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A avaliação da educação e os interesses dos organismos internacionais

É interessante notar, então, que essas avaliações nacionais e internacionais, que expressam a concepção de qualidade defendida, provêm de outras necessidades e mesmo do atendimento de padrões internacionais, o que nos remete para o envolvimento de organismos, como o Banco Mundial, no financiamento e investimento em educação. Ao declarar como objetivo a erradicação da pobreza e a promoção da justiça social, compreendida como igualdade de oportunidades, o Banco Mundial (BIRD) define um pacote de estratégias que devem ser realizadas pelos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil. Contudo, segundo Silva (2003) essa intervenção tem a finalidade “de consolidar seus [do Banco Mundial] instrumentos produtivos, quantitativos e a cultura empresarial no sistema educacional brasileiro” (SILVA 2003, p. 285). Por meio de suas recomendações e exigências, o Banco Mundial valoriza dados quantitativos a respeito da qualidade da educação básica, o que permite avaliar a eficiência e a produtividade do sistema, para, assim, reduzir os recursos destinados à educação a fim de sobrar parte do dinheiro para o pagamento de banqueiros e credores (SILVA, 2003, p. 289).

De maneira semelhante, Altmann destaca que os resultados (o que o BIRD chama de análise de taxa de retorno) se verificam pelo rendimento escolar do aluno. “As análises das taxas de retorno têm sido o principal critério para decidir quais opções de investimento são de

maior benefício para a sociedade” (ALTMAN, 2002, p. 80). Percebe-se com isso que a escolha dos dados do SAEB como fonte de pesquisa a respeito da qualidade da educação no município de São Paulo está ancorada em tais determinações.

Implementado no Brasil em 1990, o SAEB tem o objetivo de gerar e organizar informações sobre a qualidade de ensino, possibilitando o monitoramento das políticas públicas e a melhoria da qualidade de ensino no país. Ele visa monitorar a equidade e a eficiência dos sistemas escolares (ALTMANN, 2002, p. 84).

Esse sistema, que é financiado pelo BIRD, conta com provas realizadas com alunos de 4as e 8as séries do ensino fundamental (atuais 5º e 9º anos) e 3º ano do ensino médio, com periodicidade de dois em dois anos. A avaliação conta com as disciplinas de matemática, português, ciências, história e geografia (esses dois últimos foram incluídos a partir de 1999). Porém, há de se considerar, fazendo coro com o autor, que dados quantitativos não são suficientes para uma análise real da qualidade educacional. “O ensino em sala de aula e todo o aprendizado dentro de uma escola vão além do que esses indicadores são capazes de medir por meio do rendimento dos alunos” (ALTMANN, 2002, p. 84).

Atrelado a esses dados, e considerando a suposta educação de má qualidade, o BIRD recomenda o aumento no tempo de instrução, oferta de livros didáticos e investimento na formação dos professores. Tais aspectos estão diretamente mencionados no documento estudado (SÃO PAULO, 2005a), que os apontam como prioridades nas políticas a serem formuladas no município para melhoria do aprendizado dos alunos.

Esta pesquisa não possui como objeto as políticas de avaliação, em vigência desde o início da década de 1990, portanto, não é intuito realizar a análise de tais instrumentos de controle da qualidade, mas entender as influências e a repercussão dessa tendência na sociedade paulistana e, assim, refletir sobre os supostos benefícios reais quando da aplicação de taxas de retorno na formulação de programas, especificamente o São Paulo é uma Escola, para melhoria da qualidade da educação e na própria vida social do indivíduo.

(...) num mundo que, cada vez mais, apresenta outras formas de divulgar as informações, o que se constata no campo social é o aproveitamento do desconhecimento alheio ou a omissão de esclarecimentos sobre as origens e as intenções das políticas públicas de educação como caminho mais curto para conduzir as influências e as pressões externas, emanadas das instituições financeiras, fazendo-as chegar de diferentes maneiras e por diferentes sujeitos ao interior da escola (SILVA, 2003, p. 290).

Relacionando o pensamento acima com o exposto anteriormente a respeito da falta de elementos significativos para análise das premissas que orientaram o diagnóstico realizado nos documentos sobre a educação na cidade de São Paulo, podem-se destacar outros organismos internacionais que influenciam as políticas nacionais. Aqui não se pretende esgotar o assunto nem citar todas as influências internacionais, já que existe um movimento mundial pela melhoria na qualidade educacional proporcionada a população, mas optou-se por selecionar as que mais se destacam a partir da década de 1990 em termos de direcionar, alicerçar e monitorar as ações governamentais no que diz respeito à preocupação acerca do controle dos fatores sociais, educacionais e pedagógicos que evidenciam que a educação ainda é concebida em função de desenvolvimento econômico. Tal seleção foi realizada a partir da legislação brasileira, em especial o Plano Decenal de Educação para Todos (1994).

Nos anos de 1990, a situação mundial de crianças que não frequentavam a escola continuava complicada. No Brasil, segundo Patto (2000, p. 191), dois terços das crianças entre 7 e 14 anos estavam fora da escola. Buscando reverter esse quadro mundial, a ONU convocou uma reunião geral em Jomtien (Tailândia) a fim de apresentar e reafirmar os direitos inerentes à criança, em especial os que tangem a educação, já que a realidade apontava para os seguintes números17:

 Mais de 100 milhões de crianças não tinham acesso à educação primária;  Mais de 960 milhões de adultos eram analfabetos;

Nessa reunião (Conferência de Educação para Todos), formulou-se um documento de compromisso entre os países para com a melhoria da educação, intitulado Declaração Mundial da Educação para Todos, considerado de alta relevância e reconhecido mundialmente. Nela estabeleceu-se a meta de universalizar a educação e promover a equidade em todos os países do mundo.

No Brasil, essa universalização de vagas já ganhou forma, porém, a igualdade na oferta e na qualidade está longe de acontecer. As diferenças educacionais no país, em especial nas grandes capitais como São Paulo são enormes. O que é ensinado nas escolas públicas está longe do necessário para inserção do indivíduo na vida em sociedade, bem como as habilidades e conhecimentos promovidos não são suficientes para o ingresso no mercado de trabalho.

17 Para mais detalhes consultar: MARCÍLIO, Maria Luíza. 2007. O resgate histórico do Ensino municipal. In: SÃO PAULO. Congresso Municipal de Educação. O ensino municipal: desafios e perspectivas. Anais do V Congresso Municipal de Educação. Secretaria Municipal de Educação. São Paulo: SME.

De qualquer maneira, na Conferência de Educação para Todos, cada país teve a incumbência de formular um Plano Decenal de Educação visando à satisfação das necessidades básicas de aprendizagem das crianças, o que, no Brasil, foi realizado em 1993.

O Plano Decenal de Educação para Todos foi concebido para ser um instrumento de lutas e alianças em prol da recuperação da educação básica, acima de partidos e de ideologias. Para cumprir essa condição, foi elaborado como uma proposta de governo para ser amplamente discutida. Em decorrência disso, ele foi enviado pelo Ministério da Educação e do Desporto às 27 unidades federadas e aos quase cinco mil municípios do País, com ofício do Ministro da Educação e do Desporto solicitando a elaboração dos Planos Decenais Estaduais e Municipais. Foi enviado, também, a inúmeras entidades governamentais e não governamentais, para receber críticas e sugestões (BRASIL, 1993, p. 4).

O plano estabelece como educação de qualidade aquela que promova a cidadania e conhecimentos necessários para interação em um mundo em constante mudança, em decorrência do progresso científico e tecnológico, por meio de, dentre outras iniciativas, valorização e qualificação do professor, profissionalização dos dirigentes de educação dos estados e municípios, incentivo a descentralização e apoio a iniciativas locais.

A educação enquanto um direito humano fundamental é a chave para um desenvolvimento sustentável, assim como para assegurar a paz e a estabilidade dentro e entre países e, portanto, um meio indispensável para alcançar a participação efetiva nas sociedades e economias do século XXI. Não se pode mais postergar esforços para atingir as metas de Educação para Todos. As necessidades básicas da aprendizagem podem e devem ser alcançadas com urgência (DAKAR, 2000).

Não se pode deixar de mencionar que essa leitura sobre a função social da escola, que a coloca como fundamental no combate aos problemas gerados pelo modo como acontece a chamada globalização, assim como pelo modelo hegemônico de desenvolvimento econômico, não considera que a própria instituição escolar contribui para o acirramento das contradições sociais e para a reprodução da desigualdade, uma vez que em seu interior persistem mecanismos de seleção e classificação de alunos.

Relacionando a preocupação em identificar o que é qualidade com os objetivos dos organismos internacionais, conclui-se que são priorizados pelos instrumentos avaliativos das escolas brasileiras os interesses oriundos dos acordos produzidos internacionalmente. “O que importa é alcançar os resultados/rendimentos escolares definidos a priori. Não importa se o aluno de fato se apropria de saberes e conhecimentos que se traduzam em processo emancipatório e de cidadania” (SILVA, 2003, p. 298). Ou seja, o que se realiza na escola, a

relação de aprendizagem que ocorre em seu interior e as conseqüências disso são desconsideradas no processo avaliativo proposto.

O que mais se observa, quando da análise das políticas de avaliação e dos acordos internacionais, é a prevalência de interesses econômicos e políticos estreitos, com a reprodução dos processos instalados e orientados, na sociedade atual, pela globalização cada vez mais presente em todos os países. Como afirma Jimenez e Segundo (2006, p.119):

O atual momento da sociabilidade capitalista tem sido pródigo no acolhimento de cartas de intenções diversas promulgadas em ruidosa celebração do advento do novo milênio, como se este trouxesse consigo as sementes da renovação a serem plantadas no seio de um grandioso pacto social, instaurando uma parceria mundial pelo

desenvolvimento, como convém a um mundo agora globalizado. Nesse cenário, (…), a educação assume, sem dúvidas, papel de evidente destaque (grifo dos autores)

(JIMENEZ; SEGUNDO, 2006, p.119).

Nessa perspectiva, o conceito de qualidade, tal como aparece no Plano Decenal de Educação, está em consonância com os compromissos firmados nos documentos internacionais.

Sintetizando o exposto acima, a educação é, ao mesmo tempo, meio de manutenção social, de erradicação da pobreza e de ajuste para o sistema socioeconômico, tornando-se importante no sentido de conciliar as práticas cotidianas às necessidades sociais, eliminando os problemas, massificando o ensino e homogeneizando os indivíduos. “(...) As pessoas percebem que a educação proporciona uma saída para a pobreza, mas só se a qualidade da

educação e o ambiente econômico na sociedade em geral melhorarem” (BANCO MUNDIAL,

2000, p. 2).

Essa ligação entre universalização da educação básica e erradicação da pobreza extrema18 vem se concretizar na aclamação da Declaração do Milênio, que elegeu o ano de 2015 como o ano no qual se alcançará tal objetivo. Nesse caso, a educação é tida como instrumento de alcance dos objetivos de desenvolvimento do milênio19.

18 Para a ONU erradicar a pobreza extrema significa reduzir pela metade o número de pessoas que sobrevivem

com o equivalente a um dólar americano por dia que, segundo o documento Declaração do Milênio (ONU, 2000), significa 1 bilhão e duzentos milhões de pessoas.

19 As oito metas firmadas na Declaração: erradicar a pobreza extrema e a fome; universalizar a educação básica; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; garantir a sustentabilidade ambiental; combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; e estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.

Enfim, as influências internacionais sinalizam para que o ensino seja universalizado e que forme o aluno para ser capaz de interagir com as transformações ocorridas e que ocorrerão na sociedade, adaptando-se às mudanças tecnológicas, à economia globalizada e à demanda imposta pelas profissões do futuro, bem como aos deveres promovidos pelo tipo de cidadania valorizada pela democracia formal. Sendo assim, conclui-se que uma educação de qualidade é aquela assentada nas premissas necessárias para a formação de sujeitos capazes de viverem em conformidade com os preceitos da sociedade globalizada. Isso revela a urgência em adequar todas as pessoas as necessidades sociais que se apresentam mundialmente.