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5. Representação feminina e guerra

5.2. A beleza

Na sociedade ocidental, como observou Naomi Wolf em O Mito da Beleza (1992), um fator agravante surgiu, em compensação a conquistas como voto e alguns direitos 22 “‘Anjo de Kobani’: heroína ou lenda urbana?” BBC Brasil, 3 de novembro de 2014. Disponível e:

reprodutivos. A obrigação de ser bela, adequada a padrões de aparência, forma, peso e moda se dá como um fardo para a mulher ocidental, que se vê presa em um labirinto de dietas, maquiagens, roupas, cirurgias plásticas e produtos cosméticos. Por sua vez, o ideal de beleza encontra campo fértil para sua popularização na reprodução automática de imagens.

Pela primeira vez, novas tecnologias tinham condição de reproduzir em figurinos, daguerreótipos, ferrotipias e rotogravuras — imagens de como deveria ser a aparência das mulheres. Na década de 1840, foram tiradas as primeiras fotografias de prostitutas nuas. Anúncios com imagens de "belas" mulheres apareceram pela primeira vez em meados do século. Reproduções de obras de arte clássicas, cartões-postais com beldades de sociedade e amantes dos reis, gravuras de Currier e Ives e bibelôs de porcelana invadiram a esfera isolada à qual estavam confinadas as mulheres da classe média. Desde a Revolução Industrial, as mulheres ocidentais da classe média vêm sendo controladas tanto por ideais e estereótipos quanto por restrições de ordem material. Tal situação, exclusiva desse grupo, revela que as análises que investigam as "conspirações culturais" são plausíveis apenas em relação a elas. A ascensão do mito da beleza foi somente uma dentre as .várias ficções sociais incipientes que se disfarçavam como componentes naturais da esfera feminina para melhor encerrar as mulheres que ali estavam (WOLF, 1992, p. 18-19).

A autora analisa que os padrões de beleza sociais mudam conforme a cultura e a história progride, sendo notável a diferença dos padrões de beleza de sociedades diferentes da nossa ou mesmo de nossos antepassados. Wolf conclui que as regras estéticas determinam não apenas a aparência de mulheres, mas o seu comportamento. Ela exemplificar a questão com casos mais óbvios, como os pés de lótus das japonesas, algumas ainda vivas e com pés permanentemente mutilados. Essas mulheres, quando fotografadas são mostradas ora como algo exótico, ora como algo pavoroso.

Outro exemplo, largamente usado para atacar as cobranças de beleza sobre as mulheres é a situação de garotas (muitas adolescentes) que sofrem de anorexia e bulimia. Nos últimos anos, com a internet, é possível encontrar grupos de meninas que trocam experiências e ensinam umas às outras como emagrecer extremamente. Também é comum encontrar imagens de garotas doentiamente magras, com ossos marcados sob a pele, principalmente em editoriais de moda. Por isso, Wolf aponta as revistas femininas como um ponto importante na disseminação do mito da beleza entre jovens.

representam algo muito importante: a cultura de massa das mulheres. Uma revista feminina não é simplesmente uma revista. O relacionamento entre a leitora e a sua revista é tão diferente daquele de um leitor com a sua que eles não pertencem à mesma categoria. Um homem lendo Popular Mechanics ou Newsweek está folheando apenas uma perspectiva dentre inúmeras outras da cultura geral de orientação masculina, que está por toda parte. Uma mulher lendo Glamour está segurando nas mãos a cultura de massa orientada para a mulher. As mulheres são profundamente afetadas pelo que as suas revistas lhes dizem (ou pelo que acreditam que elas lhes dizem) porque essas publicações são tudo o que a maioria das mulheres tem como acesso à sua própria sensibilidade de massa. A cultura em geral adota um ponto de vista masculino do que é notícia ou não (WOLF, 1992, p. 91-92).

Quando se analisa a representação feminina no fotojornalismo de guerra, é comum encontrarmos imagens de mulheres vítimas dos conflitos, aflitas ou em má situação – basta correr um rápido olhar pelas fotos premiadas pelo World Press Photo Contest na categoria “Contemporary Issues”. Já na fotografia (comercial e publicitária principalmente) em geral se vê o corpo feminino objetificado e erotizado, chegando ao cúmulo de sexualizar meninas ou infantilizar adultas, como já foi apontado em diversos estudos ao longo da segunda metade do século XX.

Wolf estabelece a representação feminina como um produto da cultura masculina, nela, as mulheres são beldades, musas. A autora afirma que quando uma mulher tem personalidade ou demonstra inteligência – de uma forma geral, mostra que tem uma história própria – ela não é desejável e portanto é esquecida. Ao mesmo tempo, a beleza é algo passageiro e frívolo. Se não é possível ser bela nem inteligente e ainda assim ser relevante, conclui-se que na cultura ocidental as mulheres são excluídas.

Nesse contexto, surge um jornalismo focado em objetificar e exaltar a beleza de mulheres em detrimento de suas habilidades e feitos. É baseado em fotos, filmes ou descrições verbais de mulheres que se destaquem por algo (frequentemente os esportes) de forma a minimizar suas conquistas e torná-las mais uma bela e até erótica figura para chamar a atenção da audiência (presumivelmente masculina).

Esse tipo de jornalismo é facilmente exemplificado em uma breve visita a um portal de notícias ou site de esportes. O caso das gêmeas Bia e Bianca Feres, atletas do nado sincronizado, é emblemático nessa discussão. As irmãs alcançaram o sucesso por meio do esporte, e com o assédio da mídia em torno da beleza de ambas, deixaram de ser lembradas pelo talento nas piscinas. Atualmente, as notícias sobre as duas giram em torno de seus corpos

e fotos em redes sociais.

A promoção de galerias de fotos de “Musas da Copa” ou o uso de adjetivos sexualizantes para se referir à atrizes, atletas e mesmo mulheres políticas é tão frequente que ganhou um blog na plataforma Tumblr23 para serem listados e denunciados. No entanto, as

críticas à prática ainda parecem fracas, variando entre acusações de misoginia e reduções para apenas mau gosto.

Para Beauvoir e Wolf, a principal problematização que deve ser feita quanto aos conceitos de beleza e fragilidade que permeiam a imagem feminina é o quanto isso pode influenciar no comportamento individual e nas pressões sociais que as mulheres sofrem. Uma representação negativa ou contaminada por esterótipos pode afetar expectativas individuais, pode podar oportunidades e reduzir chances de sucesso, pois minam a confiança e auto- imagem de meninas e mulheres desde cedo, as condicionando em uma certa crença de serem como bibelôs ou eternas crianças: incapazes de alcançar o mesmo sucesso masculino, não almejando serem mais do que enfeites. Por outro lado, mesmo que as expectativas individuais se mantenham altas, a representação feminina afeta ao restante da sociedade, que pode medir as mulheres de acordo com sua aparência física e desconsiderar seu talento ou habilidades.

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