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3. A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA

3.3 Análise dos Critérios utilizados

3.3.3 A aplicação do princípio do “in dubio pro societate”

O chamado princípio do in dubio pro societate (na dúvida decide-se em favor da sociedade) é um tema bastante polêmico entre juristas e doutrinadores do direito. Para alguns, o brocado nem mesmo poderia ser chamado de princípio. Para outros, é um importante preceito que deve ser utilizado, principalmente, em favor da sociedade em crimes atinentes ao Tribunal do Júri.

Segundo Melo Neto e Souza (2012), o princípio do in dubio pro societate é, costumeiramente, invocado por vasto setor da comunidade jurídica em, pelo menos, dois momentos específicos: no ato de recebimento da inicial penal e na fase de pronúncia no procedimento do júri. Esses Autores ainda discorrem que a dúvida contra o réu neste procedimento é acionada quando, após a primeira fase de instrução, o juízo decide sobre encaminhar o acusado a júri ou não com o uso da decisão de pronúncia. Na elaboração da decisão de pronúncia, segundo o senso comum dos juristas, aplica-se o in dubio pro societate e afasta-se o in dubio pro reo.

Tanto em um como em outro momento, uma das idéias fundamentais representadas pelo referido "princípio" é a seguinte: a dúvida quanto à autoria da infração penal que, normalmente, milita em prol do réu (in dubio

pro reo), nessas situações especiais, resolve-se em favor da sociedade (da

acusação, portanto). (MELO NETO e SOUZA, 2012).

Para Nunes (2013), esse princípio funciona para o caso de haver dúvidas do juiz, a respeito da autoria, no momento de prolatar a decisão de pronúncia, hipótese em que deve o magistrado optar por pronunciar o réu. O juiz deve, assim, proceder, continua essa Autora, não somente em razão do in dubio pro societate, mas em obediência à garantia do Tribunal do Júri, que é o juiz competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, não

86 cabendo, portanto, na fase da pronúncia, a inquirição para o convencimento absoluto do juiz da instrução quanto à materialidade e autoria.

Nesse mesmo sentir, em favor do principio do in dubio pro societate, é o posicionamento de Nucci (2008, p. 88-89):

A partir do momento em que o juiz togado invadir seara alheia, ingressando no mérito do elemento subjetivo do agente, para afirmar ter ele agido com

animus necandi (vontade de matar) ou não, necessitará ter lastro suficiente

para subtrair, indevidamente, do Tribunal Popular a competência constitucional que lhe foi assegurada. É soberano, nessa matéria, o povo para julgar seu semelhante, razão pela qual o juízo de desclassificação merece sucumbir a qualquer sinal de dolo, direto ou eventual, voltado à extirpação da vida humana.

De outro norte, o princípio do in dubio pro societate, para Rangel (2007, p. 79), “não é compatível com o Estado Democrático de Direito, onde a dúvida não pode autorizar uma acusação, colocando uma pessoa no banco dos réus”. Esse Autor ainda destaca que não há nenhum dispositivo legal que autorize a utilização desse princípio. Nesse sentir, é também o posicionamento de Lopes Junior (2012, p. 553):

Importante destacar que a presunção de inocência e o in dubio pro reo não podem ser afastados do rito do Tribunal do Júri. Ou seja, além de não existir a mínima base constitucional para o in dubio pro societate (quando da decisão de pronúncia), é ele incompatível com a estrutura de cargas probatórias definida pela presunção da inocência.

Já, para Feitosa (2009, p. 506), o in dubio pro reo não deve ser utilizado para subtrair causas cuja competência pertence por direito ao Tribunal do Júri, pois “O princípio do in dubio pro reo (princípio do favor rei) aplica-se apenas no momento em que se pode condenar, e, nesse momento, no iudicium accusationis, não há condenação”. Esse Autor ainda acrescenta que o in dubio pro societate só poderia ser utilizado, no que tange à dúvida, quanto aos elementos subjetivos da autoria, pois, quanto à materialidade não é possível haver dúvidas. “Não pode haver, quanto aos aspectos objetivos do crime, o grau de dúvida que é possível quanto aos demais aspectos, pois a lei exige que o juiz esteja „convencido da materialidade do crime‟” (FEITOSA, 2009, p. 506).

Discorda desse entendimento Badaró (2009, 2009, p. 79), ao afirmar que: Com relação à materialidade, o art. 413, caput, do CPP estabelece um critério de certeza: o juiz “se convencer” da existência do crime. Assim, se houver dúvida quanto a haver ou não prova da existência do crime, o acusado deve ser impronunciado. Já com relação à autoria, o requisito legal não exige certeza, mas sim a probabilidade da autoridade delitiva: deve

87 haver “indicios suficientes” da autoria. É claro que o juiz não precisa ter certeza ou “se convencer” da autoria. Mas se estiver na dúvida se estão ou não presentes os “indícios suficientes de autoria”, deverá impronunciar o acusado, por não ter sido atendido o requisito legal. Aplica-se, pois, na pronúncia, o in dubio pro reo.

Sobre o tema, destaca-se o posicionamento contido no seguinte julgado: A complexidade em distinguir o dolo eventual da culpa consciente demonstra a temeridade de se aplicar de modo indiscriminado o brocardo jurídico in dubio pro societate, a fim de se submeter, de forma automática, o motorista que conduza veículo automotor após ingestão de bebida alcóolica e se envolva em acidente de trânsito com vítimas a julgamento perante o Tribunal do Júri, sendo imprescindível um controle mais acurado no juízo de admissibilidade da pronúncia nestes casos. (Recurso Criminal n. 2010.058774-7, de Chapecó Relator: Des. Newton Varella Júnior)

Para Pierangeli (2007, p. 62), o princípio do in dubio pro reo não deveria ser utilizado na decisão de pronúncia, pois “(...) ao juiz não é dado fugir à responsabilidade de um julgamento, atirando-a aos jurados, lavando suas mãos na pia do conflito emocional”. O Autor ainda acrescenta que “a doutrina e o bom senso indicam que em caso de dúvida, deve-se fazer a opção pela culpa consciente, que é a mais benevolente e também a menos estigmatizadora. Na incerteza, portanto, a prudência recomenda uma solução de menor componente punitivo” (PIERANGELI, 2007, p. 62).

Segundo Lopes Junior (2012, p. 1000), por mais consistente que seja o discurso em torno da soberania do júri, princípio este constitucional, o brocado in dubio pro societate não consegue dar conta desta missão, de modo que “não há como aceitar tal expansão da „soberania‟ a ponto de negar a presunção constitucional da inocência. A soberania diz respeito à competência e limites ao poder de revisar as decisões do júri. Nada tem a ver com a carga probatória”.

Nesse contexto, Melo Neto e Souza (2012) ainda destacam:

[...] a conclusão sobre o in dubio pro societate é simples, porquanto é antagônico ao que foi por ele escrito. O in dubio pro societate é: na dúvida, a favor da sociedade, na dúvida, soluciona-se a favor da sociedade. Embrenhado no conceito de “favor da sociedade” está a obviedade de que se decide contra o cidadão acusado em processo criminal. Importante salientar que a decisão não é, então, a favor da sociedade e sim contra o acusado, a expressão mais acertada seria in dubio contra reo.

Diante do exposto, é possível verificar que o chamado princípio do in dubio pro societate deve ser aplicado com cautela, especialmente no que tange à análise do

88 elemento subjetivo no caso da incidência, ou não, do dolo eventual nos homicídios praticados no trânsito, conforme o seguinte entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. HOMICÍDIO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DOLO EVENTUAL. CULPA CONSCIENTE. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. PRONÚNCIA. APLICAÇÃO DO BROCARDO IN DUBIO PRO

SOCIETATE. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS DO DOLO

EVENTUAL. DÚVIDA NÃO CARACTERIZADA.

DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA QUE SE IMPÕE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. Inexistente qualquer ambigüidade, obscuridade, contradição ou omissão no aresto impugnado, insubsistente a alegada contrariedade ao art. 619 do CPP. A revaloração do contexto probatório firmado pelo Tribunal a quo, diferente do reexame de provas vedado pela Súmula 7/STJ, é permitida em sede de recurso especial.

A pronúncia do réu, em atenção ao brocardo in dubio pro societate, exige a presença de contexto que possa gerar dúvida a respeito da existência de dolo eventual. Inexistente qualquer elemento mínimo a apontar para a prática de homicídio, em acidente de trânsito, na modalidade dolo eventual, impõe-se a desclassificação da conduta para a forma culposa (REsp 705416 / SC, Sexta Turma, rel. Min. Paulo Medina, j. 23/5/2006, grifei).

Baseado nessa premissa, isto é, da necessária cautela na aplicação do princípio do in dubio pro reo, até mesmo o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina já se posicionou a respeito:

A complexidade em distinguir o dolo eventual da culpa consciente demonstra a temeridade de se aplicar de modo indiscriminado o brocardo jurídico in dubio pro societate, a fim de se submeter, de forma automática, o motorista que conduza veículo automotor após ingestão de bebida alcóolica e se envolva em acidente de trânsito com vítimas a julgamento perante o Tribunal do Júri, sendo imprescindível um controle mais acurado no juízo de admissibilidade da pronúncia nestes casos. (Recurso Criminal n. 2010.058774-7, de Chapecó, Relator: Des. Newton Varella Júnior).

Almeida (2011) destaca outro ponto importante no que tange ao dolo eventual e o princípio do in dubio pro societate, uma vez que, segundo sustenta, o ápice da discussão deve residir no momento que deve o juiz reconhecer a incidência do dolo eventual. Essa Autora, ainda, destaca que não poderia o juiz afastar a incidência do dolo em sede de pronúncia, tendo em vista que, se já aceitou a denúncia, não seria na decisão de pronúncia que o dolo deveria ser afastado, posto que, nesse momento, o juiz deve limitar-se a analisar a presença de materialidade e indícios de autoria do crime já por ele aceito na denúncia. “O entendimento majoritário é no sentido de que todas as teses defensivas apresentadas, mesmo que na primeira fase do procedimento, devem ser analisadas pelo próprio Júri, posto que em

89 sede de decisão de pronúncia, o que se verifica é, tão somente, a viabilidade da ação penal” (ALMEIDA, 2011).

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