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2 TELEVISÃO EM CONVERGÊNCIA: MEDIAÇÃO EM

2.2 TRANSFORMAÇÕES NA TELEVISÃO

2.2.1 A audiência entre as massas, os grupos e os indivíduos

Identificamos, a partir de Jenkins (2008), que o atual momento da televisão diz respeito também ao processo mais amplo por qual passa o ecossistema midiático, e que incorpora o processo de convergência dos meios e a cultura participativa. Essa forma de cultura se alicerça, segundo Jenkins (2008), em uma compreensão do público cada vez mais ativo e compreendido menos como integrante de uma massa uniforme e mais como um conjunto de indivíduos interconectados entre si.

Neste sentido, trazemos a sistematização realizada por Bailén (2002) como contribuição importante para discutir como se deu esta mudança na compreensão acadêmica e mercadológica da audiência, das massas aos indivíduos. Primeiramente,

16 Há outras características apontadas pela autora para a caracterização do que ela intitula Publicidade

ela aponta que a forma de se pensar a audiência varia ao longo do tempo, de acordo não apenas com as mudanças da tecnologia e da popularização de vertentes e perspectivas teórico-metodológicas. Outro elemento de influência é a relação direta que se estabelece entre esses estudos e os objetivos e interesses vigentes tanto pela academia quanto pelo mercado.

Faz sentido, então, que a primeira forma de se encarar a audiência tenha sido como massa. Isso porque no início do desenvolvimento dos meios de comunicação eletrônicos, a sociedade se via de forma inédita diante de um processo através do qual era possível, de maneira assimétrica, um emissor se comunicar e estimular um vasto número de sujeitos.

Os sujeitos eram vistos como

um grupo heterogêneo, mas tratado como se fosse uniforme, não organizado, desestruturado, sem normas que os autorregulassem e carente de um projeto comum unificador. Ao ser membros de um público massivo, as diferenças pessoais desaparecem e ao não compartilharem um mesmo espaço, dificilmente poderiam se reconhecer como um coletivo17 (BAILÉN, 2002, p. 25).

Essa percepção, como aponta Bailén (2002), também impulsionou a busca por compreender os possíveis efeitos das mensagens da, então, nova mídia massiva sobre seu público. Pontuamos o quanto essa percepção da audiência dialogava com seu momento histórico, quando na academia eram populares as propostas do behaviorismo e as pesquisas que baseavam a comunicação em modelos de estímulo- resposta.

O modelo também encontrava respaldo em um momento do mercado de bens de consumo em fase de consolidação. O modelo de produção, também massivo, da indústria dialogava com um conceito de mercado universal e com a proposta de se "criar uma ilusão de um acesso geral aos bens de produção disponíveis, ocultando a realidade baseada em relações coletivas assimétricas e desiguais"18 (BAILÉN, 2002, p. 24).

17 livre tradução para: un grupo heterogéneo pero tratado como si fuera uniforme, no organizado,

desestructurado, sin normas que le autoregulen y carente de un proyecto común unificador. Al ser miembros de un público masivo, las diferencias personales desaparecen y al no compartir un mismo espacio, difícilmente pueden reconocerse como colectivo.

18 crear la ilusión de un acceso general a los bienes de producción disponibles, ocultando la realidad

A maneira de pensar a audiência foi sendo, paulatinamente, substituída por outra, mais subdividida em grupos. Uma vez que o acesso aos bens de consumo se difunde, o mercado avança para a segmentação das experiências e produtos de consumo. Tomando a própria televisão como exemplo, podemos identificar que, junto à presença de um maior número de aparelhos por domicílio, segue a maior oferta de conteúdos divididos por segmentos sociais – inicialmente, divididos em grupos sociodemográficos.

Mesmo que as perspectivas teóricas não sejam completamente substituídas umas pelas outras, e que ainda existisse, como uma premissa, um modelo de estímulo-resposta, começam a se popularizar pesquisas que levavam em consideração a participação nesses grupos no processo de comunicação. Os efeitos das relações interpessoais e as diversas formas de divisão social passam a ser vistos como influentes na produção dos efeitos das mensagens no público, agora disperso.

Em especial, destaca a autora, são valorizadas concepções como as das comunidades interpretativas, "integradas por pessoas que compartilham as mesmas experiências a respeito das tecnologias, códigos, conteúdos, ocasiões e rituais comunicativos"19 (BAILÉN, 2002, p. 35).

O crescimento dessa premissa nos estudos de mídia diz respeito a uma virada em direção ao indivíduo: "uma nova preocupação por atender as peculiaridades pessoais e escutar o modo em que o telespectador explica sua própria experiência"20 (BAILÉN, 2002, p. 37). Esse processo passa a valorizar questões individuais e cada vez mais subjetivas. Nesta nova etapa do capitalismo e dos estudos de mídia, sujeitos, cada vez mais munidos de informação, passam a tomar a frente de suas escolhas, impulsionado pelas tecnologias digitais. Como aponta Bailén,

a mudança das transmissões unidirecionais à interatividade e a transformação das emissões entendidas como parte da “cultura nacional” para uma televisão que é parte de uma “escolha de consumo”, significa que as tecnologias de comunicação estão evoluindo de um modelo de semiose nacional à autodeterminação semiótica do indivíduo21 (BAILÉN, 2002, p. 40).

19 integradas por personas que comparten las mismas experiencias respecto las tecnologías, códigos,

contenidos, ocasiones y rituales comunicativos.

20 una nueva preocupación por atender las peculiaridades personales y escuchar el modo en que el

proprio telespectador explica su experiencia mediáica.

21 el cambio desde las transmisiones en un solo sentido a la interactividad y la transformación de las

emisiones entendidas como parte de la "cultura nacional" a la telvisión como parte de la "elección de consumo", significa que las tecnologías de comunicación están evolucionando desde un modelo de semiosis nacional a la autodeterminación semiótica del individuo.

Ainda que a autora estabeleça que esse nível de personalização não seja necessariamente oposto ou contraditório à homogeneização. Bailén (2002) identifica que existe já um novo conceito de televisão a se desenhar para o futuro. "Se a televisão tradicional nos falava de uma mesma mensagem dirigida a uma multidão [...], a televisão do futuro se coloca como uma empresa distribuidora de serviços ou experiências destinadas a saciar as necessidades individuais"22 (p. 43).

Essa percepção encontra ressonância na transição das fases da televisão, da PaleoTV à NeoTV e na mudança de concentração, dos enunciados televisivos, destinados a audiências massivas, aos processos enunciativos centrados nos enunciatários (CARLÓN, 2009; 2014). Canavilhas também identifica, de maneira semelhante, uma mudança de “um sistema ‘centrado nos meios’ para um ‘centrado no eu’, em que os usuários estão implicados em todo o processo”23 (CANAVILHAS, 2011, p. 22). Nesse novo sistema, o público busca protagonismo. O que significa que "em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras" (JENKINS, 2008, p. 30).

Na televisão, especificamente, pode-se entender que

agora, não existe mais diferença entre aquele que está na televisão e aquele que assiste - salvo uma: a televisibilidade. É assim que a televisão se torna o lugar mesmo de realização e consagração do valor maior da nova sociedade, que é o desenvolvimento pessoal e a autonomia individual. A era da pós-televisão é a era de um individualismo positivo, e a televisão é o vetor e o espaço de sua afirmação: qualquer um pode estar ali [...] Celebra-se a igualdade (todos podem aceder à TV) - mas esta é hierarquizada pela possibilidade efetiva de ser escolhido e ganhar a sonhada visibilidade (FRANÇA, 2009, p. 29).

É, então, pensando nestes novos públicos, que buscam novas relações com a mídia, que se faz necessário repensar a forma mesmo como são produzidos e distribuídos os conteúdos midiáticos e televisivos. Principalmente, a partir da

22 Si la televisión tradicional hablaba de un mismo mensaje dirigido a una multitud [...], la televisión del

futuro se plantea como una empresa distribuidora de servicios o experiencias destinadas a saciar necesidades individuales.

compreensão de que é necessário à televisão se reposicionar frente a um ecossistema midiático mais complexo e a um novo consumidor.