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A busca pela terra de trabalho: a conquista do território do

4 O ASSENTAMENTO COMO TERRITÓRIO DE COSTRUÇÂO DE

4.1 A busca pela terra de trabalho: a conquista do território do

Oriundos dos estados de Santa Catarina, Bahia, da região do sudoeste do Paraná e dos municípios de Ortigueira e Londrina, as 480 famílias organizadas pelo MST, unidas por objetivos e sonhos comuns, ocupam no dia 16 de junho de 1997, a antiga Fazenda Apucarana que foi desmembrada dos imóveis Fazenda Água Branca, Canjanini, (Ricardo e Renato) RR-2A, RR-2-B e RR-1-B (de Ricardo Simon). E, esta ocupação, como todas as realizadas pelas famílias sem terra Brasil afora:

[...] são práticas criadas nas experiências de luta dos sem-terra e se constituem no principal instrumento de luta que visa em última instância, solapar a estrutura agrária baseada na concentração de terras, o que garante poder às elites e segmentos dominantes no campo. Portanto, a „espinha dorsal‟ das classes hegemônicas é a propriedade da terra. A sua democratização, efetivada através da reforma agrária realizada pela luta, viabilizará outras conquistas, tanto econômicas como políticas. Assim, o acesso a terra seria a primeira condição para superar a situação de exclusão em que se encontram as diversas categorias de trabalhadores do campo. (FABRINI, 2007, p. 35-36).

É diante desse cenário que em 1998 a fazenda foi desapropriada pelo INCRA/PR, dando lugar para instalação e formação de um Projeto de Assentamento, nomeado de Libertação Camponesa. O nome foi definido pelas famílias expressando o significado da conquista desta terra, antes como sinônimo de lucro e produção de mercadoria, agora imersa como terra de trabalho. Logo, é importante ressaltar que “a presença camponesa não decorre de uma licença capitalista”, mas sim “da capacidade própria de se articular, enquanto classe” (PAULINO et al. 2010, p. 65). A escolha do nome do assentamento reflete um grande significado para as famílias, como fica claro no depoimento abaixo.

A origem do nome Libertação Camponesa se deu em função de que a história das famílias estavam vinculadas à agricultura. Seja como boia-fria, parceiros, meeiros, arrendatários. A conquista da terra significava mais que um recomeço, um direito de viver a sua condição camponesa que vive da terra e faz parte desta terra (BONFIM, 2014).

Totalizando uma área de mais de 12.603 ha, o Assentamento Libertação Camponesa foi criado em 1996 através da portaria INCRA/SR (09)/N°106, publicada

no Diário Oficial II/N°251 de 27 de dezembro, apresentando capacidade para assentar 380 famílias, distribuídas em lotes individuais. A maioria da área está localizada no município de Ortigueira, região centro sul do estado do Paraná. O assentamento foi organizado em oito comunidades denominadas: Sede, Duas Casinhas, Água Branca, Serra dos Pinhais, Cozinhador, Mangueira, Santa Paula e Serra do Laranjal, conforme pode se observar no croqui abaixo (figura 02):

Figura 02 – Croqui do Assentamento Libertação Camponesa

Fonte: Edite Prates Souza/2014, em colaboração com os assentados.

A luta e constituição do Projeto de Assentamento Libertação Camponesa despertou entre as famílias expectativas que foram além da conquista da Terra. Nesse sentido, “a emergência dos assentamentos rurais no cenário da questão agrária brasileira é um dos fatos marcantes que caracterizam especialmente o período que vai de 1980 até os dias atuais” (LEITE, 2012, p. 108).

Esses processos de espacialização e territorialização da luta pela terra têm possibilitado a conquista de direitos a milhares de trabalhadores (as) historicamente

excluídos pelo projeto de desenvolvimento do capital. “A territorialização expressa concretamente o resultado das conquistas da luta, e ao mesmo tempo, apresenta novos desafios a superar” (FERNANDES, 1999, p. 242). Assim, podemos ter como referência a concepção de que:

A destruição e recriação do campesinato pelo capital e a recriação do campesinato por si mesmo são processos diversos, com lógicas distintas, com valores diferentes. Enquanto o capital promove recriação do campesinato no interior de suas relações, por exemplo, o arrendamento e a relação de compra e venda de terra, o campesinato ocupa terra e reivindica a desapropriação. Essa é a forma de rompimento com a relação dominante, mas que não supera subalternidade, por que após a conquista da terra, os novos camponeses são dominados pelos capitalistas por meio da sujeição da renda da terra. Esse processo de dominação e resistência permanente é constituinte estrutural da questão agrária, gerador de conflitualidade. (FERNANDES, 2005, p. 09).

Sobre esta questão, o que foi percebido no decorrer da pesquisa de campo, foi que a terra constitui esperança frente às muitas dificuldades encontradas pelas famílias camponesas no contexto da luta das relações sociais estabelecidas pelo latifúndio. Isto fica evidenciado na fala abaixo:

Antes de vim para o acampamento dos Sem Terra, trabalhava com meu pai numa fazenda, onde nossa família trabalhava a meia para o fazendeiro, mas nossa família era grande e todos trabalhava só que eu não achava justo o que nós ganhava do patrão, não dava nem pra comer, passamos muita dificuldade, tinha dia que não tinha comida para todos, dai uns da família teve que ir pra cidade buscar emprego pra poder ajudar a família. Daí, quando ficamos sabendo da possibilidade de ter uma terrinha, logo não tivemos dúvida que era a vez de nós conseguir trabalhar num pedaço de chão que fosse nosso. (DAL BOSCO, 2014).

A fala acima indica que a terra se apresenta como a possibilidade de superar as condições adversas vivenciadas pelas famílias. Mas é importante lembrar que a terra constitui “a fração do território” e é “conquistado na luta” (FERNANDES, 1999, p. 241). Isso explica a intensificação da luta pela reforma agrária no Paraná.

Como materialização da luta, foram assentadas no período de 1981 a 2013, 20.043 famílias, distribuídas em 322 assentamentos. Este fato pode ser observado na tabela 03 que segue.

Conforme revela os dados da tabela 03, o ano de 1981 foi o marco da constituição do primeiro assentamento com 413 famílias no estado do Paraná. Este processo foi retomado a partir 1984, quando é constituído mais quatro territórios com o assentamento de 333 famílias. Nota-se neste processo um avanço na conquista de mais territórios a partir de 1986, com a conquista de mais oito assentamentos, totalizando uma média de 110 famílias por assentamento. Em 1987, 886 famílias

foram assentadas em 21 assentamentos, revelando uma média de 42 famílias por assentamento e um total de 888 famílias.

Tabela 03 – Número de assentamentos e famílias assentadas no Paraná entre 1981-2012

Ano Assentamentos Famílias

1881 1 413 1982 0 0 1983 0 0 1984 4 331 1985 0 0 1986 8 886 1987 21 888 1988 7 314 1989 14 502 1990 1 32 1991 5 191 1992 15 332 1993 2 79 1994 2 137 1995 26 1456 1996 10 827 1997 28 2392 1998 42 2640 1999 44 1403 2000 23 1227 2001 11 829 2002 3 386 2003 2 161 2004 10 2058 2005 15 744 2006 5 263 2007 7 262 2008 4 167 2009 0 0 2010 7 794 2011 1 68 2012 2 60 2013 2 201 Total 322 20.043 Fonte: DATALUTA (2014).

É possível avaliar que nesse processo de constituição dos assentamentos que a extensão territorial não acompanha o número de famílias assentadas. Tal situação fica clara nos anos seguintes, quando em 1997 são constituídos 28 assentamentos, com capacidade de assentar 2.392 famílias e, em 1998, 42

assentamentos, com um total de 2640, ou seja, no geral aumenta-se o número de áreas desapropriadas, mas diminui o número de famílias assistidas.

Esta lógica de constituição dos projetos de assentamentos nos anos seguintes segue a mesma dinâmica, se destacando apenas o ano de 2004, quando pode-se observar que diferente dos anos anteriores temos um número menor de áreas desapropriadas, porém um número maior de famílias assentadas. Foram 10 assentamentos com capacidade para assentar 2058 famílias, uma média de mais de 200 famílias por assentamento. Nos anos de 2005 a 2013 nota-se uma drástica queda no processo de constituição de novas áreas, totalizando nesse período 43 assentamentos e 2559 famílias assentadas.

Aqui, é preciso pontuar que os assentamentos criados não são resultado de um programa de reforma agrária, ou seja, a constituição dos assentamentos não acontece por mera “vontade” ou compromisso governamental, mas de um sistemático movimento de luta pela terra, feito pelas famílias sem terra organizadas.

Partindo do entendimento que a reforma agrária é uma condição para se chegar ao desenvolvimento rural com isonomia e avanço nas condições socioeconômicas dos camponeses, é preciso que o Estado, na sua intervenção sobre a redistribuição fundiária, redesenhe um conjunto de políticas públicas que venham atender à população do campo. Pois, o que se tem visto é que a “reforma agrária” brasileira tem sido feita pelos camponeses, pela sua teimosia, rebeldia, enfrentamento e resistência à expulsão e expropriação do campo e não por um programa de Estado. Para nos ajudar na reflexão sobre o descompromisso do Estado em relação à reforma agrária:

Em 2011, no governo Dilma Rousseff (2011-2014), do Partido dos Trabalhadores (PT), foram assentadas pouco mais de 6.000 novas famílias. Além disso, o governo tem mudado o foco e a opção tem sido a „qualificação‟ dos assentamentos existentes. Ou seja, a reforma agrária com redistribuição de terras foi abandonada do projeto político do Estado, exemplo marcante é que o II PNRA acabou em 2007 e não foi elaborado um novo plano, tanto para o segundo mandato do governo Lula, quanto para o mandato da presidente Dilma. (ROSS, 2013, p. 15).

Como compensação para o abandono do PNRA, a qualificação das ações nos assentamentos incorporada pelos órgãos governamentais tem se configurado em estruturação e instituição de leis e projetos que venha potencializar a capacidade produtiva dos assentamentos. Portanto, é essencial verificar as potencialidades e os

limites deste processo de qualificação dos assentamentos, assim como seus resultados a curto, médio e longo.

4.2 Caracterização do território: organização socioeconômica e ambiental do