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2. ABORDAGENS DE INTERVENÇÃO RURAL

2.2. A ASSISTÊNCIA TÉCNICA

A criação da Embrater, segundo Masselli (1998), esvaziou o apoio à família rural, caracterizando o período de atuação dessa instituição como mais “produtivista”, já que as ações passaram a ser mais dirigidas para produção agrícola propriamente dita.

O sistema de crédito, por exemplo, antes supervisionado, caracterizado pelo apoio técnico ao agricultor em todas as etapas da produção, passa a ser orientado, isto é, dirigido a um projeto produtivo específico. Assim, o crédito fica reduzido ao apoio financeiro à produção, já que o agricultor perde o acompanhamento constante do técnico no processo produtivo, o que em tese lhe garantiria mais qualidade ao trabalho.

Em 1960, segundo Fonseca (op. cit.), a ABCAR elaborou o seu Plano Qüinqüenal (1961-1965) cuja tarefa principal era ordenar o crescimento do sistema como um todo.

De acordo com a avaliação feita por esta autora o Plano mantinha, no que se refere à extensão rural, um discurso generalista comum da ideologia liberal, sem tratar dos problemas concretos. Continuava, então se propondo a assistir às populações rurais comprometidas com o desenvolvimento industrial, não considerando questões relacionadas à qualidade de vida dos agricultores e suas famílias.

É nesta época, lembra Fonseca (ibid.:168) que a sociedade brasileira intensifica a mobilização política de massas urbanas e rurais “reivindicando medidas que atendessem aos seus interesses imediatos: a reforma agrária, melhores salários, melhores condições de trabalho, sindicatos livres, etc.”. O governo respondeu a essas demandas pela contenção e controle das massas populares, em nome da manutenção da ordem econômica e social. Militares e tecnocratas tiveram papel fundamental, ficando os primeiros responsáveis pela segurança e os segundos pela modernização para garantir o desenvolvimento.

Como podemos entender das análises feitas por Fonseca (op. cit.), essa situação foi considerada como de modernização do aparelho estatal empenhada pela defesa de maior racionalidade no seu funcionamento. Essas mudanças atingiram concretamente a ABCAR em 1966, passando o Ministério da Agricultura a coordenar as atividades de

extensão rural em todo país e à ABCAR cabendo apenas o papel de executar as atividades.

Acompanham tais mudanças, alterações também no conceito de educação e na clientela da extensão rural. O conceito de educação, como discute aquela autora passa a ser baseado na concepção da “teoria do capital humano” de enfoque mais econômico. Ênfase é dada na capacitação de cada agricultor (e não de uma coletividade), aprimorando seus conhecimentos e habilidades para o trabalho agrícola. Já que a ação educativa não era mais o foco, deixam de ser prioridades a assistência a trabalhos comunitários e o crédito supervisionado, ações agora identificadas como sistema tradicional de trabalho e, portanto, incoerentes com a proposta de modernização.

Essas mudanças levaram a alterações também na clientela da extensão rural, que passou a ser composta tanto de pequenos e médios produtores, quanto de meeiros e assalariados e até grandes empresários, envolvendo, portanto, todos os possíveis produtores rurais que deviam ser mobilizados para o trabalho de modernização da sociedade brasileira. Fonseca (ibid.: 177) sintetiza que a proposta modernizante se compromete em provocar “mudanças profundas nas formas de organização da produção e da sociedade agrária”.

Este é o ideário de modernização da agricultura posto em curso já desde 1965, segundo Fonseca (op. cit.), pelo modelo “produtivista” de desenvolvimento rural. A agricultura passa a ser considerada como novo mercado para produtos industrializados. Assim o crédito agrícola, por exemplo, “elegia” algumas regiões, produtos e produtores como destinatários de seus investimentos, vinculando a agricultura ao sistema financeiro nacional.

A corrida à modernização explicitou o esgotamento do sistema ABCAR e sua impossibilidade de atender essa demanda, já que o referido sistema fora construído e se

identificava com os trabalhos de extensão rural baseados no modelo difusionista- inovador totalmente esvaziado no novo cenário político-econômico brasileiro. O Estado se apresentaria, então, com suporte financeiro e institucional para atender à modernização e funda a Embrater em 1974, cujos objetivos eram: a melhoria das condições de vida das populações rurais e o aumento da produção de alimentos, matérias-prima, tanto para o mercado interno, quanto para a exportação, reflete Fonseca (op. cit.).

Para operacionalização desses objetivos, contava-se com o “processo pelo qual o conhecimento agronômico, social e político é transmitido das fontes geradoras aos usuários finais” (Fonseca, ibid.:180).

A relação entre técnico e agricultor de acordo com a assistência técnica é mais dirigida às questões objetivas da produção. Mais uma vez uma hierarquia a representa, sendo o agricultor aquele a quem faltam informações, conhecimentos e o técnico aquele que os têm. Se bem que neste período da história da Ater, esta relação parece estar a serviço de interesses mais econômicos e não “sociais” como no período anterior, Fonseca (op. cit.) considera que em ambos os períodos os serviços estiveram comprometidos com a manutenção da lógica do capitalismo, entendida por ela como lógica da reprodução das contradições entre capital e trabalho no campo.

Se por um lado, o modelo produtivista garantiu o avanço brasileiro na produção de grãos, por outro parece ter negligenciado tanto as condições de vida das populações rurais, quanto às condições dos recursos naturais. Promoveu, por exemplo, o aumento da rentabilidade dos produtores, principalmente daqueles que antes de receber assistência técnica tinham baixo nível tecnológico (Dias, 1975). Mas, reforçou a divisão social, privilegiando atender muito mais empresas e latifúndios do que minifúndios e pequenos produtores (Gonçalves Neto, 1997).

Sendo gestado na idéia de modernização agrícola, este modelo começa a entrar em crise nos anos 80 do século passado. Três dimensões expressam esta crise, de acordo com Lamarche, citado por Wanderley (2000). A primeira de ordem econômica, ao defender a superprodução promoveu a concentração do desenvolvimento em áreas favoráveis às trocas comerciais, excluindo então outras áreas. A segunda, social, reduziu a necessidade da força de trabalho devido ao uso de equipamentos industriais, expulsando do campo para a cidade um grande contingente de pessoas, aumentando as taxas de desemprego. A terceira, ambiental, caracterizada pelo uso desordenado de defensivos químicos promoveu o desgaste de recursos naturais fragilizando o meio ambiente.

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