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5. A Constituição de 1988 e o aperfeiçoamento do sistema de controle de

5.2 As inovações introduzidas pelo Poder Constituinte originário

5.2.3. A arguição de descumprimento de preceito fundamental

A Constituição de 1988 prevê no art. 102, §1º270, dentre as competências do STF, o julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, e designa amplo poder de conformação ao Legislador ao remeter sua regulamentação a lei ordinária.

Como a norma constitucional sequer elencou em quais hipóteses caberia o ajuizamento de tal demanda e quem seriam os legitimados para propô-la, o STF deixou de conhecer das arguições de descumprimento de preceito fundamental ajuizadas até a edição da Lei 9.882/99 por entender que a norma disposta no art. 102, §1º da Constituição não era auto-aplicável e carecia de regulamentação.

A única certeza que se extraía do dispositivo constitucional supracitado é que se trata de instrumento de controle concentrado de constitucionalidade, eis que inserido em capítulo que trata das competências do Supremo Tribunal Federal, e não incluído no inciso III do art. 102, que trata do recurso extraordinário e, por

269 No MI nº 20, acórdão publicado em, Relator Min. Celso de Mello, órgão julgador: Pleno, MI nº 485,

acórdão publicado em 23/08/2002 , Relator Min. Maurício Correa, órgão julgador: Pleno e MI nº 585, acórdão publicado em 02/08/2002 , Relator Min. Ilmar Galvão, órgão julgador: Pleno.

270 Originariamente era previsto no parágrafo único de tal artigo, no entanto, diante da Emenda

conseguinte, do controle difuso de constitucionalidade. Logo, a decisão proferida em sede de ADPF produz efeitos erga omnes, característico do controle concentrado.

Conforme já esclarecido na introdução ao presente trabalho, as inovações legislativas ao sistema de controle de constitucionalidade brasileiro serão analisadas no próximo capítulo, já que adotado o critério cronológico para demonstrar a evolução do referido sistema. Portanto, como a arguição de descumprimento de preceito fundamental foi tratada por completo pela Lei 9.882/99, suas nuances serão examinadas no capítulo a seguir.

Verifica-se da sistemática introduzida pelo Poder Constituinte em 1988 que, ao modelo misto de controle de constitucionalidade brasileiro, foram acrescentados diversos institutos de controle por via de ação direta. O controle de constitucionalidade que até então era exercido tipicamente pela via difusa e, excepcionalmente, pela via concentrada em razão da estreita legitimidade ativa conferida pela Constituição de 1967 e EC nº01/69, teve um incremento na utilização da via de ação direta. Tal alteração possui correlação com o fato de o Poder Constituinte ter adotado a concepção de Estado democrático de direito. Senão vejamos:

O controle de constitucionalidade difuso exige a existência de litígio envolvendo direitos subjetivos e, por conseguinte, não se ocupa de verificar a constitucionalidade de normas ou ato normativos que não sejam passíveis de alicerçar pretensões subjetivas. Por conseguinte, em um Estado Liberal de Direito, que se caracteriza pela defesa das liberdades civis, pela proteção da propriedade privada, pela adoção do livre mercado e pelo Estado mínimo, o controle de constitucionalidade difuso é suficiente para proteger os direitos e liberdades assegurados aos cidadãos pela Constituição. Ao reverso, o Estado Social de Direito é um estado intervencionista, que visa o bem-estar social de todos e, portanto, se trata de agente da promoção social e organizador da economia. Agregando-se a esse conceito o princípio da soberania popular e da dignidade da pessoa humana, chega-se ao Estado democrático de direito, onde a Constituição exerce papel transformador da sociedade, na medida em que prevê a implementação de políticas públicas para tanto, carecendo muitas de suas normas de conformação por parte do Poder Legislativo e Executivo. Por conseguinte, como a norma passa a operar como instrumento de governo, os atos normativos são produzidos em número cada vez maior, mormente diante do dinamismo dos fatos que pretendem regular. Tais normas, que muitas vezes não veiculam pretensões subjetivas, necessitam ser submetidas a um controle de constitucionalidade a fim de que seja

averiguada sua conformidade com a Constituição, tanto no que atine a sua compatibilidade formal como material. Nesse diapasão, o controle de constitucionalidade concentrado por permitir maior alcance no que diz respeito à ocorrência de inconstitucionalidade legislativa, por ser meio mais célere de resolução de conflito constitucional e por apresentar eficácia contra todos se adequa melhor a um estado democrático de direito do que o controle puramente difuso.

Desse modo, a combinação de controle difuso e concentrado no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro permitiu a verificação de constitucionalidade de leis e atos normativos em abstrato, garantindo maior celeridade em questões de relevância nacional, bem como manteve o direito do cidadão em provocar a jurisdição constitucional através do controle incidental, preservando sua participação em processo de suma importância para a interpretação e aplicação de normas constitucionais.

O sistema adotado pela Constituição de 1988, no entanto, causou aumento considerável de demandas perante o Supremo Tribunal, além de acarretar muitas vezes pronunciamentos contraditórios de órgãos jurisdicionais diversos, criando assim um estado de incerteza, que custava a ser sanado, se não fosse ajuizada ADI, diante da demora do STF em resolver definitivamente uma questão incidental de constitucionalidade, já que necessário o esgotamento de todas as instâncias inferiores e por tal decisão não produzir eficácia contra todos. Com o intuito de racionalizar a prestação jurisdicional constitucional, o Poder Constituinte Derivado e o Legislador Ordinário promoveram alterações no modelo vigente que serão analisadas no próximo capítulo.

6. Alterações introduzidas no modelo de controle de constitucionalidade