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Princípios basilares no âmbito processual penal, o contraditório e a ampla defesa devem permear todo o transcurso do processo a fim de garantir ao réu lutar com paridade de armas perante o Estado autor da Ação Penal. Ao final do transcurso processual, para se atingir o ápice da atividade jurisdicional, a sentença prolatada (aqui tomada no seu sentido estrito) visa à análise do mérito da Ação Penal, decidindo acerca da pretensão punitiva do estado, podendo ser “condenatória, quando julga procedente a acusação, impondo pena, ou absolutória, quando a considere improcedente.”56

O laudo definitivo é prova técnica demonstrativa da materialidade do delito, e sem ele fica impossibilitado o magistrado de proferir sentença nos autos, e, se assim o fizer, é nula a sentença exarada, haja vista a comprovação da materialidade do

55 Informações procedentes do Dr. Francisco Duarte, Juiz Titular da 2ª Vara da Comarca de Tóxicos

da Comarca de Fortaleza em 06 de maio de 2014, que também evidenciam o grau de importância do laudo definitivo para efeito de comprovação da materialidade desse delito.

delito ser de necessário interesse público. Tão peculiar e particular meio de prova constitui-se o laudo definitivo que nenhum meio de prova pode substituí-lo a fim de sanar sua eventual ausência.

Nenhum outro argumento a ser apresentado pela acusação, tais como prova testemunhal ou, muito menos, o laudo provisório tem o condão de produzir o elemento necessário e concreto apto a demonstrar a materialidade do delito de tráfico de drogas. Dessa feita, a não apreciação pela defesa dessa peça probatória é caso de nulidade de possível sentença, tendo em vista o cerceamento da defesa, que não tomou conhecimento do teor da principal peça instrutória orientadora da decisão judicial final.57

Para simples recebimento da denúncia, o parágrafo único do art. 50 do CPP possibilita o ensejo da Ação Penal, tendo por base a materialidade precária existente no laudo provisório, porém, em sede de sentença, que exige um grau máximo de convencimento a sustentar a segurança jurídica dos fundamentos judiciais, não pode um decreto dessa estirpe, seja absolutório ou, muito menos, condenatório, pautar-se em prova deveras frágil e pueril.

A tecnicidade de que se reveste o laudo pericial definitivo é a mola mestra da sentença judicial, pois nos delitos de tráfico de entorpecentes, faz-se imprescindível a constatação da natureza da substância apreendida, a qual só é possível através do laudo de exame toxicológico definitivo, elemento indispensável para determinar a adequação do produto apreendido à elementar do tipo legal incriminador, qual seja, a classificação como droga.

A indicação dos motivos de fato e de direito que alicerçam a decisão e o dispositivo da sentença, partes obrigatórias desta, contidas, respectivamente, nos incisos III e V do art. 318 do CPP, são extremamente dependentes das conclusões a que chegou a perícia técnica, uma vez que não há, por força legal imposta pela Lei 11.343 de 2006, como o juiz atestar determinado princípio ativo senão por meio de técnicas científicas que estão alheias ao seu conhecimento jurídico. Não há como preencher a elementar do tipo, ser droga ou não a amostra apreendida, senão por meio de testes químicos.

57 TJ-MG, Apelação Criminal: APR 10183100115900001 MG, Relator: Duarte de Paula, Data de

Julgamento: 14/03/2013, Câmaras Criminais / 7ª CÂMARA CRIMINAL; TJ-PR - Apelação Crime : ACR 3503568 PR 0350356-8, Relator: Lauro Augusto Fabrício de Melo, Data de Julgamento: 01/11/2007, 5ª Câmara Criminal.

Eis a única forma de adequação típica da conduta à norma capaz de conduzir peremptoriamente os motivos da decisão do juiz de forma cabal e desprovida de risco de erro, em virtude do aporte científico e empírico que alicerça e esteia toda a decisão jurídica dos crimes de tráfico ilícito de drogas.

Em entrevista ao juiz titular da 2ª Vara de Delitos de Tráfico de Drogas da Comarca de Fortaleza, este magistrado infere que muitas sentenças nos processos por tráfico sob sua responsabilidade encontram-se impossibilitadas de serem prolatadas por absoluta inoperância do Estado em não produzir o laudo pericial definitivo em tempo hábil, fato causador de âmbitos contratempos anteriormente relatados.58

Resta evidente, pois, que qualquer sentença proferida em processos que apurem a existência de crime relacionado ao tráfico de drogas sem a presença das informações carreadas pelo lado definitivo é nula, devendo o ato ser devidamente anulado para que ocorra a juntada do respectivo laudo definitivo, com a consequente intimação das partes para se manifestarem acerca dele, estabelecendo o contraditório e possibilidade de defesa pelo réu, para só então ser prolatada nova sentença. Assim é a jurisprudência dominante, e assim se posiciona também o STJ.59

58 Informações procedentes do Dr. Francisco Duarte, Juiz Titular da 2ª Vara da Comarca de Tóxicos

da Comarca de Fortaleza em 06 de maio de 2014

59 STJ, HC 118.666/MG, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), Sexta Turma,

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espera-se com o presente trabalho monográfico trazer informações úteis tanto para os operadores do Direito, como para os experts responsáveis pela Perícia oficial do Estado, tendo em vista tentar expor o liame tão importante existente entre o trabalho pericial e suas repercussões no processo penal, mais especificamente nos relacionados aos crimes de tráfico de droga que tem por corpo de delito amostras de drogas brutas.

Não pode o Perito quedar-se inerte, restringindo sua atenção apenas para o seu trabalho científico sem ter noção das repercussões processuais que o seu mister poderá acarretar. Não se trata de o expert imiscuir-se na seara própria dos conhecimentos jurídicos, mas ter a plena noção do quão importante será a influência do seu trabalho pericial (laudos preliminar e definitivo) no desenrolar processual.

Dentro de um sistema processual garantista, no qual se devem respeitar as garantias inerentes ao réu, principalmente a relacionada à sua presunção de inocência, aceitar a imposição de provas incriminadoras sem um mínimo de robustez, na fase inicial do processo, é ir de encontro à própria Constituição em seu artigo 5º, inciso LVII.

Ademais, levando-se em conta toda a carga negativa própria do processo penal, deve o magistrado valorar de forma consciente a robustez probatória inerente ao laudo preliminar, tendo em vista que essa prova poderá desencadear medidas bastante drásticas para o réu, quais sejam o recebimento da Denúncia ou a conversão para preventiva da prisão em flagrante.

O cerceamento da liberdade do acusado deve, sempre, ser visto como medida excepcional. As medidas cautelares restritivas de liberdade que se alicerçam sobre a materialidade do laudo provisório devem ser impostas apenas se houver neste a presença de informações mínimas (metodologia, idoneidade do perito subscritor, etc.) que garantam ao magistrado adotar tal medida com um acentuado grau de certeza. Dessa forma, não pode esse meio probatório, único no âmbito dos processos por tráfico de drogas, ter a sua qualidade técnica tão renegada a segundo plano a ponto de pôr em dúvida a justeza das decisões judiciais tomadas no transcurso processual.

A constatação da falta de disposições normativas que regulem a formalidade mínima de que deve se revestir o laudo provisório aliada à precária estrutura dos laboratórios periciais, seja no que tange a recursos humanos, seja em relação a infra estrutura, dão ensejo à produção de laudos periciais que, a despeito de sua gigantesca importância para a instrução processual, são produzidos de forma atécnica, possibilitando o surgimento do erro judiciário.

O laudo provisório ou preliminar deve revestir-se, mesmo sendo meio de prova precário, de qualidade técnica mínima a fim de não induzir a erro as decisões a serem tomadas pelo juiz, que fica adstrito a essa prova técnica, elaborada, muitas vezes, por determinada pessoa “idônea”, que não foi perfeitamente adjetivada na Lei nº 11.343/2006, comprometendo, pois, o resultado do exame pericial procedido por perito não oficial.

Haja vista a complexidade na detecção da materialidade delitiva, tendo que estabelecer a perfeita conexão com a Portaria 344/98 da ANVISA, resta praticamente impossível a perfeita adequação penal da conduta prevista nesse crime sem a presença do laudo pericial toxicológico, quando há apreensão de substância suspeita de ser droga.

A multidisciplinaridade que envolve o presente trabalho expõe o quão importante se faz a união entre o Direito e as Ciências Forenses, com vistas a robustecer a segurança jurídica das decisões proferidas com acentuado grau de certeza, próprio das ciências empíricas.

Por fim, da mesma forma que não pode o operador do direito quedar-se alheio com relação aos procedimentos periciais criminais forenses, não pode o Perito Criminal limitar o seu campo de conhecimento apenas à sua área de formação acadêmica, deve, pois, enxergar para além do momento da expedição do seu lado, ciente também de todas as implicações jurídicas que o seu trabalho desempenha no processo.

ANEXOS

ANEXO A – LAUDO PROVISÓRIO FEITO PELO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA

ANEXO B – LAUDO PROVISÓRIO PRODUZIDO PELAS DELEGACIAS DE POLÍCIA CIVIL CEARENSE

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