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A Cadeia de Custódia da Prova e Gestão do Banco de Dados

É essencial que as fontes da prova sejam protegidas, especialmente quando a produção dessas provas ocorre em ambiente totalmente alheio ao processo como, por exemplo, a prova genética (LOPES JÚNIOR, 2016, p. 422/423).

Justamente para assegurar a integridade dessas provas, existe a chamada cadeia de custódia. Segundo Norma Sueli Bonaccorso (2005, p. 60), a cadeia de custódia, conceito que advém da jurisprudência estrangeira, é aplicada à manipulação amostras e vestígios, bem como diz respeito a toda documentação que deve ser compilada a fim de que seja possível acompanhar toda a trajetória da prova.

A cadeia de custódia também pode ser definida como “um conjunto de procedimentos que, em última instância, imprime maior robustez à prova pericial formada” (BONACCORSO, 2010, p. 53). O conceito surgiu em razão da necessidade de garantir, de maneira pormenorizada, todos os cuidados necessários para que a

prova não seja comprometida e invalidada, evitando futuras alegações que possam comprometer o processo e a atuação das partes.

Dessa forma, segundo o Diagnóstico da Perícia Criminal no Brasil (2013, p. 82), a cadeia de custódia é essencial para a própria validação da prova obtida, uma vez que torna possível a rastreabilidade do vestígio, ou seja, o vínculo entre a prova e fato, como também para documentar todos os passos seguidos pela prova e quem a manuseou.

Segundo Aury Lopes Júnior e Alexandre Morais da Rosa (2015, s/n):

A luta pela qualidade da decisão judicial passa pela melhor prova possível.

Nesse terreno, a estrita observância do acusatório, com claro afastamento das funções de acusar e julgar, mas, principalmente, pela imposição de que a iniciativa probatória seja das partes e não do juiz (recusa ao ativismo judicial), bem como pela maximização do contraditório, são fundamentais.

Adotar o conceito de cadeia de custódia durante a manipulação do material genético equivale a dar maior espaço ao contraditório e a ampla defesa, uma vez que, assim, as partes terão a garantia da qualidade e aptidão da prova e, consequentemente, de um julgamento mais justo.

Os procedimentos estabelecidos na chamada cadeia de custódia são essenciais para garantir a idoneidade do material genético, e seguem um sistema de controle exigente. Segundo Norma Sueli Bonaccorso (2010, p. 186):

Deverá existir rigor na aplicação das recomendações técnicas para [...]

coleta [do material genético], para o estabelecimento e manutenção de sua cadeia de custódia, bem como para a sua correta conservação, de forma a garantir sua inclusão futura no banco de dados.

Conforme alerta o Diagnóstico da Perícia Criminal (2013, p. 85), do Ministério da Justiça, a cadeia de custódia da prova é de suma importância, entretanto, é necessário que os laboratórios responsáveis adotem um procedimento padronizado, de forma que os exames possam ser repetidos por diferentes profissionais e que o resultado obtido seja sempre o mesmo. No mais, também devem ser asseguradas a qualidade dos equipamentos.

Segundo o referido documento (2013, p. 81), o Brasil não possui uma regulamentação específica sobre a necessária cadeia de custódia, e que ainda há muitas “fragilidades” na gestão da atividade relacionada aos bancos de perfis genéticos:

O Brasil não tem uma normativa geral sobre cadeia de custódia e o mesmo ocorre na grande maioria dos Estados, que ainda encontram fragilidades na gestão da atividade pericial. Apesar da ausência de normas formalizadoras é possível, porém, identificar elementos que demonstram a existência mais ou menos consistente de cadeia de custódia nas atividades periciais.

Ainda de acordo com o Diagnóstico da Perícia Criminal (2013, p. 82), ao serem analisados os dados coletados a respeito da fragilidade dos procedimentos utilizados por grande parte dos Estados, chegou-se à seguinte conclusão:

Mais da metade das unidades centrais de Criminalística [...] de Medicina Legal [...] e de Identificação [...] responderam que os vestígios não são lacrados quando coletados no local de crime e não são guardados em local seguro e que preserve suas características. Não há também rastreabilidade dos vestígios na maioria dessas unidades. Em conjunto, esses dados apontam para a inexistência de procedimentos de cadeia de custódia na Criminalística. [...] A exceção diz respeito aos laboratórios de DNA, que por serem mais recentes e melhor estruturados apontam um pouco mais de robustez nos procedimentos pertinentes à cadeia de custódia.

Revela-se uma considerável vulnerabilidade nos sistemas essenciais para que o material genético possa ser considerado válido e seguro. Dessa maneira, as chances de se ter uma decisão judicial injusta são muito maiores, considerando que o material genético, que eventualmente servirá como prova no processo penal, não teve sua idoneidade garantida diante da ausência da cadeia de custódia.

Na cadeia de custódia devem ser registradas todas as etapas pelas quais o material genético passou, como o momento em que foi realizada a coleta, bem como o responsável pela tarefa, o procedimento utilizado para evitar contaminação. Portanto, todos os procedimentos pelos quais a prova genética passou devem ser documentados, desde sua coleta até a chegada no laboratório responsável pela análise, assim como todos os procedimentos pelos quais o material passou dentro do laboratório (SCHIOCCHET, 2012, p. 39).

A cadeia de custódia deve ser observada, sob pena de anulação da prova, em razão da ausência de cuidados necessários que garantam a integridade do material genético a ser utilizado no processo penal e ou eventualmente armazenado no banco de dados de perfis genéticos. Nesse sentido, em seu artigo 2º, § 1º, a resolução nº 3 de 2014, do Comitê Gestor, estabelece que deverá haver a

padronização de metodologias a serem utilizadas durante a coleta do material genético.

É necessário, ainda, todo um cuidado específico com a própria gestão do sistema responsável pelo armazenamento dos perfis genéticos.

Ao explanar sobre a gestão de um banco de dados, Lorente Acosta (2002), apud Norma Sueli Bonaccorso (2010, p. 189), explica que gerenciar um banco de dados significa ter a posse dos sistemas informáticos onde os dados estão armazenados, como também poder ter acesso a essas informações para consultas e atualização das informações. Bonaccorso ainda aponta outros cuidados a serem tomados por aqueles que têm por responsabilidade o gerenciamento do banco de dados como, por exemplo, o acesso restrito por meio de senhas autorizadas, computadores que não devem possuir conexão externa com outros endereços eletrônicos (como internet ou mesmo intranet), entre outras medidas.

No tocante aos procedimentos e à gestão dos bancos de dados, a ser realizada pelos laboratórios membros da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), a Resolução nº 5, de 29 de maio de 2014, criada pelo Comitê Gestor, dispõe sobre a criação de uma “Comissão da Qualidade”, que deverá ser composta por profissionais com experiência em sistemas de gestão de qualidade, e auditorias a serem realizadas nos laboratórios membros (GARRIDO; RODRIGUES, 2015, s/n).

Em síntese, toda a cautela é necessária no que diz respeito aos procedimentos de coleta e manipulação, e a gestão dos bancos de dados, uma vez que a falta de procedimentos adequados que tenham a finalidade de impedir que a prova seja manipulada de forma inadequada (inclusive com o objetivo de condenar ou isentar alguém de responsabilidade penal), pode resultar em decisões injustas (LOPES JÚNIOR, 2016, p. 423).

Dessa forma, a adoção de uma cadeia de custódia, bem como medidas de segurança durante o gerenciamento dos bancos de dados, busca assegurar integridade do material genético coletado e manipulado, legitimando, assim, sua utilização na persecução penal.