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O direito à aposentadoria é uma questão central a ser discutida quando se fala em envelhecimento. A criação desse direito representa uma nova forma de conceber a velhice, advinda de uma série de transformações sofridas pela sociedade. Essas mudanças levaram à criação de instituições que tenderam a substituir a família na assistência das gerações mais velhas.

A questão da aposentadoria começou a se evidenciar quando a primeira geração de operários começou a envelhecer. Neste período, por volta da segunda metade do século

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XIX, a velhice era associada à invalidez e à incapacidade de produzir. Assim, tratava-se de saber o que fazer com aqueles que, devido à idade, não podiam mais garantir sua sobrevivência através do trabalho. A discussão girava em torno de definir quem arcaria com a responsabilidade em tratar o velho, se a família ou e empresa.

Somente no final do século XIX é que a aposentadoria entrou na pauta de reivindicações dos assalariados. Segundo Morrison (1986), ao falar do contexto norte- americano, a crença no declínio da capacidade produtiva dos trabalhadores mais velhos, desde meados do século XIX, foi um dos fatores que impulsionou a ideologia que atribuía ao governo a responsabilidade de garantir a segurança de renda aos assalariados15. Muitos estereótipos negativos em relação à capacidade de trabalho dos mais velhos foram sendo construídos, os quais desempenharam um papel importante no posterior processo de desenvolvimento de políticas de aposentadorias.

Na França o sistema obrigatório de aposentadoria surgiu entre 1928 e 1930, sendo sua generalização a todas as categorias profissionais alcançada em 1945. Nos Estados Unidos as primeiras medidas no sentido de desenvolver uma política de aposentadoria surgiram nos anos 30, em resposta à grande depressão. Foi também no pós-guerra, por volta de 1945, que o sistema se expandiu à todas as categorias de trabalhadores.

Embora a aposentadoria desse a possibilidade de autonomia aos idosos, a luta pela sua obtenção não representava um desejo de independência financeira dos mais velhos em relação aos filhos. Ainda que o direito à aposentadoria assegurasse, mesmo que precariamente, algum meio de subsistência independentemente do auxílio da família, essa conquista não implicou no enfraquecimento das relações familiares. Ao contrário, a renda obtida pelo idoso através da aposentadoria era uma maneira de contribuir para o sustento e subsistência de toda a família.

De todo modo, fica evidente que com a ampliação das camadas médias assalariadas a luta pela aposentadoria ganhou força, se estendendo a uma série de outros setores sociais e profissionais que antes não eram previstos. Como já tratado, houve um período em que

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velhice e pobreza eram associadas, sendo a aposentadoria a forma de garantir meios de subsistência ao velho pobre. Com a industrialização e a ampliação do trabalho assalariado, a aposentadoria passou a ter a função de assegurar não somente a velhice dos pobres, mas também de setores médios que tinham nas associações e sindicatos importantes aliados na luta por melhores condições de aposentadoria.

Assim, foi formada uma gama de instituições e agentes especializados no envelhecimento, dentre eles os especialistas em geriatria, gerontologia, os fundos de pensão. Esse sistema, com função especifica de tratar da velhice, se inseriu entre as gerações na família de modo a se distinguir totalmente das outras instituições destinadas a tratar da pobreza em geral. Como já dito, a associação velhice e pobreza foi desfeita, e a aposentadoria e o sistema de tratamento voltado paro o idoso não mais se direcionavam apenas os velhos pobres. Neste contexto, em que surge a idéia de ‘terceira idade’, as medidas voltadas aos idosos passam de um alcance individual e isolado para uma preocupação pública. Neste momento é que as políticas voltadas aos idosos passam a não se preocupar somente com seus meios de subsistência, mas também com suas atividades culturais, de lazer e etc. A aposentadoria, antes pensada como uma fase de recolhimento, passa a ser vista como um período de atividades, como a etapa da vida mais propícia para a realização de planos deixados de lado ao longo da vida.

Entretanto, reduzir a invenção da terceira idade à atuação dos profissionais especializados no cuidado com a velhice seria um equivoco.

“Essas novas representações corresponderam à demanda por novas formas de gestão da velhice que resultaram, conforme assinala Lenoir, de transformações nas relações entre as gerações. Tais transformações estiveram ligadas, por sua vez, a mudanças no modo de reprodução social e na posição do grupo doméstico no interior dos mecanismos de reprodução.” (DEBERT e SIMÕES, 1998, p.36).

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Faz-se necessário, nesse momento, situar a questão do direito à aposentadoria no contexto brasileiro16. A previdência social no Brasil se instituiu nos anos 30, marcada por duas importantes características:

1) Promoveu a inclusão aos direitos sociais mediante o critério da inserção no mercado de trabalho.

2) Expandiu-se de acordo com a importância de certos setores econômicos e com a capacidade de mobilização e reivindicação das categorias de trabalhadores.

Neste período, a aposentadoria não estava diretamente relacionada a um direito obtido em função da entrada em determinada faixa estaria, mas sim como uma forma de garantir o sustento na velhice a partir da contribuição ao longo dos anos de trabalho. Era, portanto, a aposentadoria por tempo de serviço, conseguida através da comprovação da contribuição dada aos institutos previdenciários. Essa forma de aposentadoria diferenciava os trabalhadores entre os que possuíam e os que não possuíam alguma forma de sistema de previdência. Nesses sistemas, os trabalhadores dividiam-se em categorias profissionais, tendo cada uma seu próprio instituto de aposentadoria e pensão.

A criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966, marca a unificação desses sistemas. Essa unificação rompeu com o modelo corporativista que dividia os trabalhadores em diversas categorias profissionais, representando uma tendência de homogeneização dos benefícios e de universalização do direito à aposentadoria.

No entanto, foi principalmente a partir da década de 80 que a questão dos direitos dos idosos ganhou força no Brasil. Essa década esteve sensivelmente marcada pela transformação do idoso em novo ator político no país. Isso se deu, em certa medida, pela nova ênfase dada ao tema na constituição de 1988, momento a partir do qual a questão da velhice e principalmente da violência contra o idoso tornaram-se temas importantes para a formulação de políticas públicas. Esse momento é marcado pela preocupação da sociedade brasileira com o reconhecimento dos direitos sociais de um modo geral, especialmente em relação à violência e às minorias discriminadas. A idéia era que a universalidade dos

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direitos só poderia ser conquistada se a luta pela democratização da sociedade contemplasse as formas de opressão específicas que incidiam em cada grupo desfavorecido.

Conforme aponta Debert (2001), foi nesse período que o combate à violência contra o idoso passou a ser alvo de ações governamentais. A preocupação da sociedade brasileira em relação à distribuição da justiça e à consolidação dos direitos sociais, juntamente como empenho de grupos do governo e da sociedade civil, configuraram o contexto de surgimento de políticas públicas especialmente voltadas à população mais velha. Dentre essas políticas podemos destacar, no estado de São Paulo, a criação das Delegacias de Política de Proteção ao Idoso17 e do Grupo de Atuação Especial de Proteção ao Idoso (GAEPI) do Ministério Público.