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Capítulo IV – Apresentação e discussão dos resultados

3. Discussão triangulada dos resultados

3.3. A autonomia de escola no PAFC

Quanto à autonomia de escola, os participantes no estudo, na sua maioria concordaram que a escola se tornou mais autónoma, referindo-se, no entanto, a decisões tomadas fundamentalmente a nível curricular e pedagógico.

Na perspetiva de Morgado (2000), a autonomia pode ser analisada segundo duas vertentes, a jurídico-administrativa e a sociológica. A autonomia descrita pelos diversos atores que participaram no presente estudo tem a ver, portanto, com a autonomia jurídico- administrativa e não com a sociológica, pois o que está aqui em análise são matérias que foram delegadas da tutela para as escolas, como a gestão de recursos, a gestão curricular e não a capacidade autonómica da organização escolar (noutros aspetos para além dos referidos) e tampouco dos indivíduos, neste caso, refere-se a todos os intervenientes no currículo, a saber,

alunos, pais/EE, professores, entre outros que possivelmente poderão estar envolvidos no currículo, de uma forma mais lata. Um docente na sua entrevista focou que a autonomia esbarra- se em exigências que as opções tomadas demandam e que a escola não consegue satisfazer, daí ser uma autonomia limitada às opções viáveis.

Soares (2005), por seu turno, categorizou quatro dimensões de autonomia, a saber, cultural, pedagógica, administrativa e de gestão financeira. Pelas características apresentadas a partir da recolha de dados surgem questões como as opções curriculares, o trabalho interdisciplinar, os modelos pedagógicos, os quais se enquadram na autonomia pedagógica, não referindo nenhuma das outras questões e deixando ainda muitos contextos por explorar na autonomia.

Lima (2011) refere que a autonomia curricular, dada às escolas, é diminuta, pois poucas interferências tem no currículo global de um aluno e na sua formação integral. Na matriz curricular base do 2º ciclo, existem 14 disciplinas e apenas 2 são opcionais, nomeadamente, Oferta Complementar e Complemento à Educação Artística (podendo até não existir oferta complementar). De facto, analisando estes dados, a autonomia curricular proposta não provoca alterações significativas na formação global dos discentes. Mesmo que o projeto tenha possibilitado o exercício de alguma autonomia curricular, esta poderá ser ainda ténue, na perceção de alguns indivíduos, como é o caso de um docente que relevou, na sua entrevista, que esta autonomia ainda era muito limitada e outro docente referiu que esta autonomia não era ainda suficiente, para fazer face à heterogeneidade de crianças e possibilitar o sucesso em todos, para uma melhor educação.

Por outro lado, Pinto (1998) declarou que as autonomias conferidas através da legislação nem sempre funcionam conforme previsto, isto é, as escolas adotam diferentes dinâmicas na conquista da sua autonomia. Neste projeto é decretada uma autonomia, no entanto, não é uma autonomia com um único caminho ou direção, pois é legislado um conjunto de opções para esta autonomia. Posto isto, cada escola seguirá um caminho diferente nas suas opções e terá obrigatoriamente de ter um papel pró-ativo na implementação deste PAFC, construindo o seu caminho distinto de todas as outras. Desta forma, tratando-se de uma autonomia decretada, não deixa de implicar um papel dinâmico da parte das escolas, pois estas têm que decidir fundamentadamente as opções que tomam, aumentando assim a sua responsabilidade, conforme um docente comentou em entrevista. Esta poderá ser uma tentativa por parte da tutela para que este projeto vingue e se torne estável e credível a longo prazo porque a escola opta pelo que lhe

interessa mais, envolvendo mais todos os intervenientes, comprometendo-os nas escolhas e responsabilizando-os.

Relativamente à possibilidade de estarmos perante um processo de autonomia construída, não podemos esquecer que esta exige um processo coletivo de mudança, fundado numa “cultura de colaboração e de participação” entre todos os atores (Barroso, 1996). É complexo desenvolver tal processo em pouco tempo, e tendo em conta que, não obstante toda a retórica de autonomia das escolas, ao diretor cumpre a função de “rosto” da tutela nas escolas, na decorrência do Decreto-Lei n° 75/2008, de 22 de abril. Apesar da existência de órgãos, na gestão das escolas, que asseguram a participação dos agentes, a saber, professores, alunos, encarregados de educação, entre outros, como é o caso do Conselho Geral, esta participação é muito limitada, o que, no entender de Lima, Sá, & Silva (2017), limita a autonomia e democraticidade nestas organizações.

Barroso (1996) propõe uma escola mais colaborante e participativa para concretizar a autonomia construída, bem como, uma liderança mais distribuída, o que não parece ser possível com o atual enquadramento normativo.

Este PAFC inscreve um discurso muito autonómico, no entanto, para este se concretizar seria necessária uma maior concertação entre os aspetos curriculares e pedagógicos e a gestão da escola. Este autor defende que os modelos pedagógicos têm consequências na gestão administrativa das escolas, por este facto, deverá haver uma concordância entre os modelos pedagógicos e a gestão das escolas (Barroso, 1996). Neste enquadramento normativo, os aspetos curriculares e pedagógicos possibilitam alguma opção de escolha mas a gestão da escola está muito limitada, o que não permite uma articulação adequada com o objetivo da autonomia da escola.

Formosinho (2010) apresenta alguns riscos na autonomia, conforme já explicitado num subcapítulo anterior. Aqui apresentarei os riscos mais iminentes deste projeto, a saber, a “autonomia da miséria”, onde inúmeras escolas no estudo avaliativo referiram a falta de recursos físicos, materiais e tecnológicos como um ponto fraco, inviabilizando a implementação adequada e profícua. Esta escolar também se referiu às obras de requalificação que estão ainda por realizar.

A “autonomia por incompetência” parece-me aqui também patente, pois os docentes desta escola (à exceção de 2) não obtiveram qualquer formação sobre o PAFC, implicando assim um menor envolvimento por parte de todos porque não se sentiram preparados para tais desafios. Por outro lado, os documentos saíram tardiamente o que não permitiu uma apropriação

adequada de todas estas inovações, atropelando o processo de desenvolvimento destas questões.