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A busca do critério do princípio da moralidade

No documento Os fundamentos do agir moral em Kant (páginas 44-49)

Kant quer buscar o princípio a partir do qual possamos fundamentar e justificar as nossas ações morais. Isso se dá na construção do imperativo categórico. Neste sentido, as perguntas que se fazem a seguir são: se nós temos o princípio ou o fundamento, onde buscá-los? Como fundamentá-los? Como fundamentar as normas? Quais são elas? Esses são os pontos de partida da Fundamentação da metafísica dos

costumes.

Entretanto, encontramos em Kant, evidentemente, várias respostas se olharmos na sua filosofia prática. Ninguém mostrou melhor que ele porque não podemos buscar esses princípios na experiência descritiva fatual e, sim, temos de buscar esse princípio na razão, ou seja, para buscar ou fundamentar o princípio, não podemos partir do que é, mas sim partir.

Por que Kant disse isso? Porque de proposições descritivas não resultam preposições normativas. Todos nós sabemos que podemos incorrer em uma falácia naturalista que é deduzir ou concluir o dever ser do ser.

Kant indica que não é na experiência que se deve buscar o princípio, porque a experiência me diz o que é, e não o que deve ser ou o princípio que deve ser e não o que. Toda a discussão feita por Kant na Fundamentação e na Crítica da Razão Prática vai nesse sentido: demonstrar a tese de que a razão é a única forma a partir da qual se pode justificar e fundamentar o imperativo, porque ela é a fonte e o critério da moralidade, até para justificar a autonomia e a dignidade humana.

É claro que é preciso demonstrar que Kant parece muito convincente na elaboração dos imperativos, que podem ser hipotéticos ou categóricos, como todos nós conhecemos. Mas o que nos interessa é que o princípio determinante ou o princípio fundamental do agir moral que possa garantir a autonomia da vontade, esse, sim, precisa efetivamente ser elaborado por um discurso da razão. Aqui temos o construtivismo moral de Kant.

Devemos tentar demonstrar por que, e qual é o risco que se tem em fundamentar esse princípio no empírico. Para responder a isso, devemos demonstrar como o imperativo categórico kantiano consegue vincular esses dois conceitos, o da autonomia e o da dignidade humana.

Na Fundamentação, é significativo que temos o princípio fundamental da moral. Ora, para ser um princípio, ele deve ser fundamentalmente um procedimento. O princípio, ou norma não diz propriamente o que é, nem o que deve ser, mas indica como deve ser102.

Se pegarmos como exemplo a formulação do primeiro imperativo categórico, a ideia de Kant é de fazer perceber que não é possível tirar esse critério de qualquer outro lugar que não seja da razão. Como a razão pode determinar à vontade? A resposta é: através do imperativo categórico que é único, e ele o faz categoricamente para que a minha ação tenha valor moral.

Na primeira formulação do imperativo categórico: “Age apenas segundo uma

máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”103, há

102 Portanto, o procedimento, muito mais do que indicar o conteúdo, indica o procedimento muito mais do

que indicar o conteúdo do poder ser. Daí então poder se dizer que o imperativo categórico é essencialmente formal, exatamente porque ele não se presta a avaliar qualquer conteúdo mais sim a forma da lei.

103 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafisica dos Costumes, trad. Paulo Quintela, Edições 70,

duas impressões que chamam a atenção, a máxima e a lei universal. A máxima é o princípio subjetivo que determina a minha vontade. Kant mostra claramente que a minha máxima deve passar pelo teste da universalização. Se suportar este teste, posso dizer que o meu ato é eticamente correto.

Quando recorremos a este imperativo: “Age como se a máxima da tua ação se

devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza”104, reparamos que nós

fazemos parte de um conjunto das leis da natureza, e a pergunta que se faz agora é essa: se eu puder querer que a minha máxima seja lei, eu a estou legislando para uma comunidade moral?

Sou o legislador universal, no caso de eu mesmo participar de uma comunidade ética, como um legislador e querer que minha máxima seja uma lei? A resposta é: eu a estou legislando para uma comunidade da qual eu faço parte, eu a estou legislando para mim mesmo, isso é autonomia. Eu me submeto à lei da qual sou autor, porque eu legislo para o mundo social ajustado.

Podemos afirmar eticamente que este mundo social ajustado é constituído por leis e essas leis devem ser universais, para valer para todos, para que que isso aconteça deve passar pelo teste de universalização. E minha máxima universalizada vem se associar a esses conjuntos de leis. Ora, esse mundo continuará a ser associado com a universalização da minha máxima? Se sim, então a minha ação é eticamente correta; se não, não.

Kant dá o primeiro exemplo da promessa enganosa. Ele mostra bem isso num caso em que prometo a alguém, que me empresta dinheiro, que irei devolvê-lo, mas na realidade sei que não vou cumprir esta promessa. A pergunta que Kant faz é a seguinte: Qual é a máxima dessa ação? Eu estou numa situação financeira precária e peço emprestado ao meu amigo, neste caso, qual é a máxima que Kant perguntava anteriormente?

A máxima é: vou prometer que vou devolver, mas eu sei que não vou devolver. Neste caso, posso querer que essa máxima seja a lei universal? Para Kant, se isso vier a fazer parte do valor moral da comunidade associada ajustada, a promessa enganosa se destrói a si mesma, porque eu preciso que meu amigo acredite na minha promessa. Se a

mentira for uma lei universal, ele já sabe que estou a mentir, então a mentira se destrói a si mesma; ela não passa no teste da universalização.

Outro exemplo muito prático de Kant é o suicídio. Eu quero saber se é eticamente justificável se suicidar. A pergunta é: Qual é a máxima? Esse mundo social ajustado, do qual faço parte, poder-se-ia constituir uma lei, quando as pessoas estão numa situação de depressão profunda o querem se suicidar? A lei moral anuncia que a razão humana não permite exceções. Portanto, a universalização dessa máxima destrói os direitos fundamentais do homem. Aqui há uma concepção metafísica da pessoa.

Em que circunstância, na tese de Kant, o ato é imoral ou eticamente incorreto? Kant afirma que exatamente no momento em que tu abres uma exceção para você, cai numa contradição: querer que a minha lei seja uma lei universal válida para todos, e eu mesmo pedir uma exceção para mim. Isso quer dizer, se sou corrupto, sabendo que a lei é universal para todos, e eu quero uma exceção, isso é uma contradição, ou seja, só posso justificar a partir de uma exceção aqui estarei em contradição daquilo que eu mesmo aprovei como lei. Neste caso, para Kant, essa ação é imoral.

No sistema ético kantiano é incontornável que o imperativo categórico não permita uma exceção. Neste sentido, a sequência lógica é o rigorismo kantiano, ou seja, a validade apriorística kantiana.

Nessa formulação, Kant trabalha concretamente o conceito da autonomia: “Age

de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”105. Essa formulação é a mais interessante em Kant, porque usa um conceito de extrema atualidade que é o consentimento, o que quer dizer que: eu posso usar alguém simplesmente como meio, quando a mesma pessoa consente com isso. Usamos o outro simplesmente como meio quando ele não sabe da minha intenção. Esse é o conceito fundamental da autonomia e da interatividade.

Por que é que não posso usar o outro simplesmente como meio? Primeiro acreditamos que o autor chama esse imperativo como prático porque ele tem o conceito de dever partindo desse podemos afirmar se é possível cumprir esse mandamento ou

105 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafisica dos Costumes, trad. Paulo Quintela, Edições 70,

não, isto é, “si mesmo se a sua ação pode estar de acordo com a ideia da humanidade como fim em si mesma”106

Isso é, não posso usar uma pessoa como meio, porque ele não tem preço, ele tem dignidade, ele é fim em si mesmo e tem capacidade de agir moralmente, ele tem razoabilidade e racionalidade. Esses são qualificativos morais, isto é, a pessoa tem capacidade e boa vontade. Kant afirma que a pessoa não tem a boa vontade a todo momento, mas sempre tem a capacidade de ter a boa vontade, e é isso que nos confere a dignidade.

A possibilidade que tenho em mim mesmo de me autolegislar e de me submeter à lei, da qual eu mesmo sou legislador, isso é autonomia, e essa autonomia é o fundamento da dignidade. Na terceira formulação, o filósofo fala da autolegislação da razão. Nós, quando legislamos, legislamos para o reino dos fins, isso podemos chamar de comunidade de autocomunicação.

Quando legislamos para que a nossa lei seja lei universal, nós estamos a legislar para os outros assim como para nós mesmos. Na segunda, assim como na terceira formulação, temos a autonomia como a capacidade de autolegislação. Isso é próprio dos seres racionais. Por isso só a pessoa humana tem dignidade. Na mesma linha de pensamento pode-se conferir que há valor moral da ação quando agimos de acordo com o que a lei manda, ou seja, agir em conformidade com a lei moral.

Neste caso, Kant tem uma concepção antropológica da dignidade, porque a pessoa tem a capacidade de legislar: de exercer autonomia e de se submeter à lei da qual é autor, o que também se pode chamar de autonomia potencial.

Esta lei moral que produz efeito em mim está inserida no mandamento que se expressa por dever dentro do imperativo categórico. Entretanto, o mandamento representa um princípio objetivo, à medida que torna indisponível a vontade, porque ele representa um imperativo categórico, de acordo com a constituição subjetiva da vontade.

No documento Os fundamentos do agir moral em Kant (páginas 44-49)