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A C ARTA DA O RGANIZAÇÃO DAS N AÇÕES U NIDAS

A instituição e atuação de organizações internacionais tem sido uma constante na evolução do direito internacional moderno. Todavia, a idéia de uma organização de Estados visando garantir o respeito ao direito internacional e a

solução justa dos conflitos entre as nações é remota. Henrique IV, rei de França, já havia idealizado uma “Grande República Cristã” dos Estados Europeus. Gottfried Wilhelm von Leibniz, filosofo e matemático alemão nascido em 1646, propusera a criação de um “Império Universal” das Nações Cristãs, presidido pela Papa e pelo Imperador. Ainda, Charles-Irénée Castel, Abade de Saint Pierre, apresentou ao Congresso de Utrechet, em 1713, seu “Projeto de Paz Perpétua”, preconizador da criação de uma “Confederação de Estados Europeus”, composta de 19 potências, sendo os direitos recíprocos dos seus membros determinados por uma Constituição comum. Porém, tais planos não logram êxito, sendo a idéia das organizações internacionais colocada efetivamente em prática apenas após a Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), com a Sociedade das Nações.

Todavia, a Sociedade das Nações, organização precursora das Nações Unidas fundada em 1919 com a finalidade de promover a cooperação internacional e obter a paz e a segurança, fracassou monumentalmente em sua missão, não sendo capaz de evitar a deflagração da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), confronto bélico considerado por muitos historiadores como retomada das hostilidades da Primeira Grande Guerra, que ceifou a vida de aproximadamente 60 milhões de seres humanos. Segundo Fábio Konder Comparato,

[...] enquanto a Sociedade das Nações não passava de um clube de Estados, com liberdade de ingresso e retirada conforme suas conveniências práticas, as Nações Unidas nasceram com a vocação de se tornarem a organização da sociedade política mundial, à qual deveria pertencer portanto, necessariamente, todas as nações do globo empenhadas na defesa da dignidade humana. (2008, p. 214)

A Segunda Guerra Mundial soou ao mundo, por todos os acontecimentos que englobou, como um prenúncio do Apocalipse. Nela, deflagrou-se projeto de subjugação e extermínio em massa de povos considerados inferiores:

o holocausto, talvez apenas comparável aos massacres cometidos por Hernán Cortés e seus homens contra os povos pré-colombianos das Américas, em especial a civilização Asteca. O ato final da tragédia, que poria, de uma vez por todas, fim ao conflito, igualmente espantou o mundo: os lançamentos das bombas atômicas

americanas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em 6 (seis) e 9 (nove) de agosto de 1945. A civilização tomou conta de que chegara a tal nível de desenvolvimento tecnológico que poderia atingir o extremo da destruição de toda e qualquer forma de vida da Terra.

Dos horrores da era de Adolf Hitler, percebeu-se que a sobrevivência da humanidade exigiria a colaboração e o esforço conjunto de todos os povos, com base no respeito integral à liberdade e à diversidade humana. Como resposta, começa a aflorar o processo de internacionalização dos direitos humanos, tornando possível a responsabilização dos Estados no plano externo e criando uma sistemática internacional de proteção aos direitos fundamentais. Segundo Valerio de Oliveira Mazzuoli,

[...] foi a partir do surgimento da Organização das Nações Unidas, em 1945, e da conseqüente aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que o Direito Internacional dos Direitos Humanos começa a aflorar e a solidificar-se de forma definitiva, gerando, por via de conseqüência, a adoção de inúmeros tratados internacionais, destinados a proteger os direitos fundamentais dos indivíduos. Trata-se de uma época considerada como verdadeiro marco divisor do processo de internacionalização dos direitos humanos. Antes disso, a proteção aos direitos do homem estava, mais ou menos, restrita a apenas algumas legislações internas [...] (2002, p. 48)

Nesse mesmo sentido, ensina Flávia Piovesan:

A Carta das Nações Unidas de 1945 consolida o movimento de internacionalização dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção desses direitos a propósito e finalidade das Nações Unidas. Definitivamente, a relação de um Estado com seus nacionais passa a ser uma problemática internacional, objeto de instituições internacionais e do Direito Internacional. Basta, para tanto, examinar os arts. 1º (3), 13, 55, 56, 62 (2 e 3), da Carta das Nações Unidas. (1997, p. 152)

Assim, o cidadão, antes vinculado única e exclusivamente à sua Nação, passa a tornar-se, também, cidadão do mundo. Afirma-se a concepção contemporânea dos direitos humanos, como sendo universais, indivisíveis, inalienáveis e interdependentes, vedando-se o relativismo, fundado, em especial, na diversidade cultural, como justificativa de violação dos direitos do homem.

Tendo por principais objetivos facilitar a cooperação internacional, o progresso social e o respeito aos direitos humanos, bem como deter guerras entre países e fornecer uma plataforma para o diálogo, foi assinada, em 26 de Junho de 1945, a Carta de São Francisco, mundialmente conhecida como Carta das Nações Unidas, documento que formou e estabeleceu aquela organização internacional, com sede na cidade de Nova York, Estados Unidos da América.

Segundo o sítio digital da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil:

A Organização das Nações Unidas é uma instituição internacional formada por 192 Estados soberanos, fundada após a 2ª Guerra Mundial para manter a paz e a segurança no mundo, fomentar relações cordiais entre as nações, promover progresso social, melhores padrões de vida e direitos humanos.

Os membros são unidos em torno da Carta da ONU, um tratado internacional que enuncia os direitos e deveres dos membros da comunidade internacional. (s. a., s. d., s. p.)

De modo a alcançar a concretização das liberdades que prevê, preconiza a Carta um esforço global, de cooperação internacional, conforme disposto em seu art. 55, alínea “b”. Nesse sentido, o próprio site da entidade no Brasil afirma que

A missão da ONU parte do pressuposto de que diversos problemas mundiais – como pobreza, desemprego, degradação ambiental, criminalidade, Aids, migração e tráfico de drogas – podem ser mais facilmente combatidos por meio de uma cooperação internacional. As ações para a redução da desigualdade global também podem ser otimizadas sob uma coordenação independente e de âmbito mundial, como as Nações Unidas. (s. a., s. d., s. p.)

A Carta previu, ainda, o direito efetivo ao desenvolvimento. Muito embora tal prerrogativa tenha vindo desprovida de necessários instrumentos de garantia e concretização, trata-se de uma importante afirmação, especialmente para as nações pobres de todo o mundo.

Outra importante disposição do documento – talvez uma de suas bases – é a afirmação explícita quanto à existência de um direito à autodeterminação dos povos, tendo se consubstanciado no principal fundamento do movimento de descolonização no período neocolonialista, em especial na África da década de 1960, que produziu resultados mais do que satisfatórios (TRINDADE, 2009, p. 26-27).

Segundo Antonio Cassese,

Tre grandi ideali – il diritto dei popoli all‟autodeterminazione, i diritti umani, il pacifismo (non quello “ingenuo” degli iluministi, ma um pacifismo “armato”) – venero così consacrati nella Carta dell‟Onu. In particolare, in quella Carta furono inseriti ben sette riferimenti ai diritti umani, ed in sostanza si tracciò un programa di azione per il futuro, senza porre invece impegni precisi per gli Stati né nel campo dei diritti umani né in quello del diritto dei popoli all‟autodeterminazione. (1999, p. 18)

Isto é, três grandes ideais vieram destacadamente consagrados na Carta da ONU: o direito à autodeterminação dos povos, os direitos humanos e o pacifismo (embora numa perspectiva “armada” – não “ingênua”). Em particular, naquela Carta foram inseridas sete referências aos direitos humanos e, em essência, se traçou um programa de ação para o futuro, sem designar compromissos precisos aos Estados, nem no campo dos direitos humanos, nem no campo da autodeterminação dos povos4.

Deste modo, foi a ideologia histórico e política posterior à adoção da Carta que acabou dando vida à ideologia dos direitos humanos e da autodeterminação dos povos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o

4 Tradução livre do trecho em língua italiana, acima transcrito.

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Resolução n.º 1514 (XV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 14 de dezembro de 1960, conhecida como

“Declaração Anti Colonialista”, que declarou o direito à independência dos países e povos coloniais – portanto, na qual a autodeterminação dos povos vinha explicitamente enunciada. Tais princípios acabaram por contribuir intensamente na democratização das relações internacionais.

É bem verdade que a ONU tem falhado em sua tarefa de manutenção da paz e segurança internacional, muito em função de estrutura organizacional, em especial do Conselho de Segurança, onde os membros permanentes (China, Estados Unidos da América, França, Reino Unido e Rússia) tem poder de veto. A autoridade da Corte Internacional de Justiça, seu principal órgão jurisdicional, também é limitada, uma vez que os Estados membros de seu Estatuto instituinte não se submetem, de pleno direito, à sua jurisdição (Estatuto, art. 36, 2).

Todavia, a passos lentos, o mundo tem presenciado progresso social, das condições de vida e maior respeito aos direitos humanos, impulsionado pelas Nações Unidas e suas missões através do globo, como a proteção de refugiados, fornecimento de alimentos, combate a doenças e fortalecimento de regimes democráticos por todo o mundo.