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2. Massa, futebol, emoções e novas tecnologias

2.2. A Busca da Excitação

O sociólogo alemão Norbert Elias em parceria com o inglês Eric Dunning publicou pela primeira vez em 1986, a obra A Busca da Excitação: desporto e lazer no processo civilizacional». O texto que se segue aborda o conceito de «busca da excitação»

32 desenvolvido pelo sociólogo.

O futebol, um desporto jogado e seguido nos cinco continentes, com maior interesse e prevalência na Europa e na América do Sul, cujo fenómeno envolve milhões de pessoas em torno de uma disputa entre duas equipas, origina os mais variados tipos de comportamentos, de acordo com os desempenhos mais ou menos positivos da equipa com a qual os adeptos estabelecem dinâmicas afectivas e de identificação. É uma actividade desportiva considerada de massas: «o futebol é um lugar de multidões, sempre que um grande número de espectadores assiste a um acontecimento desportivo, este transforma-se num espectáculo realizado em função dos espectadores e não dos participantes directos» (Elias, 1992: 307).

O sociólogo Norbert Elias integra o futebol na categoria das «actividades miméticas», por se tratar de uma actividade de tempo livre, com carácter de lazer, quer se tome parte delas como actor ou como espectador, desde que não se participe como se participasse numa ocupação especializada através da qual se ganha a vida (Elias, 1992: 110).

As actividades de lazer têm uma função específica na vida dos indivíduos, assim como a excitação que decorre dessas actividades, numa sociedade pautada pela formalidade da rotina quotidiana em que a «esfera mimética» é parte integrante da realidade social: A busca de excitação, o «entusiasmo» de Aristóteles, é, nas nossas actividades de lazer complementar relativamente ao controlo e restrição da emotividade manifesta na nossa vida ordinária. Uma não se pode compreender sem a outra (Elias, 1992: 107).

No decorrer do processo civilizacional, os indivíduos foram adquirindo civilidade estando sujeitos a um controlo social que limita a acção no que respeita às demonstrações públicas de «explosões fortes e apaixonadas» (Elias, 1992: 112).

O sociólogo alemão apresenta a «excitação» como «o condimento de todas as satisfações próprias dos divertimentos» (ibidem, p.116). No caso dos adeptos de futebol, a busca da excitação e segundo Norbert Elias - «passa a ser espontânea e muitas vezes irreflectida, porque o jogo é uma «actividade mimética» que provoca explosões de desanuviamento e não é totalmente controlável num determinado espaço e tempo» (Elias, 1992). Ou seja, é um «descontrolo controlado». Como definiu o mesmo sociólogo, o futebol, porventura como mais nenhuma outra actividade, satisfaz a «busca da excitação» -

33 e isso representa uma necessidade das sociedades modernas» (Elias, 1992). O sociólogo afirma que «a finalidade» dos grupos de desporto, «se têm alguma, é dar prazer às pessoas

aos espectadores» (Elias, 1992: 304). A «excitação dos adeptos» é uma manifestação emotiva e está associada às vitórias e às derrotas e à influência que elas despertam no indivíduo, quer do ponto de vista da sua intervenção pessoal quer no que concerne à relação e interacção que estabelece com outros indivíduos. A excitação experienciada pelos adeptos, manifesta-se de duas formas distintas: pode ser física e/ou psicológica e é, em primeira análise, uma consequência do insucesso. Mas pode ser igualmente um meio de transporte até à via do êxito. A excitação é a soma das partes de um exercício de «desanuviamento», segundo o sociólogo, que dura enquanto há competição e que se pode prolongar, no pós-êxito, em observância de um fenómeno que se assume, em determinado momento, como puro lazer - tudo subordinado, no fundo, não obstante as escapatórias daquilo que é consagrado socialmente como a ordem que é necessário preservar, aos ditames comummente aceites pela sociedade. Trata- se assim de uma «actividade mimética» que permite um «descontrolo controlado». A permissão social da expressão dos sentimentos é uma oportunidade de suavizar o «fardo global» da vida dos indivíduos (Elias, 1992).

A evolução do estilo de vida no Ocidente modificou os comportamentos dos indivíduos e o resultado traduz-se em diferentes formas de alcançar «excitação», como por exemplo através de disputas futebolísticas: numa sociedade em que as inclinações para as excitações sérias e de tipo ameaçador diminuíram, a função compensadora da excitação- jogo aumentou. Com o auxílio deste tipo de excitação, a esfera mimética oferece uma vez mais a oportunidade, por assim dizer, de um novo «desanuviar» no seio da sociedade que, pelo contrário, na vida social comum possui um conteúdo uniforme (Elias, 1992: 113).

Da observação regular e atenta dos jogos pode-se aferir os parâmetros pelos quais uma «grande multidão de espectadores» consegue obter o «prazer óptimo» neste tipo de «actividade mimética»: através do «confronto» no relvado entre duas equipas com elevados níveis de rendimento físico, concretização técnica, momentos criativos de passes de bola, lances entre outros aspectos, e de uma certa igualdade qualitativa no desempenho desportivo, de ambas, até ao momento da entrada da bola na baliza da equipa adversária (Elias, 1992).

34 ideia de que o futebol se foi transformando numa «religião secular da nossa época, pela força da identificação do grupo «o nosso grupo» ou «o grupo deles».

Com efeito, Durkheim comparava a «excitação colectiva» existente no futebol com a «efervescência» subjacente às cerimónias religiosas dos aborígenes australianos.

São tipos de crença considerados similares. São formas de identificação colectiva. São manifestações com pontos em comum do ponto de vista da consagração do «sagrado». Por isso, Elias [1992: 324] afirma que «o desporto se está a tornar cada vez mais a religião secular da nossa época, também cada vez mais secular». O sociólogo não circunscreve o caso particular do futebol; considera que se trata de uma característica do desporto e aponta também o exemplo do críquete na Grã-Bretanha.

A partir do facto de o desporto suscitar o encontro e a identificação de muitos milhares de pessoas, Norbert Elias defende, inclusive, a tese de que o desporto veio compensar, de algum modo, o declínio da religião. Nesta ideia está implícito não apenas o valor do desporto como manifestação que agrega grupos de pessoas, mas também o seu grau de importância nas sociedades modernas, nas cidades, nos respectivos distritos e até na representação global que é conferida pelos países; a dimensão local e a dimensão nacional (Elias, 1992); uma nova forma de religião.