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CAPITULO IV – CONTRIBUTOS PARA UMA APLICAÇÃO DOS TEXTOS

1. Preocupações do professor de Educação Moral e Religiosa Católica

1.1 O papel da Bíblia na construção da identidade

1.1.1. A busca de identidade

Todos conseguimos compreender que toda a pessoa é única e singular, isto é, diferente de qualquer outra pessoa. A questão da identidade veio adquirindo grande relevo, nomeadamente nos últimos dois séculos. A preocupação daqueles que estudaram este assunto deixou de ser a questão do ser, na sua manifestação cosmológica, ou na essência das coisas, até mesmo do ser humano, passando a focalizar na existência e destino do ser, chegando até, não ao destino da humanidade, mas de cada ser humano particularmente, no jogo constante da sua existência. Segundo a perspetiva existencialista121, “cada ser humano constrói-se a si mesmo, no processo de construção da sua identidade, e é nesse processo

121 Entende-se por existencialismo “qualquer filosofia que seja concebida e se exerça como análise da

existência, desde que por «existência» se entenda o modo ser do ser do homem no mundo. O existencialismo é assim caraterizado, em primeiro lugar, pelo fato de questionar o modo de ser do homem; e, dado que entende este modo de ser como modo de ser no mundo, caracteriza-se em segundo lugar pelo fato de questionar o próprio «mundo», sem por isso, pressupor o ser como já dado ou constituído”. Nicola ABBAGNANO, História da Filosofia, tradução de Conceição Jardim, Eduardo Lúcio e Nuno Valadas, Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 2001, 45.

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essencialmente particular que se joga o destino de cada indivíduo, enquanto ser livre. O modo de ser de cada ser humano – isto é, a sua identidade particular, única e irrepetível – precede cronológica e ontologicamente a essência humana, na sua unidade abstrata”122.

Também, com o contributo da psicologia, podemos inferir que o ser humano anda constantemente à procura de se encontrar, de aprofundar o conhecimento da sua essência. Assim, podemos constatar que cada sujeito procura a sua identidade envolto numa sociedade em que o indivíduo se dissolve numa massa cada vez mais anónima. Esta busca da identidade, com recurso a terapias diversas e psiquismo de massas, desenvolve-se segundo um modelo herdado pela modernidade: o modelo subjetivo. Este modelo pretende que a identidade de cada um seja construída de forma absolutamente individual, sem recurso a nenhum tipo de relação, isolado de tudo e de todos. Ilustrando esta noção, Gilles Lipovetsky, afirma que:

“simultaneamente à revolução informática, as sociedades pós modernas conhecem uma «revolução interior» (…) um fascínio sem precedentes pelo auto-conhecimento e pela auto-realização, como prova a proliferação dos organismo psi, técnicas de expressão e comunicação, meditações e ginásticas orientais. (…) mesmo os mais duros (sobretudo esses) entre os ex-líderes contestatários sucumbem a tais encantos da self-examination. (…) no momento em que o crescimento económico se esgota, o desenvolvimento psíquico reveza-o. Canalizando as paixões no sentido do Eu, promovido assim à categoria de umbigo do mundo, a terapia psi, ainda que colorida de corporeidade e de filosofia oriental, gera uma figura inédita de Narciso, identificando-se doravante este com o homo psychologicus... Alargando deste modo o espaço da pessoa, incluindo todas as escórias no campo do sujeito, o inconsciente abre caminho a um narcisismo sem limites”123

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122 João DUQUE, Textos e Identidades, in Theologica, 38 (2003), 17-31, 18.

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Gilles LIPOVETSKY, A Era do Vazio, tradução de Miguel Serras Pereira e Ana Luísa, Antopos, Relógio d’água, Lisboa, 1989, 51-52.

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Ora, existe aqui um claro equívoco, relativamente a qualquer equilibrada procura e construção da identidade pessoal. Na verdade, “nenhuma identidade se constrói ou se descobre pelo isolamento, pela mera introversão, pela concentração do indivíduo em si mesmo. É o que se pode constatar, não apenas a partir do testemunho da psicologia, mas até mesmo do próprio conceito de identidade”124

. Só na relação com o outro é que se descobre a diferença e a particularidade de cada um.125

A construção da identidade realiza-se na relação com os outros e, de forma concreta, na relação com todos aqueles que de um modo direto (pais, irmãos, professores, amigos, entre outros) se cruzam e interagem com o sujeito. Mas não podemos dissociar essa construção do tempo e do espaço em que está inserido. Isto significa que cada ser humano cresce dentro de um espaço cultural e num tempo em concreto que contribui, e de forma indelével, para a construção da sua identidade. Assim, “uma das dimensões da resposta do sujeito perante a interpelação da alteridade liga cada pessoa com o seu contexto cultural. Cada um é aquilo que é, como resultado da constante interação entre a sua idiossincrasia e o ambiente cultural. Aliás, não é possível, sequer, atingir o núcleo da identidade individual separadamente da sua identidade cultural, já que essas dimensões constituem um todo unitário na constituição identitária”126

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Portanto, toda a pessoa humana constrói a sua identidade por relação a uma herança muito diversificada e complexa, a que podemos chamar, de forma muito genérica, tradição. Contrariando, o pensamento moderno, onde se pretendia afirmar que a construção da identidade era desenvolvida, exclusivamente, a partir do fundamento do cogito127 interior e

124 João DUQUE, Textos e Identidades, in Theologica, 38 (2003), 17-31, 19.

125 A “noção de diferença implica, necessariamente, uma relação, para se constituir como diferença e para ser

percebida com tal.” - João DUQUE, Textos e Identidades, in Theologica, 38 (2003), 17-31, 19.

126 João DUQUE, Textos e Identidades, in Theologica, 38 (2003), 17-31, 19.

127 Pensamento, reflexão, meditação. Define-se cogito como “Formula abreviada da expressão cogito ergo

sum, tese da filos. Decartes e que representa o seu ponto de partida ou fundamento (Discours de la methóde, A. T. VI 32) ou ainda a «verdade primeira e mais certa que se apresenta a quem conduz,

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individual, sem qualquer relação com toda a tradição ou herança. Portanto, “podemos concluir que toda a identidade se constrói e se realiza num processo de relação à alteridade”128

. Torna-se necessário que a alteridade interpele a pessoa na construção da sua identidade. Mas essa alteridade, “enquanto tal, é sempre outra, por isso inefável e não captável pela intencionalidade do sujeito que dela pretende ter consciência. Como pode ela atingir o sujeito e provocá-lo à construção da sua identidade? Apenas em mediações de si, elas próprias outras, mas que permitem ao ser humano perceber a realidade que lhe é outra. De entre todas as mediações da alteridade, uma das mais importantes é a mediação textual”129

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