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1 A HORA DA AUTORIA E DA ADAPTAÇÃO 1.1 Texto, intertexto e a noção de autoria

1.3 A autora Suzana Amaral e o contexto do filme

Guimarães (2013, p. 51) diz que Suzana Amaral é dona de uma carreira peculiar, uma vez que A Hora da Estrela, seu primeiro filme no cinema não-documental, rodado quando ela já tinha 53 anos de idade, recebeu mais de 25 prêmios nacionais e internacionais e a colocou entre os nomes mais importantes do cinema nacional na década de 1980. Formada pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), Amaral fez mestrado em Direção de Cinema na New

York University, em Nova York, quando já era mãe de nove filhos. Mas, se engana quem imaginar

que a adaptação da obra de Clarice Lispector foi o primeiro contato da cineasta com o audiovisual. A diretora já estava realizando filmes desde 1971, quando filmou seus primeiros curtas Sua

Majestade Piolim e o Semana de 22, este último sobre o movimento modernista no Brasil. Além

como Erico Veríssimo (1975) e Crescer para Ser Quem (1979), no ano em que foi premiada no Festival de Brasília pelo curta Minha Vida, Nossa Luta.

É perceptível a aproximação de Amaral com o mundo literário, na verdade, a sua obra no cinema une o realismo do documentário com uma abordagem literária. Guimarães (2013) acrescenta que:

Foi assim que ela imaginou o roteiro de A Hora da Estrela, inovando na forma das adaptações literárias. Usando o livro como uma base de dados para se apropriar da história do escritor, Suzana Amaral pretende criar equivalentes cinematográficos dos romances que adapta (GUIMARÃES, 2013, p.51).

O filme A Hora da Estrela (1985) veio, portanto, propor um novo olhar sobre o livro de Clarice Lispector, publicado oito anos antes. O longa-metragem, escrito8 e dirigido por Amaral, foi

lançado exatamente no ano em que a ditadura militar terminou oficialmente no país e veio como uma espécie de revisão da crítica social proposta originalmente pela escritora. Assim, é possível reconhecer o olhar documental da cineasta a serviço da adaptação de uma obra de ficção.

Desse mesmo ano, emergem no Brasil inúmeras adaptações cinematográficas, época que marca a fase final da Embrafilme – Empresa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima – que, instrumento de política pública cultural do Estado, financiava produções nacionais, especialmente aquelas que alimentassem uma imagem positiva do país. Desse período, destacam-se produções que também são adaptações de obras literárias, como Memórias do Cárcere (1983), filme dirigido por Nelson Pereira dos Santos e baseado no livro publicado em 1953 por Graciliano Ramos; O Beijo da

Mulher Aranha (1985), dirigido por Hector Babenco e baseado no livro de Manuel Puig de 1976; Pedro Mico (1985), dirigido por Ipojuca Pontes e baseado na peça de Antonio Callado escrita em

1957; Noite (1985), dirigido por Gilberto Loureiro e baseado no romance de 1954 escrito por Erico Veríssimo; Brás Cubas (1985), dirigido por Júlio Bressane e baseado no romance de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881); Luzia Homem (1988), dirigido por Fábio Barreto e baseado no romance de Domingos Olímpio escrito em 1903. E muitos outros.

Diante dessa amostra, é visível o apreço dos diretores pelas adaptações, com produções lançadas anualmente pela Embrafilme, o que não foi diferente com Suzana Amaral. Segundo

8 Suzana Amaral é co-roteirista do filme com Alfredo Oróz, roteirista argentino radicado no Brasil, falecido em 1993.

Após A Hora da Estrela, Oróz escreveu a adaptação cinematográfica de O Grande Mentecapto (1989), dirigida por Oswaldo Caldeira, sobre o livro homônimo de Fernando Sabino, lançado em 1979.

Amancio (2007, p. 182), após a extinção da empresa distribuidora, houve uma queda no volume de filmes lançados só retomados praticamente uma década depois. Foi quando Suzana Amaral, após um hiato de mais de quinze anos longe do cinema, refez o caminho de levar às telas outra adaptação de uma obra literária ficcional. Seu segundo longa-metragem, Uma Vida em Segredo (2001), é baseado, dessa vez, no livro homônimo de Autran Dourado, publicado em 1964.

Alvarenga (2014, p. 93) diz que Suzana Amaral, nessa adaptação da obra de Dourado, volta à mesma estética da impossibilidade de comunicação de alguém, no caso, de uma mulher, Prima Biela, que é despossuída de si mesma. Entretanto, a própria cineasta nega uma reafirmação de Macabéa em seu segundo filme e refuta uma suposta predileção por contar histórias de mulheres ou qualquer motivação feminista em suas obras. Em entrevista feita com a cineasta para a coleção

Roteiro de Leitura, Amaral afirma: “Eu não sou feminista, e acho que a vida é dura tanto para homem quanto para mulher. O que existe é um problema econômico. Nós não temos uma indústria cinematográfica, temos uma subatividade de mercado. Cinema é coisa muito complicada” (GUIDIN,

2002, p.96).

Suzana Amaral confessa, nessa mesma entrevista, que é um desejo seu levar às telas obras da literatura, algo que é muito comum nos Estados Unidos, onde, para ela, poucos filmes surgem a partir de um roteiro original. E foi justamente estudando nos Estados Unidos que Amaral recebeu o conselho de adaptar sempre livros “fininhos”, uma vez que é melhor ampliar a história do que cortá- la. A cineasta acrescenta ainda:

Gosto muito de adaptar: você corta, separa, amplia, cria. Também acrescento minhas experiências. Inspiro-me na experiência das personagens e comungo com elas minhas experiências existenciais. Se eu fizer um roteiro original, vai ser só a minha visão. É mais enriquecedor partir de um caminho já aberto (GUIDIN, 2002, p.99).

Anos mais tarde, Amaral lançou Hotel Atlântico (2009), adaptação do romance homônimo de João Gilberto Noll, publicado em 1989. Sua mais recente empreitada, que a cineasta roteirizou em 1996, está ainda em fase de produção e recebeu o nome de Caso Morel, obra baseada no romance O Caso Morel do escritor Rubem Fonseca, escrito em 1973. Definitivamente, o caminho percorrido pela cineasta é o da realização de adaptações de obras literárias.