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Capítulo III. Resultados e discussão

3.2. A atividade de trabalho dos professores: entre o prescrito e o real

A atividade é o elemento central que organiza, estrutura e unifica os componentes de uma situação de trabalho. As dimensões técnicas, econômicas e sociais do trabalho só existem efetivamente em função da atividade que as põe em ação e as organiza (Guérin et

al., 2001). Assim, a análise da atividade torna-se fundamental para a compreensão das

diferentes dimensões envolvidas na relação homem-trabalho, pois se trata de um estudo minucioso das ações e investimentos realizados pelos sujeitos para atingir os objetivos do trabalho (Abrahão et al., 2009).

As aulas da EJA são realizadas de segunda a sexta-feira, no período noturno, das 19h às 22h30min aproximadamente. O turno é dividido em cinco aulas, cada uma com duração de cerca de 40 minutos. É importante mencionar que cada turma comporta dois anos (2º e 3º; 4º e 5º; 6º e 7º; 8º e 9º), sendo o primeiro semestre letivo destinado ao ano inicial e o segundo referente ao ano seguinte. As turmas do 2º/3º e 4º/5º ano têm, respectivamente, apenas uma professora responsável (em cada uma das salas de aula), isto é, ela leciona todas as disciplinas e encontra-se na escola de segunda a sexta-feira. Nas demais turmas cada docente é responsável por uma disciplina, tais como, Português, Matemática, História, Geografia, Ciências, Artes e Inglês e, geralmente, dão duas aulas em uma turma e três em outra.

É pertinente ressaltar que de acordo com a prescrição da Secretaria Municipal de Educação a jornada de trabalho que os professores devem cumprir é de trinta horas semanais, sendo 20 horas/aula e 10 horas destinadas a outras atividades, como por exemplo, o tempo destinado ao planejamento e preparação das aulas, as reuniões escolares e departamentais, o preenchimento de cadernetas e as correções dos trabalhos e avaliações.

Globalmente, os participantes deste estudo têm uma carga horária de trabalho, na instituição pesquisada, de trinta horas semanais, porém todos assumem mais de um vínculo de emprego público (o docente pode assumir até dois vínculos de empregos públicos), o que pode ocasionar uma sobrecarga laboral.

42 Dessa forma, podemos mencionar que a atividade de trabalho dos professores da EJA é complexa, com distintas nuances e não se resume àquilo que é desenvolvido no espaço da sala de aula. A partir de uma das observações sistemáticas da atividade de trabalho, elaboramos a seguinte descrição:

Andréia chega à escola por volta das 18h50min, se dirige a sala dos professores, conversa com os demais profissionais, assina o ponto e folheia sua caderneta. De seguida, às 19h o sinal toca, mas os professores continuam conversando sobre a situação de alguns alunos. Às 19h25min ela segue para a sala de aula do 6º/7º ano, cumprimenta os alunos e se dirige em direção à mesa, onde coloca os seus materiais. Depois que organiza os materiais, caminha pela sala e interage com os quatro alunos10 (3 mulheres e 1 homem) que estavam na turma, inclusive me apresentando para os presentes. Em seguida, faz uns apontamentos no quadro, tendo como assunto principal o “Feudalismo”, posteriormente explica o assunto e instiga os alunos a participarem da aula. Depois da explicação do conteúdo, volta a escrever no quadro, passa uma atividade para os estudantes e se coloca a disposição para tirar as dúvidas que porventura existissem. Neste momento, vai até a sua mesa, senta-se e faz a chamada. Logo após, os alunos a chamam e a mesma passa a orientá-los individualmente, isto feito, passa para a correção do exercício de forma coletiva, contando com a participação dos discentes. Ao iniciar a correção coletivamente, a professora pede a colaboração de uma aluna e esta se recusa a participar, daí Andréia pergunta se está acontecendo alguma coisa e se a mesma quer compartilhar. A aluna relatou que não estava bem naquele momento, pois alguém que gostava muito havia falecido. Há uma interação geral na turma e, logo após, retomam a discussão do exercício, sendo que agora com a participação, também, da aluna que havia se recusado a colaborar com a professora. Um tempo depois, o sinal toca para o intervalo, os alunos saem da sala, a docente apaga o quadro e se dirige para a sala dos professores, local em que os docentes conversam e lancham juntos. O sinal toca novamente, para a retomada da aula, porém, agora Andréia vai para a turma do 8º/9º ano, onde ela segue o mesmo ritual, ou seja, entra na sala, cumprimenta os alunos, coloca os materiais sobre a mesa e volta para o centro da sala de aula para interagir com os alunos, nesta interação, mais uma vez sou apresentada. Faz uma breve explanação sobre o que é Mestrado e depois, falam sobre uma minissérie que discorria sobre a Era Vargas, conseguindo, assim, manter uma boa interação com os alunos. Posteriormente, escreve no quadro, um resumo sobre “República” e “Monarquia”,

10 Normalmente, as turmas têm em média trinta ou quarenta alunos inscritos, porém, no decorrer do ano letivo estes vão desistindo e as turmas da EJA tendem a ficar com um número reduzido de discentes.

43 enquanto os alunos copiam, ela faz a chamada e explica o assunto. Em seguida, pede licença aos alunos e vai até a secretaria, ao retornar pede que os mesmos formem duplas e entrega-os papéis com diversos temas. Após a leitura e discussão das temáticas propostas, as duplas fazem a apresentação para a turma. Depois da exposição dos assuntos, a professora elogiava os discentes e complementava as informações com exemplos do cotidiano. Nestes momentos, Andréia se escorou no quadro várias vezes. Assim, após o término das atividades, às 22h05min os alunos foram dispensados.

Acerca disso, a descrição exposta permite que tenhamos um panorama global dos momentos organizados durante o turno de trabalho dos professores. Porém, cabe mencionarmos que a “ordem” dos fatos pode ser alterada de acordo com os imprevistos inerentes à atividade, como também devido às variáveis existentes no contexto escolar.

Em toda situação de trabalho, é preciso que haja uma prescrição, uma regra que forneça as bases para conceber o trabalho. As normas e as regras prescritas são necessárias para orientar a atividade, no sentido de atingir os objetivos propostos. Tornando-se perniciosa apenas quando é instituída como verdade, limitando as possibilidades de ação e bloqueando a manifestação e movimentação da inteligência que opera por desvios, subvertendo, transpondo e exorbitando o prescrito (Almeida, 2010).

Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho, os professores da EJA têm como tarefa: ministrar aulas (comunicação e expressão, integração social e iniciação às ciências), preparar aulas, efetuar registros pedagógicos, participar na elaboração do projeto pedagógico, planejar o curso de acordo com as diretrizes educacionais. Atuar em reuniões administrativas e pedagógicas, organizar eventos e atividades sociais, culturais e pedagógicas.

No entanto, de acordo com os profissionais, estes realizam outras tarefas que não lhes foram prescritas, como por exemplo: nortear o aluno acerca dos seus deveres e

direitos enquanto cidadão, compreender a realidade de vida dos educandos, buscar o crescimento pessoal e profissional do discente e valorizar o conhecimento de cada indivíduo.

Como podemos observar, existe um desvio entre o prescrito e o real. Assim, o caminho a percorrer entre o prescrito e o real deve ser inventado ou descoberto a cada vez pelo sujeito que trabalha, uma vez que trabalhar é fazer funcionar o tecido social e as dinâmicas intersubjetivas indispensáveis à mobilização subjetiva (Dejours, 2005).

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