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Tratarei, agora, dos modos pelos quais os sentidos internos auxiliam o intelecto com respeito à conceitualização e ao assentimento. Minha análise é baseada na

311 Esta distinção entre a pergunta pelo o que é (ti estin) e pelo por que é (to dioti) é apresentada por

Aristóteles nos Segundo Analíticos (II 89b23-25; 90a13-15).

312 Idem. 313 Idem. 314 Idem.

315 AVICENNE. Le Livre de Science I, Logique. Trad. Mohammad Achena et Henri Masse, p. 90-1. 316 Sobre o fato de a definição não ser demonstrável, cf. STROBINO, R. Avicenna on Indemonstrability

descrição da suas contribuições para a produção do conhecimento (ʻīlm) segundo o K.

al-nafs V.3, no qual Avicena esclarece como as formas materiais são usadas pelo intelecto317:

As faculdades animais auxiliam a alma racional em [algumas] coisas, dentre elas, o sentido, que faz parte do conjunto [das faculdades animais], transfere para ela os particulares. Então, ocorrem [na alma racional], a partir dos particulares, quatro coisas. A primeira delas é a extração, pela mente, dos universais simples a partir dos particulares por meio da abstração das suas intenções da matéria, das suas aderências da matéria e dos seus agregados e a consideração do que nisto é comum, do que é diferente, essencial e acidental em sua existência. Então, a partir disto originam-se, na alma, os princípios da conceitualização com a ajuda e emprego da imaginação e da estimativa.318

Basicamente, este primeiro modo consiste no ato intelectual de adquirir universais simples a partir da abstração das intenções que acompanham a matéria e dos acidentes. Isto acontece quando o intelecto considera o que é comum, diferente, essencial e acidental nas formas materiais, resultando na aquisição dos princípios da conceitualização. Assim, pode-se dizer que estas intenções universais319 que advém deles são os universais simples produzidos pelo intelecto quando ele realiza a ação de conceitualizar. Este primeiro momento não pode ser considerado uma ação própria do intelecto dado que ele adquire estes princípios “com a ajuda e emprego da imaginação e da estimativa”320. Trata-se, portanto, de uma ação conjunta entre estes dois sentidos internos e o intelecto; o que aponta para o fato de ambos serem empregados pelo

317 Gutas analisa estes quatro modos relacionando-os aos tipos de primeiros princípios descritos por

Avicena em outras obras. Cf. GUTAS, D. The Empiricism of Avicenna, p. 391-436.

318 ةقطانلا سفنلا نيعت ةيناويحلا ىوقلا نإ اهل لصحتف ،تايئزجلا اهيلع اهتلمج نم سحلا دروي نأ اهنم ،ءايشأ ىف تايئزجلا نع ةدرفملا تايلكلا نهذلا عازتنا اهدحأ ،ةعبرأ رومأ تايئزجلا نم ةداملا نع اهيناعمل ديرجت ليبس ىلع ف ،هدوجو ىضرعلاو هدوجو ىتاذلاو هب نيابتملاو هيف كرتشملا ةاعارمو اهقحاولو ةداملا قئلاعو كلذ نم سفنلل ثدحت مهولاو لايخلل هلامعتسا ةنواعمب كلذو ،روصتلا ىدابم . [K. al-Nafs, V.3, p. 220]

319 Todo sujeito ou predicado de uma proposição é um termo indicando um significado/intenção que pode

ser particular ou universal. A intenção universal consiste nisto que é compartilhado por duas ou mais coisas e que, consequentemente, pode ser predicado de todas elas, enquanto o particular se predica apenas de um único indivíduo. Cf. ALFARABI. The Eisagoge. The Introduction, p. 55.

intelecto no momento da conceitualização e não apenas a imaginação cogitativa ou a faculdade estimativa como propõem as interpretações explicitadas no capítulo anterior.

Tendo sido extraídos, pela mente, os universais simples como, por exemplo, “mortal”, “corpo” e “criado”, os sentidos internos ajudam o intelecto a combiná-los:

A segunda [delas] é a projeção pela alma de relações entre estes universais simples tal como negação ou afirmação. Assim, [realizada] a combinação por negação ou afirmação, o primordial, evidente por si mesmo, é apreendido; quando isto não é o caso, [a alma] abandona para encontrar o termo médio [do silogismo]. 321

O intelecto projeta relações entre estes universais simples ao combiná-los por negação e afirmação de modo a formular proposições. O resultado disto é a apreensão do que é primordial por si mesmo e o abandono do que não é primordial a fim de encontrar o termo médio do silogismo como, por exemplo, “Zayd é mortal”, “ʻAmr é um vegetal”, etc. Neste caso, ainda não está em jogo a verdade da combinação produzida.

A terceira é a aquisição das premissas empíricas, ou seja, a produção pelo sentido de um predicado que deve ser aplicado ao julgamento pertencente a um sujeito de modo afirmativo ou negativo; ou, consequentemente, [por] uma conexão afirmativa ou negativa; ou uma oposição afirmativa ou negativa. Isto não [acontece] em alguns momentos à exclusão de outros, nem de modo idêntico, mas [se trata] de uma existência constante. A alma permanece sobre o que está entre a natureza deste predicado e do sujeito desta relação e a natureza disto [que] se segue é inseparável desta premissa ou é incompatível com ela devido à sua essência, [mas] não por acaso. Esta é uma crença produzida por um sentido e por uma comparação; como está esclarecido na disciplina lógica.322

321 تايلكلا هذه نيب تابسانم سفنلا عاقيإ ىناثلاو هيف فيلأتلا ناك امف ،باجيإ وأ بلس لثم ىلع ةدرفملا وأ بلسب ةطساولا ةفداصم ىلإ هكرت كلذك سيل ناك امو ،هذخأ هسفنب انيب ايلوأ باجيإ . [K. al-Nafs, V.3, p. 222] 322 تايلكلا هذه نيب تابسانم سفنلا عاقيإ ىناثلاو وأ بلسب هيف فيلأتلا ناك امف ،باجيإ وأ بلس لثم ىلع ةدرفملا ،ةيبرجتلا تامدقملا ليمحت ثلاثلاو ،ةطساولا ةفداصم ىلإ هكرت كلذك سيل ناك امو ،هذخأ هسفنب انيب ايلوأ باجيإ بجوم ايلات وأ ،ابلس وأ اياجيإ همكح ناك ام عوضومل مكحلا مزلا لاومحم سحلاب دجي نأ وهو وأ لاصتلاا هبولسم وأ دانعلا بجوم وأ ادوجو امئاد لب ةاواسملا ليبس ىلع لاو ضعب نود نيباحلأا ضعب ىف كلذ سيلو ،هبولسم وأ مدقملا اذه مزلت ىلاتلا اذه ةعيبط نأو ةبسنلا هذه عوضوملا اذهو لومحملا اذه ةعيبط نيب نأ ىلإ سفنلا نكسي

Desta passagem complicada e de difícil tradução, depreende-se que a terceira etapa consiste na construção das premissas que produzem uma crença baseada em certa relação entre sujeito e predicado. Os sentidos (al-ḥawāss) - aqui o termo é usado

genericamente - com a ajuda do intelecto produzem um predicado ao compor um julgamento empírico sobre dado sujeito. Isto acontece por afirmação e negação “ou [por] uma conexão afirmativa ou negativa; ou uma oposição afirmativa ou negativa”323. Assim, resulta para o intelecto uma crença de que o predicado essencialmente pertence a tal sujeito como, por exemplo, “todo corpo é dotado de forma” e “a lua apenas brilha do lado virado para o sol”. Aqui, o predicado é necessariamente atribuído ao sujeito, pois “a alma confia na existência de tal relação entre a natureza deste predicado e este sujeito”324.

Por fim, “a quarta etapa é o assentimento aos predicados que se realizam na alma devido à intensidade da recorrência (lishada al-tawātur)”325. Aqui, Avicena se refere a certo tipo de primeiros inteligíveis que, de acordo com Gutas326, são imediatamente obtidos por experiência (mushāhada)327.

Portanto, são estes os modos pelos quais os sentidos participam da conceitualização e do assentimento descritos em V.3.

كلذ نوكيف ،قافتلااي لا هتاذل هيقانت صاح اداقتعا ةيقطنملا نونفلا ىف نيبم وه امك سايقو سح نم لا . [K. al-Nafs, V.3, p. 222] 323 K. al-nafs, V.3, p. 222. 324 Idem.

325 Idem. Gutas traduz esta passagem em um modo completamente diferente: “In the fourth category are

the reports whose truth is acknowledged because of their sequential and multiple transmission”. Cf. GUTAS, D. The Empiricism of Avicenna, p. 410.

326 Idem.

327 Gutas propõe uma distinção entre mushāhada e tajrib. O primeiro termo consiste na experiência