, completamente desproporcional e irrazoável, ao nosso ver.280

O filósofo ainda pontua que “a ideia de bem na validade geral (e necessidade) dum querer, está excluído reconhecer também um bem para mim enquanto pessoa individual”281.

Sendo assim, importante trazer, aqui, a reflexão de que, se o imperativo categórico de que cada ser racional somente deve agir em conformidade com a máxima

 

278 KAUFMANN, Arthur - Filosofia do Direito. 5ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2014, p. 253.

279 Ibid., p. 255. 280 Ibid., p. 255-256. 281 Ibid., p. 256.

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que consegue universalizar, esta seria aplicável ao caso da eutanásia, uma vez que “uma pessoa livre, numa situação concreta que solapa sua dignidade, ao pretender o fim de sua própria vida, deve admitir, diante das circunstâncias, essa máxima, simultaneamente como lei universal”.282

Portanto, a partir do princípio da dignidade da pessoa humana, devem ser sopesadas as condições pelas quais um princípio deve suceder a outro, de modo que a máxima pretendida pelo sujeito do direito possa ser admitida, simultaneamente, como um direito individual seu e, ao mesmo tempo, como uma máxima universalizável, ou seja, que possa ser exercida por uma pessoa nas mesmas circunstâncias.

Ora, os índices trazidos na pesquisa abordada no capítulo anterior, no item 2.9, apontam que 57% de um universo de 354 profissionais da área da saúde entrevistados pelo Hospital Universitário de Santa Terezinha, em Santa Catarina, declararam que solicitariam a eutanásia caso tivessem uma doença terminal283 e, 67% dos 1005 portugueses

entrevistados pela Eurosondagem afirmaram que defendem a eutanásia em seu país284. A

partir desses números, é possível concluir que a máxima da viabilidade da eutanásia pode ser universalizável, pois existe uma maioria em ambos ao países que pleiteariam esse direito se estivessem passando por uma doença de terminalidade, caso do Brasil, ou que simplesmente se mostram favoráveis à sua legalização, no caso de Portugal. Portanto, acreditamos que não é proporcional que a legislação brasileira ou portuguesa desconsiderem a liberdade do paciente terminal, a sua concepção de vida e dignidade para lhe impor um dever de viver, de maneira que a legislação penal precisa ser interpretada de modo a considerarem esses valores, pois a sua ignorância voluntária causa desvantagens maiores do que os benefícios que ela proporciona. Em suma, se mostra desproporcional e irrazoável, por não passar pelo crivo da ponderação.285

 

282 DIAS, Roberto - O direito fundamental à morte digna: uma visão constitucional da eutanásia. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 124.

283 BRANDALISE, Vitor Bastos; REMOR, Aline Pertile ; CARVALHO, Diego de ; BONAMIGO, Elcio Luiz - Suicídio assistido e eutanásia na perspectiva de profissionais e acadêmicos de um hospital universitário. Revista Bioética. [Em linha]. 26:2 (2018), p. 217. [Consult. 02 Maio 2019]. Disponível em WWW:http://www.scielo.br/pdf/bioet/v26n2/1983-8042-bioet-26-02-0217.pdf.

284 ARREIGOSO, Vera Lúcia - Maioria dos portugueses defende legalização da eutanásia. Expresso. [Em linha]. Lisboa, 11 Mar. 2016. [Consult. 28 Fev. 2019]. Disponível em WWW:https://expresso.pt/dossies/diario/2016-03-11-Maioria-dos-portugueses-defende-legalizacao-da- eutanasia#gs.a4q5j0.

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3.2 A aplicação da dignidade da pessoa humana e a eutanásia em Portugal