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CAPÍTULO 1: A SUBJETIVIDADE E AS CATEGORIAS FUNDAMENTAIS

1.4 A atividade como categoria fundamental do psiquismo

A complexidade da produção e dos conhecimentos sobre a natureza resulta na diferenciação das significações. Estas refletem cada vez mais as relações entre os objetos, relações às quais são submetidos os meios e os processos técnicos socialmente elaborados da atividade humana. No tocante à linguagem, as palavras deixam de ter um conteúdo refletido e se transformam. “A ideologia expressa na língua se substitui por

uma ideologia expressa pela língua. Senhores, capitalistas, escravos, operários tem maneiras diferentes de representar o mundo, mas isto não exige que falem línguas diferentes” (LEONTIEV , 2004, p.138).

O desenvolvimento da produção capitalista faz crescer a massa de trabalhadores e nesta coletividade cresce a consciência das classes dominantes. A ideologia das classes dominantes também esta presente na consciência dos trabalhadores, causando o que Leontiev (2004) denomina de “inaltencidade da consciência” (p. 141). Esta ausência de autenticidade da consciência provoca a

inadequação da própria vida, razão que dá origem à aspiração da superação desta inadequação, o que na Rússia aconteceu por meio da ideologia socialista. A busca da supressão da propriedade privada e da libertação do trabalho alienante, segundo Leontiev (2004), revela a busca da reintegração do próprio homem. Neste momento, há a passagem para a formação de uma nova consciência. O operário da sociedade comunista fia e tece, tal como o empregado do mundo capitalista. Mas, para ele, o motivo e o objetivo do seu trabalho não são estranhos um ao outro. Trata-se de uma consciência do sentido do trabalho e das operações e atividades técnicas necessárias para realizá-lo. O trabalho tem um sentido que não é oposto à sua significação:

Psicologicamente a consciência humana desenvolve-se, portanto, nas suas mudanças qualitativas por definhamento das suas peculiaridades anteriores que cedem lugar às outras. Na aurora da sociedade humana a consciência passa pelas diferentes etapas da sua formação inicial; só o desenvolvimento ulterior da divisão social do trabalho, da troca e das formas de propriedade pode acarretar um desenvolvimento da sua estrutura interna, tornando-a, porém limitada e contraditória: Depois chega um tempo novo, o tempo das novas relações, que cria a nova consciência do homem. (LEONTIEV, 2004 p. 148).

O homem entra em contato com os fenômenos do mundo circundante a partir da sua comunicação com os outros homens. A criança aprende a atividade adequada a partir da educação e, a cada nova etapa do desenvolvimento sócio histórico da humanidade, há uma nova etapa do desenvolvimento da educação. A concentração da riqueza nas mãos da classe dominante tem como efeito perverso concentrar as riquezas intelectuais nas mãos desta mesma classe; ao mesmo tempo, a ideologia da classe dominante tende a perpetuar a ordem social existente. Assim é que, para Leontiev (2004), há uma tendência generalizada nos países capitalistas de atribuir à educação das massas um papel relacionado com as operações de natureza cognitiva, impedindo que se amplie um conhecimento capaz de levar ao progresso histórico.

O desenvolvimento do psiquismo se dá por estágios. Nos seus estudos com crianças Leontiev (2004) observou que na idade pré-escolar a criança amplia seu horizonte de contatos e de conhecimento. Descobre os objetos humanos com os quais reproduz as ações humanas. Elas são extremamente dependentes das pessoas que estão à

sua volta para poder sobreviver. Sua vida acontece tendo o contato com os pais e irmãos, que formam o seu núcleo mais próximo, de uma forma quase exclusiva. Há um outro contato de natureza mais ampla que inclui todas as outras pessoas. Porém, as relações das crianças são mediatizadas pelas relações estabelecidas no primeiro círculo. Após a sua entrada na escola, todo o sistema das reações vitais da criança se reorganiza, permitindo a elas conhecerem o conjunto de obrigações que se referem à sociedade. Pela primeira vez elas tomam consciência de que realizam algo importante. A figura do professor, do educador, passa a exercer uma influência concreta, e as crianças percebem que o aprendizado representa algo de novo e importante que elas realizam. O seu círculo de comunicação se amplia e as relações mais amplas passam a ter sobre ela uma importância essencial.

Na adolescência se dá a inserção em novas formas de vida e se altera também o papel que elas exercem na vida dos adultos. Nesta fase se desenvolve um sentido crítico aguçado do ponto de vista da consciência. Surge a necessidade de adquirir maiores conhecimentos sobre a realidade que cerca a vida destes adolescentes.

Para Leontiev (2004), o desenvolvimento do psiquismo não é influenciado pelo conjunto das atividades, mas pela atividade dominante. Para ser chamada de dominante, a atividade tem que englobar as seguintes características: Em primeiro lugar, é aquela atividade no interior da qual se formam novos tipos de atividade. Por exemplo, o ensino acontece na primeira fase da vida escolar sob a forma de um jogo e no jogo a criança aprende regras de conduta que se aplicam à vida em geral. Nesta fase da vida os jogos representam a atividade dominante das crianças. Em segundo lugar, é a atividade na qual se formam ou se reorganizam processos psíquicos particulares. A criança aprende jogando a utilizar a imaginação ativa e o raciocínio abstrato. Em terceiro lugar, para ser designada como dominante, a atividade deve ser aquela que mais influencia as mudanças psicológicas fundamentais da personalidade da criança, manifestadas no processo de desenvolvimento. Em nosso exemplo, é no jogo que a criança toma conhecimento de novas atividades e do papel dos outros indivíduos na sociedade e dos fatos importantes para a formação da sua própria personalidade (LEONTIEV, 2004).

A atividade dominante é a que condiciona as principais mudanças nos processos psíquicos da criança. O desenvolvimento do psiquismo na criança não

depende apenas de sua atividade dominante e de outras atividades, mas é indubitavelmente influenciado por uma sucessão de eventos determinados no tempo, e tem uma relação com a idade da criança. Além disto, segundo Leontiev (2004), o indivíduo a cada época encontra determinadas condições históricas e sociais que influenciam o desenvolvimento do seu psiquismo e estas condições não foram sempre iguais ao longo da história da humanidade.

Assim, não é a idade que determina o conteúdo do estágio de desenvolvimento, mas a passagem de um estágio ao outro depende das condições sócio-históricas, que determinam a atividade dominante na criança em cada estágio do seu desenvolvimento. Para Leontiev (2004), surge uma contradição entre o modo de vida e as possibilidades que superaram as condições de vida. Esta contradição é responsável pela passagem para o estágio subseqüente do seu desenvolvimento. A atividade esta, por sua vez, associada a um outro conjunto de impressões psíquicas que são as emoções e os sentimentos.

Leontiev (2004) considera que a atividade não é o mesmo que ação. Uma ação é um processo cujo motivo não coincide com o objeto, com aquilo que se visa obter com a ação. No exemplo do estudante que lê um livro para passar na prova e não para tomar conhecimento do conteúdo do livro, há uma relação particular entre ação e atividade. A ação pode, contudo, se transformar em atividade. E é desta forma que nascem as novas atividades, e se sucedem os estágios do desenvolvimento.

Como nascem os motivos? Por que uma criança que embora sabendo que precisa fazer as lições e estudar para passar de ano, assim mesmo não estuda? Por que razão quando a mãe lhe diz que enquanto não terminar os deveres não sai para brincar, a criança obedece e estuda? Ela sabe, de forma consciente, que deve estudar. Entretanto, este conhecimento não é psicologicamente suficiente para fazê-la estudar. Mas, a vontade de brincar, o é. Leontiev (2004) chama os primeiros motivos de “apenas

compreendidos” e os segundos de “motivos que agem realmente”. Os motivos apenas

compreendidos se transformam em motivos que agem realmente, e este movimento provoca a mudança de atividade. O agente transformador são os motivos que agem realmente. Os motivos compreendidos correspondem a um lugar que a criança poderá ocupar no estágio seguinte do seu desenvolvimento.

A mudança na atividade dominante serve de base para as mudanças no processo de desenvolvimento futuro da criança. Analisando as características psicológicas das ações, devemos dizer que, segundo Leontiev (2004), para que uma ação ocorra é preciso que seu objetivo (fim) seja conscientizado na relação com o motivo da atividade, no qual esta ação se insere. O fim de uma ação pode, portanto, ser conscientizado de diferentes maneiras, segundo o motivo ao qual ela se liga e dependendo da atividade na qual se insere. Resolver o problema de matemática pode ter como finalidade agradar a mãe, ou se preparar para os exames, ou apenas poder sair para brincar.